Indignidade na prestação de um direito fundamental. Do SUS aos planos de saúde

A saúde, ao lado da educação, talvez sejam os direitos fundamentais com maior grau de essencialidade prestacional e como menor grau de eficiência deste país



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Não há hierarquia entre normas constitucionais, mas a força de coerção que deve imprimir o Estado para garantir o cumprimento dos direitos fundamentais resta inexorável. A saúde, ao lado da educação, talvez sejam os direitos fundamentais com maior grau de essencialidade prestacional e como menor grau de eficiência deste país, serve como imponderável demonstrativo de um paradoxo lógico avalizador de nossa eterna condição de nação de âmago subdesenvolvido.

Como determina a CRFB/1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei 9.080/90), a saúde é direito de todos e dever do Estado. Por isso, com o objetivo de permitir o acesso integral e gratuito de todos os brasileiros aos serviços e às ações de saúde, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, pelas dificuldades encontradas por aqueles que desejam utilizar o SUS, muitas pessoas passaram a procurar atendimento em grupos de medicina privada, como os planos de saúde. Diversas empresas seguiram o mesmo caminho, recorrendo também à iniciativa privada para oferecer a seus funcionários melhor assistência médica, clínica e hospitalar.

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A insatisfação dos usuários de planos de saúde – muitos deles com mensalidades caras – é frequente. Não é à toa que essas empresas estão sempre entre as líderes de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor. Não bastassem as barreiras que muitos associados encontram na hora de utilizar seus planos de saúde (demora na marcação de consultas, exclusão de coberturas de exames e internações etc.), as intervenções cirúrgicas mais sofisticadas (transplantes, colocação de próteses, cirurgias cardíacas etc.) e os tratamentos mais caros e prolongados (HIV, câncer etc.) acabam atendidos pelo SUS.

Em 1998, foi promulgada a Lei 9.656, que passou a regulamentar os planos e seguros de saúde. Antes disso, os usuários desses serviços só contavam com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que ainda hoje é uma poderosa arma contra os abusos praticados pelas empresas de saúde, tanto por meio de ações judiciais quanto pela atuação dos PROCONS e das associações de consumidores.

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Quem tem a função de normatizar, controlar e fiscalizar os planos de saúde é a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Criada em 2000, ela ainda é pouco conhecida pela população. Por isso, recebe poucas reclamações, fiscaliza pouco e pune sem nenhum rigor as empresas infratoras. Só depois de muita pressão, a ANS passou a intermediar conflitos entre consumidores e operadoras de planos de saúde no que se refere à cobertura de procedimentos (cirurgias, exames, consultas etc.), por meio de Notificação de Investigação Preliminar (NIP).

A própria ANS, por meio de resolução, mostra-se insipiente e não resolutiva nos termos guardados pela dignidade humana. A própria resolução 259 da ANS, que entre outras medidas traça os prazos máximos para que os usuários de planos de saúde tenham acesso ao procedimento que seus planos lhe dão direito, parece mais se conformar com a realidade caótica estabelecida que propriamente exigir medidas saneadoras capazes de reverter a precariedade da saúde gratuita e paga deste país. Exemplo disso é a fixação do prazo máximo de 7 das para a marcação de uma consulta clínica pelo usuário do plano, prazo que se denota desarrazoado pela premência que se deve emprestar à saúde deste país.

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Consabido que os serviços de emergência são lamentáveis, repleto de médicos residentes despreparados para enfrentar as responsabilidades de uma emergência. Resultado disso é um incontável número de diagnósticos equivocados, gerando doenças mal curadas e complicações posteriores que levam o usuário dos serviços desde a ausências mais longas em seus empregos, que podem gerar dispensas por falta de produtividade ou desinteresse do empregador, como complicações tamanhas capazes de agravar doenças com risco de morte pelo tardio diagnóstico. A imediatidade no atendimento capitulada pela resolução mencionada, apenas para estes casos dos serviços de atendimento de emergência, denotam-se absolutamente incapazes de suprirem aos reclamos de uma saúde digna, ainda mais se levarmos em consideração tratar-se de serviços de saúde pagos (por planos individuais ou coletivos).

Hoje, ou melhor, já há algum tempo, tornou-se prática comezinha de abuso contra o consumidor dos serviços de planos privados de saúde a discriminação para a marcação de consultas de seus conveniados frente aos clientes particulares. Estes possuem sempre prioridade, chegando, independente de marcar são imediatamente atendidos, enquanto se o mesmo quiser utilizar-se de seu plano de saúde terá que esperar dias intermináveis para quem se encontra acometido por alguma doença ainda sem o correto e preciso diagnóstico. A depender da especialidade médica procurada só se encontra consulta disponível 2, 3 meses depois, mas estes médicos com suas agendas "lotadas" estão sempre aptos a abrir espaços especiais para os clientes particulares que o remunerarão substancialmente mais... Faça um teste, ligue como consumidor de um plano de saúde e após como cliente particular, as respostas por certo serão contraditórias, se pode assegurar.

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Em suma, abusos das operadoras de planos de saúde e de médicos conveniados para com os usuários dos planos são a regra, que vão desde valores abusivos cobrados pelos planos de saúde (principalmente os individuais) até o serviço que beira a indignidade que muito se assemelha ao prestado gratuitamente pelo SUS, em com um padrão de indignidade reconhecido e certificado.

A ANS tem conhecimento de todas as práticas abusivas que ferem o CDC e que o mercado de saúde pratica não é de hoje, mas opta por vestir o véu da omissão e da hipocrisia para tornar o que é claro, límpido em turvo, opaco, como forma de fundamentar suas omissões como autarquia especial incumbida da fiscalização da nada saudável saúde deste país.

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