Justiça determina supressão de conteúdo e adultera relatório da Comissão da Verdade do Paraná custodiado pelo Arquivo Nacional
O relatório final da Comissão Nacional foi alterado com a intenção de “salvaguardar” a reputação do ex-governador do Paraná, Ney Braga
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Por Denise Assis, 247 - Cada dia de Jair Bolsonaro na cadeira da presidência é uma ameaça à memória e à história desse país. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade sofreu novo ataque, desta vez com a intenção de “salvaguardar” a reputação do ex-governador do Paraná, Ney Braga.
Antes de ser alçado ao cargo, Braga, um militar, foi deputado federal de 1958 a 1965. Governou o seu estado de 1961 a 1965. Ao deixar o governo foi servir à ditadura como ministro da Agricultura, cargo em que permaneceu por um ano. Em seguida elegeu-se senador (1966/1974), voltando a estar a serviço da ditadura (que de resto, sempre apoiou) como ministro da Educação (1974/1978). Por fim, retornou ao governo do seu estado, cargo que exerceu de 1979-1982.
Os estragos desse governo com a nítida intenção de “apagamento” são sucessivos. Os que visitarem os arquivos da presidência para saber quais foram os nomes de proeminência que mereceram luto oficial, nos tempos recentes, vai deparar com um vazio. Na intenção mesquinha e inútil de reduzir a importância de personalidades como Darcy Ribeiro, Celso Furtado e outros de tanta grandeza quanto, Jair retirou o registro de “luto oficial” do acervo, como se com isto fosse possível fazer desaparecer com o legado deles.
Na semana passada, como foi noticiado pelo 247, decisão judicial sobre a “anonimização” das menções ao ex-coronel da PM pernambucana, Olinto de Sousa Ferraz, no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), apurada pelo Giro da Arquivo, gerou repercussão e repúdio. Além das notícias na mídia, o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQUE) emitiu nota externando “extrema preocupação” com o fato.
Baseada em uma decisão judicial que despreza a legislação relativa aos arquivos, ao acesso à informação e aos próprios trabalhos da CNV, o apagamento do nome de Olinto de Sousa Ferraz gera preocupação pelo precedente aberto, mas talvez seja só mais um caso do tipo. Depois da publicação da última semana, o Giro da Arquivo apurou que outra decisão oriunda do Judiciário — desta vez de 2017 — determinou a adulteração de documentos custodiados em caráter permanente pelo AN. E o mais grave: a Justiça não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes.
O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura. Em 2015, a família de Braga ingressou com uma ação judicial contra a União Federal e o Arquivo Nacional. Na causa, os familiares do político pediram a anexação e indexação de documentos no relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Paraná Teresa Urban, recolhido ao AN.
Entre novembro de 2016 e junho de 2019, o Arquivo Nacional foi por diversas vezes chamado a cumprir a decisão de suprimir trechos e inserir documentos no relatório da Comissão, que é peça pronta e acabada.
De acordo com a matéria exibida pelo Giro da Arquivos (edição 165), como mostram os autos do processo disponibilizados pelo próprio AN, a instituição tentou cumprir a decisão sem desfigurar o relatório, no intuito de “garantir a integridade e confiabilidade dos documentos sob sua custódia”. No entanto, em 2018, mediante nova intimação e ameaça de multa de R$ 100 mil, o Arquivo cumpriu a sentença.
Além de suprimir um parágrafo inteiro do relatório da Comissão Estadual da Verdade paranaense, o Judiciário determinou que pelo menos 15 documentos fossem insertados em ordem pré-estabelecida no relatório final disponibilizado pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). A decisão judicial — tomada com base em uma interpretação livre do direito de habeas data — exigiu a inserção de documentos que incluem cópias de reportagens de jornal e até de um livro que desmente um dos depoimentos dados à Comissão.
Um dos pontos mais curiosos da decisão - citados pelo Giro da Arquiva - é a preocupação do juiz Friedmann Anderson Wendpap, responsável pelo último despacho do caso, em fazer cumprir a determinação no que diz respeito à inserção de documentos “na estrita ordem como determina a sentença” (p. 54).
Como aponta o despacho, a União conseguiu reverter, pelo menos, a decisão de suprimir partes do relatório. A apelação, no entanto, não foi capaz de deter a decisão pela inserção de documentos no dossiê disponibilizado on-line, uma medida grave, que não apenas fere os preceitos basilares da teoria arquivística, como também atenta contra a legislação vigente.
A adulteração de documentos preservados em caráter permanente — feita com a anuência do Judiciário — representa uma das ações de maior gravidade na história da arquivística brasileira. Produtos de processos já concluídos, documentos como os reunidos pelo relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Paraná compõem o patrimônio cultural arquivístico brasileiro e, segundo a lei de arquivos, devem ser preservados em sua integridade por seus valores histórico, probatório e informativo. A inserção de novos documentos no relatório — depois de esgotado o prazo de funcionamento da própria Comissão — representa uma clara tentativa de mudar o conteúdo e o contexto dos resultados obtidos pelas investigações.
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