A intervenção da Justiça Eleitoral nas campanhas que deformam e não informam

Grande parcela da sociedade engajou-se ao clima pouco amistoso de debate em tom mais elevado que o costumeiro



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Eleições de 2014 em como novo paradigma comunicativo? Sim, é o que se tem percebido com a maior utilização das mídias sociais como instrumento de convencimento. Em verdade, grande parcela da sociedade engajou-se ao clima pouco amistoso de debate em tom mais elevado que o costumeiro, o que vem claramente servindo de parâmetro aos marqueteiros de campanha na condução das candidaturas que representam.

O denuncismo com o fito de provocar a desconstrução da candidatura adversária ganhou o papel de proeminência nas campanhas, com o concomitante desprestígio aos debates de ideias e ideais, de programas e compromissos de governos, o que data não máxima vênia haveria de se esperar. São nestes termos que a chamada "campanha útil-informativa" em nada engrandece nossa democracia nem o engajamento consciente da sociedade civil ao processo eleitoral, que como torcedores de clubes de futebol, em grande parte, acabam se confrontando com jargões e temáticas de baixa qualidade construtiva, principalmente aos jovens eleitores, criando-se uma cultura chula e de menor discernimento para as próximas gerações. Ao invés de construirmos uma cultura informativa eleitoral nossos candidatos praticam a cultura da deformação como forma de convencimento do eleitor.

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Há de se indagar sobre o papel da Justiça Eleitoral nesse ambiente hostil: se não lhe seria dado pautar o discurso dos candidatos para vedar-lhes o ingresso nesta nova seara discursiva que transborda a discussão de ideias e programas. Até onde a democracia, em especial no tocante a liberdade de expressão pode ser exercida livre e irresponsavelmente do fim que a enobrece?

O TSE optou, em um 1º momento da campanha presidencial, por aplicação liberal do marco normativo da propaganda dos candidatos, trazido pela Lei 9.504/97. Interveio, somente, quando o discurso beirava o perigoso caminho dos crimes contra a honra ou continha flagrantes inverdades sobre adversários, de modo a garantir ampla liberdade de manifestação, ao mesmo tempo em que se esforçava por um mínimo de ética na promoção de candidaturas. Este, vale dizer, foi o discurso adotado, o que nem sempre observou-se na prática, pois não faltaram inverdades veiculadas sem interferência do Tribunal em comento.

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Por isso, em tese, buscou impedir a ofensa grosseira e criminosa, bem como o engodo a desinformar o eleitor (volta-se a frisar, em tese). Essa diretriz foi estabelecida em algumas reiteradas decisões em sede de representações por propaganda irregular, com ou sem pedido de direito de resposta. A grande maioria dessas representações foi julgada improcedente, sem que se pudesse apontar maior ou menor impacto para esta ou aquela coligação partidária, prevalecendo, pois, a ação equilibrada. É preciso dizer que a Procuradoria Geral Eleitoral, que se manifesta em todos os processos submetidos à Justiça Eleitoral, disse ter adotado, já de início, posicionamento menos tolerante a excessos verbais de toda a índole.

A postura menos intervencionista da Justiça Eleitoral, nessa matéria específica das "liberdades democráticas de opinião" e manifestação nos programas eleitorais, manteve-se ao longo de todo o primeiro turno das eleições presidenciais, inclusive contrariando expectativas daqueles que, num ou noutro momento, foram vítimas da aludida desconstrução.

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Foi no meio da campanha do segundo turno das eleições presidenciais que a Corte resolveu inovar. Ao julgar a representação 1658-65, em 16.10.2014, em sede de cognição sumária e por apertada maioria (quatro ministros a favor, três contra) resolveu alterar sua abordagem, advertindo os concorrentes de que, dali em diante, seria mais rigorosa. O objetivo é o de estancar os recíprocos ataques pessoais em que se compraziam os candidatos. Orientação nesse sentido foi repassada aos Ministros que estão a apreciar pedidos de resposta dos candidatos.

Essa mudança de rumo causou estranhamento ao público especializado, temeroso de que a guinada jurisprudencial pusesse em risco uma das principais garantias constitucionais do processo eleitoral, que é a segurança jurídica e uniformidade de aplicação das regras ao longo do pleito eleitoral. Se o Tribunal tinha tolerado até então essa linha de ação propagandística, poderia, agora, vedá-la alterando as regras do jogo no meio da partida? Cabe lembrar que, no segundo turno, os candidatos tem idêntico tempo de rádio e televisão, podendo, num certo sentido, se defender eficazmente das críticas do adversário. No primeiro turno, no qual a Corte Eleitoral firmou a orientação mais liberal, o tempo dos candidatos era distinto.

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Parcela entende, por duas razões, que a mudança anunciada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral seria equivocada.

A primeira razão é que a liberdade de expressão é essencial para a campanha eleitoral cumprir sua função precípua, que é permitir ao eleitor que se informe, não só sobre ideias, propostas e programas dos candidatos, mas também sobre seus históricos de vida, seja em termos de performance profissional e funcional, seja em termos de sua idoneidade social. E quem melhor para expor estes aspectos, certamente que com viés interessado e crítico, do que os adversários?

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Não há, nos marcos normativos da Lei das Eleições, nº 9.504/97, determinação expressa de que a propaganda eleitoral se destina somente à difusão de ideias e programas ou proposições. Ela somente obsta que a propaganda possa "degradar ou ridicularizar candidatos", art. 53, §§ 1º e 2º, ou seja "ofensiva à honra de candidato, à moral e aos bons costumes". O Código Eleitoral, aplicável em certas situações, proíbe, além desses crimes contra a honra, também a divulgação de fato sabidamente inverídico, art. 323.

A exposição de candidatos é extremamente proveitosa para a democracia. Ela não é realizada apenas por ideias e planos políticos abstratos, mas sobretudo pelas pessoas que os formularam e que demonstram intenção de os implementar. Sem se conhecer o idealizador, o significado da ideia não fica completo. Discursos, num exame semiótico, obtêm seu significado não só por sua semântica e gramática internas, mas também por seu aspecto pragmático, o contexto externo em que se desenvolvem, aí compreendendo o momento de sua exteriorização e as características de quem os exterioriza.

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O eleitor tem, por isso, o direito de conhecer plenamente a pessoa que difunde as ideias e os planos políticos para poder, ou não, conferir-lhes credibilidade e tecer um juízo sobre a sua viabilidade. Só assim estará plenamente apto a decidir em quem votar. Censurar a crítica pessoal, por mais acerba que seja, é cercear gravemente o debate eleitoral, viciando profundamente a manifestação de vontade do eleitor pela ignorância sobre os atributos de quem por ele pode ser escolhido.

Como constou em parecer do Ministério Público Eleitoral:

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"é inquestionável que o horário eleitoral gratuito foi concebido pelo legislador não para ser um locus de ataques e ofensas recíprocas, de índole pessoal, mas sim para a divulgação e discussão de ideias e de planos políticos lastreados no interesse público e balizados pela ética, pelo decoro e pela urbanidade (...)".

Todavia é o eleitor, e não a Justiça Eleitoral, quem deve ser o juiz do atingimento, pelos candidatos, desse objetivo, exceto se houver a já mencionada ridicularização, divulgação de fato sabidamente falso ou crime contra a honra. O eleitor saberia punir pelo voto aqueles candidatos que fizerem ataques desarrazoados ou vis a seus adversários, isso em tese, em um mundo a meu ver ideal um pouco distante de nossa realidade social de profunda desnutrição intelectual...

A segunda razão para os que sustentam o equívoco da mudança de rota da Justiça Eleitoral tem a ver com a segurança jurídica eleitoral, que tem estatura constitucional. Dela depende a fairness, a justiça do pleito. É importante que todos os atores do sufrágio conheçam de antemão as regras do jogo e que estas não sejam alteradas no seu curso. Nessa linha, ensina o Ministro Gilmar Mendes que:

"o Tribunal Superior Eleitoral, quando modifica sua jurisprudência, especialmente no decorrer do período eleitoral, deve ajustar o resultado de sua decisão, em razão da necessária preservação da segurança jurídica que deve lastrear a realização das eleições, especialmente a confiança dos cidadãos candidatos e cidadãos eleitores" (www.conjur.com.br/2012-ago-18/observatorio-constitucional-seguranca-juridica-jurisprudencia-eleitoral, acessado em 19.10.2014).

Mudanças de última hora poderiam levar ao pensamento, certamente que indevido, mas possível, de que se tivessem sido feitas anteriormente, o resultado do pleito poderia ser diverso e que fazê-las agora pode beneficiar uma candidatura ou outra. Para essa parcela, portanto, estas correções de rota deveriam ser feitas antes das eleições ou para eleições futuras. Enquanto transcorre o pleito eleitoral, elas não seriam salutares.

Ouso dissentir, ao menos em parte. Entendo que o denuncismo inverídico que vem sendo praticado em nada coopera com o processo eleitoral e em nada contribui para a sociedade perpetrar sua escolha. O direito deve se amoldar a realidade dos fatos e não dela se distanciar. O Brasil é um país culturalmente debilitado em que a sociedade nem sempre está apta a discernir o joio do trigo. Pode sim, a meu entender, a Justiça Eleitoral, de forma imparcial, intervir em um processo eleitoral que descamba para inutilidade, em um processo eleitoral não informativo que mais confunde que esclarece. É nesse sentido que os candidatos estão obrigados a produzir e publicar seus programas de governos, que se nada servem se não forem debatidos em nível razoável. Esperar que a sociedade acesse por si só estes programas é se desvincular dos fins informativos e educacionais que fundamentam as suas existências.

Vale lembrar que os horários de propaganda eleitoral são obrigatórios e entra em todas as casas duas vezes ao dia por meio televisivo e de radiodifusão, sendo dever do Estado o de educar e sim, o de censurar o que for inapropriado para consumo. Acho sim ser este o papel do TSE, que ao contrário da parcela que entende inadequada a intervenção, deveria intervir efetivamente como parte de um processo de moralização, nos termos do princípio da moralidade tão vilipendiado na ambiência política dos tempos modernos.

Por último, não vejo qualquer insegurança jurídica em o TSE pautar as condutas dos candidatos, de forma isonômica e imparcial, nos termos do bom costume, do respeito, da urbanidade e da moralidade entre candidatos e entre estes e a sociedade civil, que não pode estar obrigada a assistir baixarias, pequenezas, verdadeiras violências oralizadas em horário nobre sob os olhos omissos do Estado.

Esperamos que este modelo indigno de campanhas políticas encontre barreiras capazes de estancar este processo de alienação cultural violenta que estamos a presenciar.

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