A manipulação da Constituição

A Casa Legislativa que não pode impedir a ação penal por crime cometido antes da diplomação poderá impedir a perda do mandato decorrente da condenação com trânsito em julgado?



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O presente artigo busca tratar de uma temática em voga por conta das condenações que passaram a ocorrer de ocupantes de cargos eletivos com trânsito em julgado, como as ocorridas em desfavor de Ivo Cassol e Natan Donadon.

O art. 15, III da CRFB revela-se de uma clareza mais que meridiana e sua interpretação sistemática não denota, a partir da EC 35/01, qualquer espécie antinomia em nível constitucional, conforme se passa a demonstrar. Demonstrar-se-á em linhas seguintes que a condenação criminal transitada em julgado implica a suspensão dos direitos políticos e as implicações lógicas que isto vem a representar.

O art. 55, par. 2º também da Carta Maior informa que a condenação criminal transitada em julgado somente ensejará a perda do mandato do deputado ou senador se a Casa legislativa a que pertencer o parlamentar assim o decidir.

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Nos termos do mencionado III do art. 15 a Constituição fala em suspensão dos direitos políticos quando queria dizer suspensão do exercício dos direitos políticos, que fica proibido enquanto durar a condenação criminal transitada em julgado. Portanto, enquanto durarem os efeitos da condenação transitada em julgado não poderá o condenado exercer seus direitos políticos.

O art. 15, III, trata-se de uma norma autoaplicável, não dependente de qualquer atividade infraconstitucional que vise regulamentá-la, conforme já decidiu o próprio Supremo em processo de relatoria do Ministro Celso de Mello, quando declara que independe da intermediação de qualquer ato legislativo para produção dos seus efeitos.

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Seus efeitos perduram, inclusive, no período de provas (sursis), no caso de uma decisão penal irrecorrível, vale dizer, quando prevalece a sanção constitucional concernente à privação dos direitos políticos do sentenciado.

Pois bem, como conciliar a norma por seu inciso em comento com o art. 55, par. 2º do mesmo Diploma Maior, que exige declaração da Casa Legislativa da perda do mandato parlamentar no caso de condenação criminal definitiva, se é de uma obviedade ululante que o pressuposto para o exercício de qualquer mandato eletivo é o gozo, pelo titular, de seus direitos políticos?

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A pergunta que não quer calar seria: Com a EC 35/01 que desconfigurou o sistema de imunidade parlamentar processual, quando acabou com a necessidade de autorização legislativa para instauração ou seguimento de processo penal contra parlamentar, apenas permitindo a sustação pela respectiva Casa de processo por fato cometido após a diplomação, entre outras alterações, o art. 55, par. 2º deve ser lido da mesma forma como se não houvesse se dado a reforma constitucional?

Segundo a ordem anterior, o processo contra parlamentar dependia de licença da Casa Legislativa nos termos ampliados de imunidades até então ofertados aos parlamentares, já pela nova ordem constitucional, a partir da reforma desse sistema introduzida pela EC 35, o parlamentar pode ser processado independente de licença perante o STF, que ao receber a denúncia deverá comunicar à respectiva Casa. Em se tratando de crime cometido antes da diplomação o processo terá seu curso normal e não se exigirá mais sequer a comunicação ela Corte Suprema.

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Se o parlamentar tiver contra si instaurado ação penal por crime ocorrido após a diplomação, a comunicação será feita e o processo poderá ser sustado, desde que a requerimento de um partido político com representação na Casa, aprovado pelo voto da maioria dos seus membros. Ocorre que, o período de sustação que poderá ser feito a qualquer tempo no caso de crime ocorrido após a diplomação, terá como termo final a decisão final do STF (com trânsito em julgado). Deliberado na Casa Legislativa em favor da sustação do processo, suspenso ficará o prazo prescricional preservando-se o "ius puniendi" estatal.

A partir desta nova sistemática constitucional, como fica a leitura do art. 55, par. 2º, especificamente no tocante a exigência do parlamentar que sofrer condenação criminal transitada em julgado de que a perda do mandato seja decidida pela Casa respectiva por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva mesa ou partido político com representação no CN, assegurada a ampla defesa?

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A Casa Legislativa que não pode impedir a ação penal por crime cometido antes da diplomação poderá impedir a perda do mandato decorrente da condenação com trânsito em julgado?

Se não é mais possível impedir o processo, a sentença condenatória transitada em julgado, como poderá impedir suas consequências? Diz a lógica que quem não pode o menos não pode o mais.

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Na mesma linha de raciocínio, se o trânsito em julgado se der por crime cometido após a diplomação ter-se-á ocorrido sem a sustação do processo que era facultada a respectiva Casa nos temos que dispõe a Constituição. Não sustou o processo, não sustou a sentença, poderia sustar os efeitos da condenação? Poderia com tudo isso o parlamentar conservar o mandato?

Não há outra conclusão para se manter a lógica do sistema, diferente da que a EC 35/01 revogou tacitamente o art. 55, II, que se revela incompatível, que se revela incompatível com a EC 35/01 c/c art. 15, III da CRFB.

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Nestes termos o art. 15, III da Constituição reina por questão comezinha de lógica exegética de forma soberana. A condenação criminal transitada em julgado acarreta a automática suspensão dos direitos políticos enquanto perdurarem os efeitos da condenação.

Mesmo com a pena privativa de liberdade suspensa por "sursis" ou ainda que esteja sendo cumprida em regime aberto ou mesmo se condenado apenas a uma pena de multa, seus direitos políticos estarão suspensos a partir do transito em julgado.

Como consequência, se estiver exercendo mandato político, este será automaticamente perdido em razão da suspensão dos direitos políticos, e não será recuperado com o pagamento da multa. O pagamento da multa fará com que o condenado em definitivo, recupere os direitos políticos, mas não o mandato eletivo, que se extinguiu no exato momento da condenação transitada em julgado. Conclui-se que, a perda do mandato eletivo é consequência do efeito automático e genérico da suspensão dos direitos políticos.

Lembra-se que, um dos requisitos para o exercício de mandato eletivo como condição de elegibilidade é o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, par. 3º, II, CF), donde se conclui que aquele que tiver seus direitos políticos suspensos, pelo período que durar os efeitos da condenação, estará impedido para o exercício de qualquer mandato eletivo.

Mais uma vez, circundando o campo da lógica, se um condenado com sentença penal transitada em julgado, não pode ser eleito, não poderá na mesma senda continuar o exercício de seu mandato obstado pela referida condenação.

Após a presente exposição, com a devida máxima vênia, se repudia a linha escolhida pelo nobre ministro Barroso, que na posição de advogado poderia somar mais uma elogiosa argumentação jurídica ao seu currículo, mas na figura de magistrado revela-se criativo em demasia.

Trazer como fundamento de sua decisão os arts. 55, III e 56, II para reconhecer o poder da Casa Legislativa quanto à perda do mandato de Ivo Cassol após decisão transitada em julgado do STF, ignorando o art. 15, III c/c as alterações produzidas pela EC 35/01, claramente aplicável ao caso, foi uma saída jurídica razoável para o advogado de outrora "ad argumentandum tantum", mas que merece repúdio para o ora ministro do Supremo Tribunal Federal.

"Artigo 55. Perderá o mandato o deputado ou senador que: (...) III — deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada".

O inciso II do artigo 56 fixa que não perderá o mandato o parlamentar "licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, neste caso, o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa".

Se já não bastassem todos os argumentos esposados para desqualificar referida decisão do nobre ministro que elucubra sem uma subsunção correta da norma ao fato, há outros argumentos como a incompatibilidade de após condenado penalmente com trânsito em julgado alguém exercer um cargo político tendo acesso e sendo sustentado com dinheiro público.

A ofensa ao Princípio da Moralidade está "ipso facto" na condenação penal com trânsito em julgado por crimes cometidos contra o erário público, é incompatível com o Princípio Democrático, vide Lei da Ficha Limpa, quando a vontade popular provocou as Casas Legislativas a deliberarem por lei formal em desfavor dos reconhecidos como criminosos pela justiça, impedindo-os, inclusive, de se candidatarem a partir de uma decisão condenatória colegiada, independente, inclusive, de trânsito em julgado.

Imaginar a possibilidade de um condenado com trânsito em julgado que cumpre a pena em regime semiaberto sair da cadeia para o plenário de uma Casa Legislativa é um escárnio que o sistema constitucional não pode permitir e a justiça deverá zelar pela sua absoluta impossibilidade por incongruência ética. Este mesmo condenado poderá nos termos da exegese buscada por Barroso presidir uma das comissões de ética de sua respectiva Casa, uma anomalia que nenhuma decisão judicial haveria de permitir, quanto mais se invocada de magistrado pertencente a maior Corte Jurisdicional do país.

A sociedade já se mostrou inimiga dos que de qualquer forma protegem, fomentam ou participam do sistema de impunidades criado pelo poder. Uma decisão deve sim, ao contrário do que defendeu o próprio ministro Barroso quando do julgamento dos embargos infringentes, ouvir o clamor público quando ele se revelar de acordo com a lei e/ou moral esperada de um ocupante de cargo político, já que a legitimação do processo democrático resta inexoravelmente perdida quando a sociedade não mais o apoia, mas ao contrário, o repele, e sua manutenção no poder em dissonância da vontade popular rompe sim o primado do princípio Democrático.

Meus respeito e admiração ao excepcional advogado Luís Roberto Barroso, até o momento é como posso elogiá-lo.

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