MPF investigará conduta do hospital que negou aborto a criança vítima de estupro

O Hospital Universitário, em Florianópolis, tem 24 horas para responder aos questionamentos feitos pelo MPF-SC

Hospital Universitário, em Florianópolis
Hospital Universitário, em Florianópolis (Foto: Divulgação)


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247 - A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal instaurou nesta terça-feira (21), um procedimento para investigara conduta do Hospital Universitário, em Florianópolis, que negou um aborto lega a uma menina de 11 anos vítima de estupro. De acordo com informação do Intercept Brasil, publicada nesta terça, a superintendente do HU, Joanita Angela Gonzaga Del Moral, tem 24 horas para responder aos questionamentos.

Segundo a procuradora Daniele Escobar, nos casos de gravidez resultante de estupro, risco de morte e anencefalia fetal (conforme a decisão do STF em 2012), o aborto é um direito que, para ser acessado, basta somente a autorização da paciente ou vítima e, no caso de menor, do seu representante legal. "A Norma restringe um direito legal e pelo princípio da legalidade isso não é possível no direito acontecer: uma norma infralegal restringir um direito previsto em lei", disse. 

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Leia também a matéria do Brasil de Fato sobre o assunto:

A Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina informou por nota, nesta segunda-feira (20), que instaurou um pedido de análise da conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer. A magistrada determinou o encaminhamento de uma menina de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, a um abrigo para evitar que fosse realizado o aborto legal.

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O caso foi revelado por uma reportagem publicada pelo The Intercept Brasil e pelo Portal Catarinas. De acordo com a reportagem, a menina é mantida no abrigo há mais de um mês sob alegação inicial de que estaria ali para ser protegida do agressor, mas ,na prática, o objetivo é evitar o risco de realização de "algum procedimento para operar a morte do bebê", segundo despacho pela juíza, publicado no dia 1º de junho.

"O caso é muito grave porque a partir da audiência se pode perceber uma postura absolutamente desrespeitosa com a menina. Houve um constrangimento e uma tentativa de obrigá-la a permanecer grávida", diz a mestre, doutora e professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Boiteux. "Mesmo não tendo acesso ao processo, que corre em segredo de justiça, é possível dizer que tanta a juíza quanto a promotora violaram a Constituição, em especial quando elas retiraram a menina de casa, supostamente a pretexto de protegê-la de questões da família, em relação a como se deu o estupro, e a colocaram em uma instituição para impedir que ela tivesse acesso a um direito que é o aborto legal."

A professora da UFRJ destaca que o aborto legal é um direito consolidado por lei desde a instituição do Código Penal de 1940 e a legislação brasileira assegura o direito à interrupção da gravidez em caso de estupro. "Pelo que se teve notícia, houve uma negativa do hospital, que determinou que se solicitasse autorização judicial por entender que a menina já tinha mais de 22 semanas e submeteu o caso a juízo. Mas é importante dizer que o aborto é um direito de todas as mulheres estupradas e muito mais compreensível esse direito em relação às meninas vítimas de estupro, menores de 14 anos", ressalta.

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Violações de direitos e a "Gilead brasileira"

A própria forma como foi elaborada a condução do depoimento também não estaria de acordo com os procedimentos corretos e necessários para preservar o bem estar da criança. 

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"Foi violado o direito que a menina tem, inclusive previsto também em convenções internacionais, à interrupção da gravidez, e foi violado o que é previsto em lei, o direito de ela ser respeitada em sua oitiva. Temos a garantia, nesse caso, de que haja um testemunho controlado, acompanhado de psicólogos e profissionais que possam tornar aquelas perguntas, em uma situação tão grave, menos traumáticas para a criança. Não foi isso que aconteceu. E nesse caso, as ilegalidades estão provadas pelo vídeo que foi divulgado", observa.

A autorização para o aborto legal chegou a ser concedida pelo juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis. "A negativa de pretensão pelo Judiciário sujeitaria não só a criança, mas toda a família da paciente ao sofrimento psicológico intenso, inclusive diante dos riscos que a gravidez representa à própria vida da infante, conforme anotações médicas juntadas", disse o magistrado em sua decisão. Mas, no dia seguinte, a autorização foi cassada pelo próprio juiz, como resposta a um pedido do Ministério Público, alegando que o caso era acompanhado pelas varas da Infância e Vara Criminal da Comarca de Tijucas.

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"A juíza, na verdade, pelo que se sabe, determinou o abrigamento para impedir que a criança pudesse  ter acesso ao aborto legal. Mas o que chama mais a atenção é que um outro juiz já teria deferido o aborto legal, com a celeridade que era necessária porque, perceba, ela já chega no serviço de atendimento com 22 semanas. A juíza e a promotora [Mirela Dutra Alberton], quando prolongam aquele procedimento ao invés de encaminhá-la logo para o serviço médico, estão sabendo que há maiores riscos e contribuindo para o incremento desses riscos à vida daquela menina, a pretexto, supostamente, de que ela entregue o bebê para a adoção", pontua Luciana. 

A professora compara a situação a uma distopia na qual as mulheres são subjugadas e destituídas de direitos. "Isso é Gilead, uma história distópica contada em O Conto da Aia, porque o que se tem notícia é que teria havido uma autorização de um outro juiz, mas houve uma atuação, em especial do Ministério Público de Santa Catarina, em fazer o juiz voltar atrás e manter o caso sob a tutela dessa juíza e dessa promotora que foram as autoridades que, de forma comprovada no vídeo, atuaram de forma violenta, arbitrária, em relação a essa menina e precisam ter suas condutas investigadas."

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Eventuais punições e o papel do CNJ

Existem seis tipos de penas disciplinares para magistrados que cometem infrações. São elas a advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão. Aos desembargadores só podem ser aplicadas a remoção compulsória, a disponibilidade e a aposentadoria compulsória, e aos juízes de primeiro grau é cabível a aplicação de todas as penas.

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Os Processos Administrativos Disciplinares (PADs) e a aplicação de penalidades competem ao tribunal a que pertença ou esteja subordinado o juiz, o que pode ocorrer sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Acredito que o CNJ tem um papel importante de punir e encaminhar, criar procedimentos para que não mais aconteçam casos como estes. São muitas meninas no Brasil que engravidam fruto de violência sexual e que estão tendo seus direitos violados", aponta Luciana, lembrando de outro episódio. "Tivemos caso semelhante no Espírito Santo, que acabou sendo encaminhado para Pernambuco, para que a menina pudesse então ter o direito ao aborto legal."

Nesse sentido, a professora considera urgente uma manifestação do CNJ. "Algumas entidades já estão protocolando, temos notícias de que a ABJD está entrando com um pedido no CNJ e no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] para que sejam apuradas as responsabilidades. E digo mais: tanto essa juíza quanto essa promotora precisam ser afastadas dos seus cargos, pois, diante do que vimos naquele vídeo, elas, que deveriam cumprir todo Código de Ética da Magistratura e a Constituição, não aparentam estar respeitando o que os cargos deveriam obrigar. Entendo que é caso sim de afastamento e punição do CNJ, é muito grave o que fizeram com essa menina, e ela vai carregar consigo traumas decorrentes não só do estupro, mas também dessa forma com que a Justiça a tratou. Ou seja, é um segundo trauma, um segundo momento no qual essa criança foi exposta à violência e isso não podemos aceitar jamais."

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