Advogada conta por que decidiu usar carta psicografada no julgamento da Boate Kiss
Mas não adiantou: todos os quatro réus foram condenados
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Por Emerson Voltare, no Conjur – Dois dias depois do veredito que condenou os quatro réus do caso jurídico de maior repercussão do país, a advogada Tatiana Vizzoto Borsa, 51, contou à ConJur neste domingo (12/12) por que resolveu utilizar uma carta psicografada no Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre, um dos lances mais polêmicos e de maior repercussão na reta final do julgamento da tragédia da boate Kiss.
"Tive contato com o livro "Nossa nova caminhada" dias antes, e acabaria por usar de qualquer maneira nas minhas sustentações finais, com um mensagem espírita. Sou espírita, trabalhadora de uma casa espírita. Dias depois, recebi o contato de um radialista, que disse que iria me ajudar. E acabou gravando a mensagem."
Escute abaixo o áudio da mensagem divulgada durante o júri:
"No último dia 25 [de novembro], por volta das 2h da madrugada, resolvi ouvir pela primeira vez. Decidi na hora que iria juntar no processo. Mostrei para as colegas. Disseram que seria muito arriscado, porque a gente não sabia da religião dos jurados. Respondi: não importa."
"Nossa nova caminhada" reúne supostas cartas psicografadas de sete jovens que morreram no incêndio de 2013. O livro foi lançado pelos pais das vítimas e foi incluído nos autos do processo. Ao pedir a absolvição do músico Marcelo de Jesus dos Santos, Tatiana Borsa mostrou um vídeo com a carta de Guilherme Gonçalves, em que ele aconselharia as pessoas a "aceitarem as determinações divinas".
"Jamais imaginei que iria dar tanta repercussão a divulgação da carta e do áudio. Tenho muita fé, mas respeito todas as religiões. Minha ideia não era apelar para a emoção, mas demonstrar para os jurados que existem outros pais, como os de Guilherme [vítima cujas supostas mensagens estão no livro], que não estão se movendo pelo sentimento de vingança."
O Ministério Público não se opôs a juntada do áudio e do livro no júri. "Tem o artigo 479 do CPP que diz que a gente pode juntar esse tipo de material para o júri em até três dias úteis antes de começar o julgamento. Juntamos neste período e ninguém se opôs. Inclusive está em agravo do STJ de 2012 [Ag 1.388.283-RS]."
Tanto o professor Aury Lopes Jr., de Direito Processual Penal, e colunista da ConJur, quanto o jurista Lenio Streck, também colunista da Consultor Jurídico, disseram que houve falha da acusação e do juiz em ter admitido a prova. "Não tem valor jurídico, não tem controle de qualidade probatório, não tem contraditório possível. Com a juntada do livro aos autos, a defesa pode usá-lo. Não há erro da defesa nesse sentido", diz Aury.
Para Lenio, "o maior defeito do Tribunal do Júri 'à brasileira' é a ausência de fundamentação dos votos dos jurados, resultado de uma reforma feita no Código de Processo Penal em 2008".
Por outro lado, a advogada Juliana Bignardi Tempestini, criminalista do Bialski Advogados, ressaltou que nada impede que cartas psicografadas sejam aceitas e usadas como provas judiciais. "O que não pode ocorrer é uma decisão judicial baseada e motivada unicamente em tal meio de prova, já que depende exclusivamente da fé daquele julgador responsável por analisar todo o contexto processual", acrescentou.
O cliente de Tatiana é Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que tocava na boate naquela fatídica madrugada de 27 de janeiro de 2013. A defesa dele é composta só por mulheres. Além de Borsa, fazem parte Camila Kersch, 40, e Paola Sofia Panazzolo, 41, que atuam em plenário desde o primeiro dia de julgamento.
Marcelo, condenado a 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual, foi beneficiado na última sexta-feira (10/12) por um Habeas Corpus concedido pelo desembargador José Manuel Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou que o juiz responsável pelo júri do caso se abstenha de prender os quatros réus
O HC foi impetrado pela defesa de um dos réus, Elissandro Callegaro Spohr. A peça foi redigida por volta das 16h40, quando os jurados estavam reunidos na sala secreta com o juiz do caso, Orlando Faccini Neto, para a votação dos quesitos.
Com seu cliente em liberdade, Tatiana diz que vai interpor o recurso de apelação e aguardar.
Fora do caso Kiss e sobre o fato de seu escritório ser formado apenas por mulheres, diz: "Estamos representando as advogadas criminalistas do Brasil, para comprovar que a mulher pode estar em qualquer lugar exercendo sua atividade com maestria e competência".
"A advocacia criminal pode ter mulheres fortes, combativas, que não se acovardam e que estão à altura para estar onde normalmente é um local dominado pela presença apenas de masculina. Estamos aqui com a voz que vai ecoar a nossa força nesse júri que está sendo emblemático no mundo."
A divisão do trabalho em plenário foi bem específica. Tatiana, a mais experiente delas, era quem quem assumia todas as manifestações orais e fazia as inquirições. Camila constantemente revisava as informações técnicas do processo para subsidiar as oitivas. Paola dava suporte em questões diversas.
"Recebi um telefonema no dia 5 de maio de 2019 de uma pessoa de Santa Maria me pedindo um favor, pois um advogado teria desistido de atuar no júri e eu seria a advogada indicada. Até então, não havia me falado qual seria o caso. Após aceitar, ele me disse que seria um dos réus do caso Kiss. Imediatamente ao meu sim, Marcelo entrou em contato comigo e marcamos de nos encontramos quando fosse a Santa Maria", conta Tatiana.
Natural de Passo Fundo e, desde 1994 em Porto Alegre, onde fez mestrado em ciências criminais na PUC, ela tem família em Santa Maria. Formada em direito pela Ulbra (Universidade Luterana do Brasil), de Canoas, também é professora em cursos preparatórios para concursos e na São Judas Tadeu (Porto Alegre), Ulbra (Canoas, Guaíba e Gravataí), Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), entre outras.
Tatiana já advogou no caso Teréu, bastante conhecido na região, na defesa de Rudinei Henrique de Abreu, Rudinei Pereira da Silva e Luciano Alves Pereira, acusados da morte do traficante Cristiano Souza da Fonseca, em maio de 2015, no refeitório da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
A advogada também atua na defesa das vítimas de tragédia de Brumadinho (MG), cujo rompimento de uma barragem em 25 de janeiro de 2019 deixou 270 mortos e oito desaparecidos.
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