A farda, o "Eu" e sua dupla negação
Mauro Cid se propõe a arrastar esse "Eu-farda", a parte visível de si mesmo, até o fim como os fragmentos de uma persona que aprisiona e liberta
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A presença muda do TC Mauro Cid - um homem adulto, culto formalmente, com experiência de mando e amplo traquejo social, hoje perante a CPI do golpe de Estado de 8/01/2023 implica num duplo fenômeno de negação/regressão do próprio "Eu" do indivíduo. Com a farda procedeu a negação do seu "Eu" individual, do sujeito dos desejos e de senhor do seu arbítrio. A farda ocultou, escondeu, negou o "Eu" próprio, o self, o "Eu no Mundo" do indivíduo Mauro em face de instituição que seria sua única aderência ao "Mundo-aí".
Com a farda, na solidão, o TC Cid diz quem é, já que deu-se um engasgo da fala, da capacidade dialogal, e assunção do socioleto bolsonarista circuita toda capacidade de "dizer", assim ele diz com o corpo vestido, couraça e farda, o que resta do que ele é . Ao mesmo tempo, ele se propõe a arrastar esse "Eu-farda", a parte visível de si mesmo, até o fim como os fragmentos de uma persona que aprisiona e liberta.
Assim, sem ser ele próprio, carrega no seu corpo a instituição que o identifica e que ele identifica, numa dança de perda dupla para ele e a Instituição. É um "Eu" ao mesmo tempo autoritário e que vive no "Angst", medo-angústia, que se auto aniquila para salvar-se de suas próprias ações oferecendo-se como um "Outro" , coletivo e institucional, que quer culpado em seu lugar. Simultânea, ao se calar, sobre um processo que foi parte, ator e autor -e no qual exerceu um papel no mínimo de "fala do Outro" - aniquila seu "Eu" como indivíduo em favor do "Eu-Outro" que é, agora, a sua única fala; o Outro-Eu que é o "chefe", o "mito", o "capitão".
Assim, ele mesmo, deixa de existir como "Eu" num espiral dupla de negação-recalque que processa a aniquilação pública, instantânea e televisiva, do seu próprio "Eu" em face da Instituição/Estado/Exército com a qual procura preencher o vazio de um "nao-Eu", que ele quer como farda-fachada no seu lugar de réu e, simultâneo, nega seu "Eu" enquanto ser desejante em favor do "Eu" maior, absoluto, pai-grande, o único que importa, o grande homem, único a restabelecer a "ordem" num mundo sem valores, onde ele se sente sem aderência, e do qual espera infantilizado que pegue sua mão.
O espetáculo de hoje, triste, espelha num indivíduo o processo geral de derrota civilizacional e individual das massas perante o fascismo: a regressão psicológica e histórica de alguém que renuncia a ser alguém e assume, como sua defesa, ser apenas parte de um "Outro" maior, através de/do qual evita o sofrimento e, enfim, se realiza na dissolução n'Outro como um falso "Eu". Enfim, é todo o fenômeno, assustador.
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