Carta a Caliban

Por que te tornaste tão dependente de Prospero? Tua ilha se estendeu muito além de teus limites. Há aqueles que te chamam mito...



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Olá Caliban,

Por que te tornaste tão dependente de Prospero? Tua ilha se estendeu muito além de teus limites. Há aqueles que te chamam mito... sem atentar que neste epíteto que te deram, alicerçados na esperança funesta que tu ias te transformar em Prospero ou Ariel, não vislumbraram a tua essência, Caliban. Sim, mitos existem e alguns deles surgem do mundo ctônico para nos mostrar que há verso e anverso. Inumana não é a tua anatomia. Sim, te pareces com aqueles que te puseram onde estás hoje, no ponto mais alto desta imensa e bela ilha. Branco, olhos claros, nada das tuas características anfíbias, antropozoomórficas estão evidentes agora, elas vivem em tua alma; representas uma classe que acreditou realmente em ti; muitos se arrependeram, outros te seguem ainda fielmente. Mas aqueles que te denominam mito, não chegaram a entender que a ilha que te deram se estende muito além do horizonte que consegues enxergar, Caliban. No entanto, quem te olhou, apenas um pouco atentamente, não precisava ser muito observador, bastava prestar atenção nos teus modos, na tua fala, nos teus gestos, na tua descompostura, na tua falta de polidez, na tua falta de erudição, no teu total despreparo para te tornares verdadeiramente um estadista, na fuga dos debates, no teu ser que se apequenava em cada grosseria, a cada omissão, a cada grotesca e canhestra ironia; em cada modo machista e misógino, em cada postura racista e homofóbica. Bastava prestar um pouco de atenção, para saber que jamais terias condições de governar esta ilha, muito além da tua visão colonizada de mundo, Caliban. Mas eles te quiseram no ponto mais alto deste belo lugar, repleto de Pau Brasil. Não se vencem as batalhas no grito, Caliban, muito menos fazendo gestos que conotam armas. Sim, um guerreiro precisa de armas para lutar, mas precisa muito mais de honra, integridade, coragem, força, liderança. Agora que a Tempestade se deu, o grito nada adianta. Gostas do epíteto de capitão, Caliban? Gostas da farda que usastes um dia? Muitos alegaram que irias ter pulso. Agora que a guerra se fez, que a peste se alastra e que o mundo agoniza sem respirar, por que não vais para o fronte, capitão? Sem dúvida, porque não tens a força de Leônidas, quanto muito te assemelhas a Efialtes. Não tens a astúcia de Sir Winston. Os que ainda te chamam mito, não entenderam, estás nas sombras e permanecerás nas sombras, enquanto os medas passam... Em Gaugamela não estavas ao lado daquele que era o sol para os macedônios. Em Guararapes te escondeste atrás de qualquer arbusto. Iludidos, aqueles que o viram como a possibilidade de ir além de Prospero, não entenderam que jamais serias capaz de conter tamanha Tempestade. Olhavas para América, mas não entendeste e nunca hás de entender que estamos em outra América. Sim, existem os mitos, os mitos fundantes, os deuses, as forças numinosas da natureza como Tupã, Iara, Jaci, Anhangá, Yorixiriamori, existem... mas existem os seres que rastejam nas sombras, que mentem, se imiscuem, dissimulam sem qualquer peso na consciência. Caliban, já que te deram esta ilha, com suas matas, riqueza, seu povo, o que fizeste? Por que não aproveitaste a oportunidade que te deram para te tornares realmente o senhor de tua ilha? O que fizeste quando mais de 2,3 milhões de hectares do bioma do Pantanal queimou, ardeu em chamas, o que fizeste? Quando os índios, reais donos destas terras, começaram a morrer contaminados, a serem perseguidos e novamente dizimados, o que fizeste? O que fazes agora quando sessenta bebês manauaras têm que ser transferidos para outros Estados porque não há oxigênio para eles? Uma peste se alastrou pela ilha, Caliban. A peste que assola o mundo e que no princípio quando ela aqui chegou amenizavas dizendo ser uma simples gripe e com teu sarcasmo bradavas: “E daí!” Ela já levou 208.246 seres humanos da tua ilha, Caliban. Não chegam notícias a mim, que foste a um hospital de campanha, como o faria qualquer Estadista; não tens sequer uma palavra de alento, de empatia, de solidariedade. Não chegam notícias de que evitaste aglomeração. Sabe, Caliban, um poeta certa feita escreveu estes belos versos àquele que governava a sua nação: “Mas oh coração! Coração! Coração! No tombadilho onde jaz meu capitão, caído, frio, morto. Oh capitão, meu capitão! Erga-se e ouça os sinos. Levante-se – por você a bandeira flana. Por você tocam os clarins (...) Por você eles clamam, a reverente multidão, De faces ansiosas, Aqui Capitão! Pai querido...” Estes versos expressam o que um povo sente por seu Presidente, que dá a sua vida, que combate por ele, que se torna seu pai. Eis, o verdadeiro mito que se firma nas ações de um governante. Não há em ti grandeza para ser o capitão de nosso destino, Caliban. Então os versos que te mostro são para aqueles que partiram. Que eles, caídos, frios e mortos ouçam os sinos e o tocar dos clarins. “Somos da mesma substância que os sonhos” e hoje temos apenas um: que chegue logo o dia em que tu possas passar, se ir, nunca mais voltar, enfim deixar esta ilha para sempre.

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Adeus Caliban.

Mavetse Dionysopoulos de Argos
Sampa/Brodella, 16 de janeiro de 2021

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