Processo clandestino da Lava Jato pode ter grampeado mais advogados

Surgem indícios de que advogados da Odebrecht podem ter sido interceptados sem autorização judicial

(Foto: Fotos: Reuters)


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Por Tiago Angelo, do Conjur – Nos diálogos em que citam um possível grampo envolvendo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro fazem referência ao processo 50279064720184047000, em que estariam as conversas interceptadas. Estranhamente, porém, a ação não está registrada no site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Segundo um juiz que atua no Paraná, só há uma explicação para isso: trata-se de um processo secreto. 

Embora os procuradores insinuem, sem afirmar por escrito, que o "GM" mencionado nas mensagens seja o ex-ministro Guido Mantega, não Gilmar, profissionais que atuam no Paraná suscitam outra hipótese: a de que os grampos sejam de conversas entre advogados e seus clientes. As possibilidades não se excluem. Há frases dos próprios procuradores que revelam a existência de interceptação de advogados.

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Em 31 de agosto de 2018, o procurador Deltan Dallagnol encaminhou aos seus colegas uma mensagem de Moro dando conta de que estavam sendo interceptadas conversas entre Maurício Ferro, ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht, e sua defesa, feita pelos advogados Gustavo Badaró e Mônica Odebrecht.  

"Prezado, amanhã de manhã dê uma olhada por gentileza no 50279064720184047000. Há algo estranho nos diálogos", diz Moro na mensagem encaminhada. Julio Noronha terceiriza o trabalho a Laura Tessler: "Laurinha, bom dia! CF [possivelmente o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima] me mandou msg falando q a Rússia [Moro] disse haver algo estranho nos diálogos do GM. CF disse ser urgente, para ver agora pela manhã. Será que você consegue ver?".

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Em seguida, o próprio Noronha antecipa um pouco do que ouviu nas conversas interceptadas: "Vi por alto: diálogos do Ferro com Emílio [Odebrecht], Mônica e Badaró. Usam codinomes 'M', advogado próximo do 'Peruca', e preparação de uma movimentação para novembro e recesso". 

Deltan responde afirmando que "peruca" deve ser o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Também diz que dificilmente será possível usar o material interceptado, já que envolve advogados e é ilegal ouvir conversas entre cliente e defesa.

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Interceptação não autorizada
A conversa de 31 de agosto de 2018 ocorreu poucos dias depois de Moro aceitar uma denúncia contra Ferro. Não há nos autos da ação penal nenhuma menção a eventuais autorizações de grampos ou interceptações telefônicas envolvendo Ferro e seus advogados. 

"Não sei de escutas ou interceptações telemáticas. De qualquer modo é muito grave. E, o que é mais grave, é que nos autos da ação penal que tramitou contra o Maurício Ferro, agora extinta por decisão do DF, não há nos conteúdos de interceptações, telemáticas ou telefônicas, autorizadas judicialmente", disse Badaró à ConJur. Ele também afirmou que não tem acesso ao processo 50279064720184047000, ainda que aparentemente envolva o seu cliente. 

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"O processo começou em Curitiba. O Moro tinha acabado de receber a denúncia, antes dessa mensagem. Depois, o processo foi para o DF, por força de uma reclamação concedida no STF, pelo Gilmar Mendes. É fundamental saber quem foi alvo das interceptações e o procedimento em que foi autorizada", complementa. 

Fábio Tofic Simantob, que defende Guido Mantega, o "GM", de acordo com os procuradores, também diz que não consegue acessar o misterioso processo e que não tem conhecimento de quebras de sigilo telefônico envolvendo o seu cliente. 

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"Esta escuta é absolutamente sigilosa. Nunca tomamos conhecimento dela. Seria imperioso que fosse dada publicidade a este procedimento, até porque estes autos foram para o DF. O procedimento de escuta devia ter ido também. Os procuradores precisam vir a público esclarecer o conteúdo dessas conversas, que procedimento é esse, quem teve o sigilo afastado e qual o fundamento para afastar o sigilo. Por que este procedimento não foi enviado para o DF, junto com a ação penal?", questiona.

A ação penal que envolve tanto Ferro quanto Mantega foi enviada ao DF após um pedido feito por Tofic. Por causa disso, uma fase inteira da "lava jato" foi anulada e os dois réus foram absolvidos. 

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Vale lembrar que essa não é a primeira vez que os procuradores do Paraná ouviram conversas entre clientes e advogados. Conforme revelou a ConJur em 2016, os integrantes do MPF, com o respaldo de Moro, grampearam o escritório que defende o ex-presidente Lula.

Gilmar ou Guido Mantega?
Embora os procuradores de Curitiba tenham sugerido à ConJur que o "GM", alvo das interceptações, é Guido Mantega, e não Gilmar Mendes, a sigla sempre foi utilizada pelo MPF do Paraná fazendo alusão ao ministro do STF. 

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Exemplos do uso de "GM" para designar Gilmar Mendes estão em situações como quando os procuradores de Curitiba criaram um grupo para atacar o ministro; em outra ocasião, quando Deltan elencou razões para pedir o impeachment; e, ainda, fazendo referência a um HC concedido por Gilmar a Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, empresa mista paulista de rodovias.

De todo material analisado até agora, por outro lado, Guido Mantega é tratado pelo nome completo e não por "GM", o que deixa em aberto a possibilidade de que o ministro do Supremo, e não os advogados de Mantega, foram grampeados. 

Também é vasto o material apontando que os procuradores tinham uma obsessão pelo ministro Gilmar. O complô contra o ministro, quase sempre liderado por Deltan, não incluía apenas a "força-tarefa" de Curitiba, mas também as franquias criadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. 

Em entrevista concedida à CNN Brasil em dezembro do ano passado, por exemplo, o hacker Walter Delgatti Neto, responsável por invadir os celulares dos procuradores, disse que o plano do MPF em Curitiba era prender Gilmar e Toffoli

Uma conversa divulgada pela ConJur em fevereiro deste ano respalda a narrativa de Delgatti Neto. Em 13 de julho de 2016, Dallagnol disse que "Toffoli e Gilmar todo mundo quer pegar". 

Já uma reportagem do El País, em parceria com o Intercept Brasil, revelou que os procuradores planejaram buscar na Suíça provas contra Gilmar. Segundo a notícia, os membros do MPF pretendiam usar o caso de Paulo Preto, operador do PSDB preso em um desdobramento da "lava jato", para reunir munições contra o ministro. 

Outro lado
A ConJur questionou o MPF sobre o conteúdo do processo 50279064720184047000 e perguntou quem estava envolvido na ação penal. Em nota apócrifa, os procuradores de Curitiba se limitaram a afirmar que "sempre seguiram a lei". 

"Importante reafirmar que os procedimentos e atos da força-tarefa da 'lava jato' sempre seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas. As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passível de edições e adulterações. Os procuradores não reconhecem as supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade", disseram. 

A reportagem também perguntou se Maurício Ferro foi grampeado, mas até o momento não obteve reposta por parte do MPF no Paraná. 

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