Para pesquisador, governo Bolsonaro teve papel decisivo nos motins da PM-CE

Professor programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, Cesar Barreira comenta os motins da PM-CE e afirma que "o cenário nacional é "configurado no âmbito de uma política do governo central que defende o excludente de ilicitude". "A Constituição brasileira proíbe greve de policiais militares, considerada neste sentido como ação ilegal"

Professor Cesar Barreira
Professor Cesar Barreira (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)


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247 - Professor titular do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cesar Barreira avalia que o "quadro nacional mencionado termina conferindo legitimidade às práticas implementadas por policiais amotinados, que ocupam Batalhões estando armados e encapuzados". 

"A Constituição brasileira proíbe greve de policiais militares, considerada neste sentido como ação ilegal", diz o estudioso em entrevista à jornalista Marilza de Melo Foucher.

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De acordo com o professor, os motins dos PMs destacam-se em um cenário nacional "caracterizado por forte crise institucional, bem como, o processo de militarização do governo central que atinge os órgãos de segurança pública". 

"O cenário nacional é, claramente, configurado no âmbito de uma política do governo central que defende o excludente de ilicitude, reforçando a impunidade dos policiais e a não criminalização de suas práticas, já bastante conhecidas por excessos dirigidos, fundamentalmente, à população pobre e negra das periferias e favelas", continua. 

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"As tentativas de mudança no estatuto do desarmamento possibilitam uma maior circulação de arma de fogo, bem como o reforço à 'justiça pelas próprias mãos'", reforça.

Leia a íntegra da entrevista:

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Como explicar no contexto atual o Motim da Polícia Militar do Estado do Ceará?

Hoje, dia 1 de março de 2020, os policiais militares do Ceará entram no seu 13º dia paralisação. A paralisação que tem como ponto fundamental ou oficial melhores salários, se insere dentro de uma problemática mais ampla. Primeiro, destaca-se o cenário nacional brasileiro caracterizado por forte crise institucional, bem como, o processo de militarização do governo central que atinge os órgãos de segurança pública. O cenário nacional é, claramente, configurado no âmbito de uma política do governo central que defende o excludente de ilicitude, reforçando a impunidade dos policiais e a não criminalização de suas práticas, já bastante conhecidas por excessos dirigidos, fundamentalmente, à população pobre e negra das periferias e favelas. As tentativas de mudança no estatuto do desarmamento possibilitam uma maior circulação de arma de fogo, bem como o reforço à “justiça pelas próprias mãos”. 

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O quadro nacional mencionado termina conferindo legitimidade às práticas implementadas por policiais amotinados, que ocupam Batalhões estando armados e encapuzados. A Constituição brasileira proíbe greve de policiais militares, considerada neste sentido como ação ilegal.

As ocupações ou tomadas dos Batalhões, em princípio, mantem a mesma sistemática da paralisação de 201/2012. Os Batalhões são sitiados por policiais acompanhados por familiares, incluindo geralmente esposas e filhos menores, que bloqueiam as entradas destes quartéis. Os policiais permanecem armados e, este ano, eles estão usando balaclavas ou toucas ninja para encobrir suas identidades, vestindo preto da cabeça aos pés e imprimindo uma forte marca de ilegalidade e de insubmissão. Em 19 de fevereiro, o Senador licenciado Cid Gomes (PDT-Ce) tentou entrar em um Batalhão da Polícia Militar, em Sobral -Ce, com uma retroescavadeira, sendo baleado com dois tiros de arma de fogo. O senador é natural de Sobral e tem nesse município a sua principal base política. O acontecimento ganhou dimensão nacional, deixando transparecer fortemente a violência dos policiais amotinados. Segundo palavras do Senador ‘quem deveria dar segurança para o povo está promovendo a insegurança, promovendo desordem”.

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Os líderes deste motim são apoiadores do atual Presidente. Existe uma estratégia política atrás desta revolta?

Na configuração local do estado do Ceará, esta paralisação tem um componente peculiar que é a relação simbiótica entre política e motins paredistas dos militares. Isso significa que o conflito produz incremento de capital político entre policiais que ocupam cargos legislativos e que lideraram a paralisação policial ocorrida em 2011/2012. A liderança do movimento se utilizou da defesa de policiais demandantes de melhorias salariais como emblema de campanha nas últimas eleições. A principal liderança dessa paralisação, o Cap. Wagner, foi eleito o mais bem votado em 2012, para representante na Câmara Municipal de Fortaleza. Posteriormente, em 2014, elegeu-se como o deputado Estadual, mais bem votado, tendo ao lado o Cabo Sabino, Deputado Federal que angariou votos nas mesmas circunstâncias. Capitão Wagner é atualmente Deputado Federal, apoiado pelo Presidente Jair Bolsonaro, sendo novamente o mais bem votado do Estado. A relação entre os motins e o contexto eleitoral torna-se clara considerando-se que o cap. Wagner surge, atualmente, nas pesquisas eleitorais como principal opção para prefeito nas eleições de 2020, apoiado pelas correntes ligadas ao Bolsonarismo e com grande aceitação entre os profissionais da área de segurança pública. 

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Como explicar esta situação em um estado que conseguiu nas últimas décadas eleger governadores e prefeitos progressistas, inclusive do Partido dos trabalhadores? Da última vez que lhe entrevistei para o jornal Mediapart em Paris o senhor era diretor da Academia Estadual de Segurança Pública (AESP-Ce) responsável pela formação da polícia civil, militar, Corpo de Bombeiro Militar e Perícia Forense do Estado do Ceará. O senhor naquela ocasião tentava  trabalhar a temática Violência, Segurança e Cidadania. 

Destaca-se que policiais que estão amotinados têm, em sua maioria, menos de 25 anos e são recém-ingressos na corporação. Dos 230 agentes já afastados pela Controladoria Geral de Disciplina, cerca de 43% não completaram três anos de corporação. Tais fatores mostram a vulnerabilidade à influência destes jovens policiais, apontando uma maior possibilidade de manipulação, por parte das lideranças considerando-se, ainda, o crescimento mais recente do contingente policial no Estado do Governador Camilo Santana (PT). Os dados, divulgados oficialmente, apontam, nos últimos anos, um maior investimento na área da segurança pública, um aumento significativo no contingente policial, principalmente, de policiais militares, e melhorias salariais para os profissionais da área da segurança pública. O fortalecimento do contingente policial desautoriza a manifestação paredista, apontando, neste sentido, interesses políticos de desestabilização do governo do PT, em um estado não alinhado ao Bolsonarismo. Há, portanto, uma conjuntura eleitoral, que interfere fortemente para a manutenção do conflito. O senador Major Olímpio (PSL-SP), Bolsonarista, afirma que, “eles (os jovens policiais amotinados) estão sendo influenciados por policiais com experiência, alguns que alcançaram o mandato legislativo, não vão perder nada e ainda vão usar a salvaguarda da condição legislativa”. O ministro da justiça Sérgio Moro ontem (dia 29/02) deu declaração de que a atitude dos policiais é ilegal, mas “eles não devem ser tratados como bandidos”. A afirmação, dita após as ameaças de punição do governo estadual aos motins, revela a clara e oportuna apropriação política dos acontecimentos. 

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Ressalta-se que mesmo com a presença de 2.500 militares das Forças Armadas, atuando no Ceará, dentro da Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tem havido um aumento expressivo da violência no Estado, sendo calculado mais de 350 homicídios, neste período de paralisação. Os homicídios decorrem de aproveitamento da oportunidade, ou seja, diminuição da vigilância, provocando, inclusive, acirramento na disputa pela liderança territorial entre as facções. A título de exemplo, constata-se um avanço do Comando Vermelho (CV), em áreas até então dominadas pela facção Guardiões do Estado (GDE). Outro elemento importante que corrobora para o aumento dos homicídios é a atuação de grupos de extermínio, podendo também configurar a presença mais forte de milícias atualmente expressivas no cenário nacional. 

O motim se não está diretamente ligado a milícias tem nas mesmas um elemento efetivo de apoio. O cenário de policiais armados, usando balaclavas ou toucas ninja e vestindo roupas pretas reforça a dimensão clandestina de milícias configurada nas práticas delituosas de policiais e ex-policiais.

 O governador do Estado Camilo Santana (PT-Ce) tem se mantido firme em suas intervenções, punindo alguns policiais amotinados, com afastamento, prisão, incluídos em lista de “desertores” e suspensão de salários e recusando anistia para os militares rebelados. A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará começou no dia 29 de fevereiro a votar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que barra a possibilidade de anistiar policiais militares que tenham aderido a motins, paralisando atividades. A decisão será crucial para definir o embate de forças, considerando-se que o Governador assim emitiu pronunciamento: “reafirmo que sempre estaremos dispostos a ouvir e dialogar, mas não aceito anistia para quem pratica atos criminosos”. 

Ressalta-se que o diálogo tem sido a grande marca do Governador cearense, na tentativa de criar um ambiente de confiança e respeito entre os profissionais da segurança pública e o governo do Estado. No dia 13 de fevereiro foi feito um primeiro acordo, em uma mesa de negociação, composta por representantes das associações dos profissionais de segurança pública, da Assembleia e do Estado, com a participação de políticos ligados as corporações. Os policiais paralisados não acataram a decisão, alegando que não tinham sido consultados. Atualmente, a pauta de reivindicação está concentrada em apenas três tópicos: proposta salarial, carga horária de 40 horas e anistia aos soldados que tenham sido alvo de processo por participarem de motim. Continuam as rodadas de negociação, envolvendo representantes do Estado, da Ordem dos Advogados do Ceará, da Assembleia Legislativa e da Polícia Militar, na tentativa de encontrar uma saída para essa paralisação.

Trata-se, portanto, de uma situação que ultrapassa as fronteiras locais assim como as instituições de segurança, tornando-se um fenômeno ao mesmo tempo da ordem, da justiça e da política. Aqui emergem as várias fragilidades e vicissitudes da sociedade brasileira, atravessada que está por crise institucional e ameaça de falência da democracia. Os motins se fazem passar por movimento e ganham apoio de lideranças interessadas em reforçar posições políticas contrárias a governos de oposição. 

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