O gênio da gola rolê

O grande DNA imposto à cultura por Steve Jobs foi a noção de que cada um agora tem instrumentos para construir sua própria narrativa não dependendo mais de intermediários



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Steve Jobs, segundo o The New York Times, deixou 137 inventos patenteados. O que ele não patenteou, mas que está presente nos genes culturais de cada um, é uma filosofia particular, uma welt chauung, uma visão de mundo segundo a qual as novas mídias surgiram para liberar o badaró da individualidade. Não é de espantar que, pouco antes de morrer, ele tenha feito um discurso numa universidade em que recitava uma das frases que aprendeu com os hippies: “be foolish”, seja tolo. Trata-se de um dos derivativos do mantra entoado por Timothy Leary e tão seguido por gênios midiáticos como Bill Gates, Steve Jobs e Paul Allen: “turn on, tune in and drop out”. Ou seja: “ligue-se, sintonize-se e caia fora”. O grande DNA imposto à cultura por Steve Jobs foi a noção de que cada um agora tem instrumentos para construir sua própria narrativa não dependendo mais de intermediários como músicos, produtores e jornalistas. Steve Jobs decapitou primeiro a indústria musical e começou lentamente a decapitar a indústria de mídia tradicional. Foi a partir dele que, aliás, aprendeu isso com os hippies, que o vocábulo “eu, meu” começou a frequentar todo o tipo de mídia: iTunes, iPhone, My Yahoo!, My Google, MySpace. Steve Jobs gostava muito de duas frases que ele também aprendeu com os hippies: “cuide do seu jardim”, dita por Voltaire, “quer ser universal, fale de sua aldeia”, dita por Tolstoi. O “cair fora” hiponga, em Jobs, foi traduzido para “caia fora do discurso geral e monte o seu”. E, assim, sua vida foi voltada para gerar instrumentos, astrolábios digitais, para que cada um pudesse cair fora e contar a todos, com foto, vídeo e narrativa, como foi legal a sua estada no outro lado do mundo.

A reviravolta nas relações midiáticas também brotou dessa visão de Jobs de instrumentalizar o cidadão comum. Sabe-se que em 1980, quando Ted Turner assumiu a CNN, pela primeira vez no mundo a mídia se defrontou com uma torrente jamais vista de notícias locais, projetadas nacional e internacionalmente, em que o agora virou o ápice do tempo. Não importava mais escavar a notícia, mas projetá-la ao público enquanto ela estivesse ocorrendo. Foi a partir daí que a narrativa do jornalismo começou a incorporar o gerúndio – quando os repórteres passaram a falar “eu não sei o que está acontecendo direito, mas estamos aqui apurando ao vivo”. Esse é o ponto que Jobs viu na CNN e que ele começou a passar para os seus produtos. A CNN hoje gera 1.440 minutos de notícia contínua por dia. Jobs queria que cada um tivesse um instrumento para em tempo real construir, também continuamente, o seu mundo, seja música, notícia ou narrativa, e transmiti-lo a toda a humanidade. Foi Jobs, também, que começou a implantar o vocábulo “torrente” nas relações de mídia. Ele intuiu, como ninguém, que o cidadão comum necessitava de instrumentos para projetar mundialmente sua narrativa pessoal dizendo “hey, estou aqui agora e ao vivo e quero compartilhar isso com você”. Não é para menos que um dos livros prediletos de Steve Jobs era “A Gaia Ciência”, de Nietzstche, de 1882, em que o filósofo escreveu “tem-se vergonha de descansar e a reflexão prolongada causa às pessoas dor de consciência. Pensa-se com o relógio na mão, mesmo a fazer-se a refeição do meio-dia enquanto se leem as últimas notícias do mercado de ações; vive-se como se se pudesse perder alguma coisa. A virtude veio a consistir em fazer algo em menos tempo que os outros”.

Steve Jobs também amava o vocábulo “velocidade”. Aliás, essa palavra “speed” teve uma mudança significativa na sua história etimológica. Até o século XIII, por exemplo, “speed” seguia como um derivado de “spedan”, cujo significado era progredir, prosperar ou ir bem. Steve Jobs gostava também do “Manifesto Futurista”, datado de 1909, em que Marinetti de resto escreveu “declaramos que o esplendor do mundo foi enriquecido por uma nova beleza: a beleza da rapidez”.

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Quando soube que estava doente, passou a emitir metáforas relativas à ideia de que não temos tempo a perder. Mas muito antes de saber que ia morrer cedo, ou adoecer à incapacitação, Jobs já havia nos contaminado a todos com a ideia de que, com o mundo que ele criou, ninguém consegue mais perder tempo, mesmo que queira: em Jobs, o futuro era o presente, o presente era o passado – e o passado algo que jamais existiu.

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