Encampação e relicitação da Malha Paulista: uma questão de justiça

(Foto: Ricardo Botelho/Minfra)


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Em entrevista concedida semana passada ao Brazil Journal, respeitado portal de notícias do mercado financeiro, o CEO da empresa Rumo, João Alberto Abreu, tentou enquadrar o presidente Lula e o ministro dos Transportes Renan Filho, dizendo que “contrato se cumpre e que o governo deve olhar para frente e não rever o passado”, numa clara referência à discussão que Brasília conduz hoje sobre os parâmetros dos contratos de renovação das concessões ferroviárias realizadas pela gestão Bolsonaro. 

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que o governo tem a prerrogativa de rever os contratos de concessão, inclusive com a possibilidade da encampação por ato unilateral de interesse público, desde que indenize o concessionário. Não se trata de retrocesso, e sim de uma garantia contratual, a fim de que o interesse público não seja prejudicado. 

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Segundo o consenso de vários especialistas, as antecipações de renovações das concessões ferroviárias feitas no governo Bolsonaro foram realizadas por valores pífios, oneram em muito a infraestrutura e o custo logístico do transporte de carga no Brasil e liquidam de vez a possibilidade do retorno de trens de passageiros no país. 

Nesse sentido, o governo federal faz muito bem em rever as renovações dos contratos de concessão. Podemos tomar como primeiro exemplo, exatamente, o caso da Malha Paulista, concedida à Rumo em termos que não favorecem a expansão do transporte ferroviário no país. 

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O governo Lula já consegue identificar de forma clara alguns indícios dos motivos da resistência da Rumo contra a revisão contratual. Em janeiro de 2016, quando se iniciou o processo de impeachment da presidente Dilma, que era contra a renovação desmotivada das concessões, o valor da ação da Rumo era menor que R$ 2. Hoje, apenas com a renovação da Malha Paulista, o valor de sua ação na Bolsa de Valores de São Paulo beira os R$ 20. 

Essa expansão monetária equivalente a dez vezes o valor inicial fez com que o valor de mercado da Rumo saltasse de R$ 4 bilhões para R$ 40 bilhões, ou seja, a simples renovação da Malha Paulista gerou um ganho para os acionistas da Rumo de R$ 36 bilhões. Esse valor pode ser usado como referência para a sua possível outorga, caso ela tivesse sido relicitada. Em vez de os acionistas ganharem esse valor, seria o governo que iria recebê-lo. 

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O resgate desses R$ 36 bilhões concedidos pelo governo Bolsonaro aos acionistas da Rumo já seria motivo suficiente para a encampação da Malha Paulista. Outros fatores se somam a ele, já que o modelo adotado para renovação sucateou a maior parte da malha ferroviária de São Paulo, tirando a competitividade da indústria local e impossibilitando a retomada dos trens de passageiros no estado. 

O histórico do Rumo traz outros agravantes. Pelo menos 99% do que é a concessão hoje foi feito pelos antecessores dela, desde o século XIX. A assinatura da renovação da Malha Paulista com a Rumo se deu sem que os acionistas tivessem que colocar qualquer tostão, uma vez que todo o dinheiro foi fornecido pelo BNDES. Ou seja, seus acionistas é que tiveram “vantajosidade” com a renovação da Malha Paulista. 

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A Rumo não transporta carga em São Paulo, a não ser o açúcar da Cosan, que pertence ao mesmo grupo econômico. Ela, Rumo, só usa a Malha Paulista como passagem para soja e outros produtos de outros estados. 

Por fim, a Rumo não está cumprindo as suas obrigações na Malha Paulista, como não cumpriu na Malha Oeste, onde recebeu uma multa de mais de R$ 3 bilhões por isolar o acesso ao Mato Grosso do Sul por linha férrea, entre outras irregularidades.

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Depois da encampação, o governo federal teria a chance de transformar a Malha Paulista em modelo open access ou mesmo relicitar a concessão em uma condição mais justa e honesta para os paulistas e para o Brasil. 

A oportunidade de licitar novamente é agora, aproveitando a janela que existe a cada dois anos para analisar os contratos de renovação da malha, e a Rumo não vem cumprindo o seu compromisso de investimento. O TCU foi claro na exigência: se não cumprir os compromissos, perde a concessão. 

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