Sarney relembra posse: 'eu era um homem batido pelo imprevisto'
"Os que vivem hoje jamais poderão avaliar o que estava em jogo naquela noite de 14 para 15 de março. A nove horas de tomar posse, o abdômen de Tancredo Neves, presidente eleito, começava a ser aberto no Hospital de Base de Brasília. Não se sabia que ali começava o seu martírio e a sua agonia", relembra José Sarney; "Quando, tomado de profunda emoção e saindo de uma depressão que escondi do país durante vários meses, voltado totalmente para o problema humano de Tancredo, disse a Ulysses Guilmarães que não desejava assumir sozinho, ele, rispidamente e mostrando sua fibra de grande chefe, me disse: 'Não é hora de sentimentalismos, Sarney. Temos deveres com a nação'"

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Maranhão 247 - Em artigo publicado neste domingo, o ex-presidente José Sarney relembra o drama da posse como presidente da República, no momento em que Tancredo Neves era submetido a cirurgias em Brasília. Leia abaixo:
Trinta anos: a história se contorce
Por José Sarney
A memória não retém o momento, o clima, a emoção. Hoje, 15 de março de 1985 é apenas uma data, fonte de tantos julgamentos e versões. O tempo é uma invenção do homem, e as datas redondas nos seduzem a construir o passado.
Na história do Brasil tivemos momentos de grandes inflexões. Mas aquela data será julgada no futuro como um instante em que a história se contorcia. Ela marca o fim de um período marcado por revoluções, golpes de Estado, militarismo --agregação de poder político ao poder militar-- e instalação de uma democracia de massa, que o país jamais conhecera. Um Estado Social de Direito, o exercício pleno da cidadania, das liberdades individuais e dos direitos sociais.
Os que vivem hoje jamais poderão avaliar o que estava em jogo naquela noite de 14 para 15 de março. A nove horas de tomar posse, o abdômen de Tancredo Neves, presidente eleito, começava a ser aberto no Hospital de Base de Brasília. Não se sabia que ali começava o seu martírio e a sua agonia.
A realidade imitava a ficção. O país atônito. Os políticos envoltos em perplexidades não tinham nenhum grupo mobilizado. Reuniam-se improvisadamente na Câmara e no Senado. Os jantares organizados para antecipação da festa se transformavam em desorientação e tristeza. O ministro do Exército comunicava ao chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, que iria voltar ao seu posto de comando e desencadear uma ação para interromper o longo processo da transição.
No meio de tudo isso, dois homens aparecem, mostram grande espírito público e capacidade de gerir crises: Ulysses Guimarães e Leônidas Gonçalves.
Quando, tomado de profunda emoção e saindo de uma depressão que escondi do país durante vários meses, voltado totalmente para o problema humano de Tancredo, disse a Ulysses que não desejava assumir sozinho, ele, rispidamente e mostrando sua fibra de grande chefe, me disse: "Não é hora de sentimentalismos, Sarney. Temos deveres com a nação. Um processo tão longo de luta pelas instituições não pode morrer nas nossas indecisões".
O general Leônidas, já escolhido ministro do Exército, partiu para ações concretas: "Vamos ao Leitão de Abreu, não para discutir a sucessão, mas para dizer que amanhã, às 10 horas, o vice-presidente, conforme determina a Constituição, irá prestar juramento perante o Congresso e assumir a Presidência até o restabelecimento de Tancredo".
E assim fez, em companhia de Ulysses e dos senadores José Fragelli e Fernando Henrique Cardoso. As mesas do Senado e da Câmara decidiram no mesmo sentido. O Supremo Tribunal Federal, convocado secretamente pelo presidente Cordeiro Guerra, deliberou que esse era o caminho da Constituição.
Quando me comunicaram as conclusões, às três horas da manhã, eu era um homem batido pelo imprevisto. Tomei posse "com os olhos de ontem" e enfrentei o desconhecido dos anos que estavam à frente.
Passados 30 anos, o brasilianista Ronald Schneider, que estudou as transições democráticas, diz que a do Brasil foi a mais exitosa.
Iniciou-se a Nova República com o lema "Tudo pelo social". Enfrentei 12 mil greves, convoquei a Constituinte, implantamos uma democracia social, rompemos com a ortodoxia econômica com o Plano Cruzado, alcançamos a mais baixa taxa média de desemprego de nossa história --3,59%.
Até hoje não se repetiu o crescimento econômico daqueles anos.
Relembro nesta data Tancredo Neves. Afonso Arinos disse: "Muitos deram a vida pelo país, mas Tancredo é o único que deu a sua morte pelo Brasil".
Esta é a história destes 30 anos de paz social, de alternância de poder e da presença do proletariado nas decisões nacionais.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popularAssine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247