A questão parlamentar dos vetos presidenciais judicializada

A medida liminar proferida pelo ministro Fux em nenhum momento trancou a pauta congressual, impedindo, por exemplo, a deliberação sobre o orçamento. O debate no plenário fora estabelecido mais por razões políticas do que jurídicas



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O presente artigo advém de um Agravo Regimental de Medida Cautelar em sede de Mandado de Segurança preventivo (de caráter inibitório), que visa o resguardo de lesão a direito líquido e certo. O Supremo Tribunal Federal foi instado a pronunciar-se, vale ressaltar, sobre a liminar concedida monocraticamente - o mérito não fora analisado neste primeiro momento.

A questão atine diretamente ao princípio da Supremacia da Constituição, Republicano e ao respeito do Estado Democrático de Direito, sem esquecer-se do princípio do devido processo parlamentar. Já o princípio da separação e independência dos poderes, conforme demonstrarei, foi devidamente respeitado na decisão liminar.

A Constituição da República trata pormenorizadamente de todo o processo legislativo, deixando apenas as particularidades "interna corporis" para que sejam minudenciadas por meio dos regimentos Internos das Casas Legislativas. Certo e indeclinável é que os Regimentos Internos devem obedecer aos estritos termos da Constituição por seus balizamentos não sendo factíveis disposições que a contraditem, ainda que fundamentadas por razões políticas.

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A questão que se traz à baila concerne ao Veto Parcial 38/2012, que veda o Congresso Nacional a apreciação do veto presidencial no tocante à nova lei de distribuição dos Royalties do Petróleo enquanto não forem analisados os 3000 vetos cronologicamente anteriores, e que a maioria deles aguardam por deliberação há anos, alguns há 13 anos.

O impedimento proferido em medida liminar em MS pelo ministro Fux em nenhum momento trancou a Pauta congressual, impedindo, por exemplo, a deliberação sobre o orçamento, mas tão apenas trancou a pauta de vetos, não denegando à possibilidade de se praticar as atividades legiferantes, não se denegando a governabilidade como quiseram aduzir interessados.

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O núcleo duro da discussão encontra seu espeque no art.66 da CRFB, e dele se extrai a resposta suficientemente límpida sem maiores digressões. Este art. 66, em verdade, revela-se de uma clareza mais que meridiana sob a ótica jurídica, que apenas os desvios de razões políticas ter-se-iam a capacidade de fazer cognoscível entendimento que se deveria perceber unívoco.

A mera interpretação literal e conjunta dos parágrafos 4º e 6º do artigo supramencionado faz-se suficiente para deslinde da questão surgida no seio da Casa legislativa em sessão conjunta. Não existem normas na Constituição sem efetividade se não dependente de regulamentação, quando parte de sua efetividade pode ser postergada até que se regulamente. Não é definitivamente o caso que se sucede com o art. 66 da CR, e em especial dos parágrafos em voga, que encontram-se maduros e não dependentes de qualquer exação para posterior efetividade.

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Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará:
(...)
§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.
(...)
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

Ainda para um leigo a clareza se mostra reluzente. Argumenta-se "debilmente" que há muito não se cumpria o disposto em mencionados parágrafos, argumento pífio e juridicamente desguarnecido, já que não é pela inadvertida omissão de cumprimento de uma norma que esta resta tacitamente revogada. Pelo contrário, seu descumprimento, enquanto não revogada pelas formas de direito, resta eficaz e vigente, a depender de uma efetividade que deve ser declarada pelo órgão competente, já que colocada em cheque por uma das funções da República (Legislativa).

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É neste momento que o judiciário é convocado a fim de se restabelecer a máxima aplicabilidade das normas constitucionais, impelindo a Corte Constitucional, por natural atribuição, a manutenção da higidez constitucional, em particular a do processo legislativo.
No caso em tela extrai-se uma omissão inconstitucional, segundo ilustríssimo mestre Canotilho, onde se apercebe por um "non facere" voluntário que deve produzir consequências.

Não custa lembrar que todos os vetos devem ser entendidos como urgentes, não havendo que se aferir maior ou menor urgência a um determinado veto, já que todos possuem o mesmo prazo constitucional para apreciação e estão igualmente capacitados ao trancamento da pauta de vetos. Descabido o pinçamento político discricionário de um ou outro veto pelo parlamentar sem o atendimento a ordem cronológica constitucional, fundamentado apenas por razões políticas.

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Isto vai de acordo, inclusive, com a proteção das minorias, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal é por vocação contramajoritário, com o fito de frear as maiorias ocasionais, já que uma maioria parlamentar em um determinado momento pode representar uma minoria dominante. A legitimidade da jurisdição constitucional está no fato de ser preciso conciliar o "governo da maioria" com a supremacia da Constituição e com a defesa dos direitos fundamentais. Essa legitimidade permite ao Poder Judiciário atuar contramajoritariamente, inclusive porque em caso de conflito entre o princípio majoritário e a Constituição esta deve prevalecer. A maioria não pode se sobrepor a uma norma constitucional.

Não compactuo com a posição de que esta liminar em MS revelar-se-ia mal concedida pelo eminente ministro Fux, tendo em vista estarem configurados seus requisitos. Não entendo que a prática contrária a Constituição dê azo a um poder capaz de negar uma liminar pelo costume. O caso de se estar prestes a votar uma lei que pode revelar-se danosa ao legitimado ativo, causa de pedir, é motivo suficiente para a liminar no Mandado de Segurança preventivo, que como se sabe, já dito, revela-se uma tutela inibitória e que faticamente deveria ser conferida com a urgência que as liminares merecem.

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O poder de agenda deve sim ser respeitado, mas desde que se compatibilize com as balizas constitucionais. As razões "interna corporis" são sim insindicáveis em se compatibilizando com o Diploma constitucional. Não se pode mais compactuar com a omissão como um mau costume constitucional dos parlamentares, por isso o poder de agenda parlamentar deve ser visto sempre "cum granus salis", jamais como uma disposição indefenestrável.

Devo assentar, por honestidade intelectual, que o debate plenário fora estabelecido mais por razões políticas que propriamente pelas razões de direito. Por detrás encontra-se o interesse da quase totalidade dos estados da federação que ávidos estão pela rejeição ao veto parcial da Lei dos Royalties.

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Como esperado o Agravo Regimental contra a liminar foi julgado procedente pelo Plenário (6 X 4), o que, com as devidas vênias, estarei a discordar. Não me sinto mal acompanhado, já que na companhia do Decano Celso de Mello, Marco Aurélio, Fux e Barbosa.

Para findar apenas uma observação que se vale alocar, que não se está a se falar em ativismo judicial, do judiciário se imiscuindo em assunto de outra função de poder, mas sim em legítima judicialização da política a partir do momento que em questões política venham a promover lesão a norma do ordenamento e o judiciário seja instado a sair de seu estado de inércia e se pronunciar a respeito para manutenção da ordem, que para o caso em tela refere-se a ordem constitucional.

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