Casarões e ruas de São Luís: vozes do passado

Houve um tempo em que cânticos ecoavam nos becos, nos casarões e nas cantarias da velha e bela cidade. Quem só ouviu falar dos pregões de São Luís não sabe que eles eram melhor observados com os ouvidos. Antes de falar sobre aqueles que apregoavam os mais diversos objetos e alimentos, proclamando, propagando e elogiando suas virtudes, gostaria de lembrar daquela mesma cidade nas atividades diárias; texto de Ricardo Fonseca

Houve um tempo em que cânticos ecoavam nos becos, nos casarões e nas cantarias da velha e bela cidade. Quem só ouviu falar dos pregões de São Luís não sabe que eles eram melhor observados com os ouvidos. Antes de falar sobre aqueles que apregoavam os mais diversos objetos e alimentos, proclamando, propagando e elogiando suas virtudes, gostaria de lembrar daquela mesma cidade nas atividades diárias; texto de Ricardo Fonseca
Houve um tempo em que cânticos ecoavam nos becos, nos casarões e nas cantarias da velha e bela cidade. Quem só ouviu falar dos pregões de São Luís não sabe que eles eram melhor observados com os ouvidos. Antes de falar sobre aqueles que apregoavam os mais diversos objetos e alimentos, proclamando, propagando e elogiando suas virtudes, gostaria de lembrar daquela mesma cidade nas atividades diárias; texto de Ricardo Fonseca (Foto: Gisele Federicce)


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Por Marcos Estrela no Blog Propagando, de Ricardo Fonseca - Houve um tempo em que cânticos ecoavam nos becos, nos casarões e nas cantarias da velha e bela cidade. Quem só ouviu falar dos pregões de São Luís não sabe que eles eram melhor observados com os ouvidos. Antes de falar sobre aqueles que apregoavam os mais diversos objetos e alimentos, proclamando, propagando e elogiando suas virtudes, gostaria de lembrar daquela mesma cidade nas atividades diárias. 

Eles não iam muito além de dormir, acordar, comer, trabalhar e dormir novamente. Essas atividades eram definidas exclusivamente pela luz do sol. Não havia potência de energia elétrica suficiente para manter funcionando a pleno os dias e as noites daquela cidade. Peixe, carne, legumes, frutas e verduras se comprava na porta de casa. Havia também os sorveteiros, os piruliteiros, os garrafeiros, os carvoeiros, os vendedores de guarda-chuva, penicos, fogareiros e tudo que se podia imaginar para funcionar uma casa. E tudo isso com serviço delivery.

A cidade tinha seus céus riscados por bodes, jamantas, papagaios, suras e curicas, que bailavam nos ventos generosos da ilha, com seus rabos e linhas de algodão banhadas pela goma feita do vidro azul de magnésia, que já tinha sido pulverizado pelos trilhos dos bondes elétricos da linha São Pantaleão.

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Rua da Palma no ano de 1970. Foto: Marco Estrela

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Esses gladiadores, feitos de cerol, linha, talas de madeira e papel de seda, tinham como artesões maiores, Zé Caveira e Fala Besteira. A cidade participava de um duelo diário, da Beira Mar até os confins do Anil. Marcos Brandão, amigo que viveu também aqueles tempos e como Zé Lopes da São Pantaleão, era “gladiador mestre”. 

Sempre relatava sobre “os sacalões, das torcidas e distorcidas, dos batendo-tala e das bimbarras, dos freios nas cabeças e nas guinas, dos assovios pra’ chamar’ vento, dos sacos nas linhas, dos “tá penso fura”, dos rabos de algodão, dos soquinhos, das tapiocas de Dioclécio, dos ceróis de magnésia, das lâmpadas fluorescentes e das garrafas térmicas. 

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Av. Beira-Mar. Foto: Ricardo Fonseca

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Tudo mexido só para um lado para não desandar e cegar o vidro, da lanceada, do engasguelar, do cortar no freio e na mão, do “matou e cortou”, do “passar o fio”, do “culhão de bode”, do “lá vaaaiii’ e do ‘lá veeeemmm”,do fabricado por Tiririca… 

Naquela mesma cidade, na qual se usava um vocabulário único, somente ali se podia ouvir ecoando entre muros dos colégios, nas ruas e praças, as expressões típicas e características daquela pequena província. Não se ouve mais: “Nem seu Souza”, “Cabeça de Jeneve”, “Ô minha colega poxa!”, "Te dou-lhe um bogue!”, “Deixa que eu chuto!”, “Tcho rébis” e “à fulote”. Caíram em desuso também os verbos escangalhar, arreliar, arremedar, canhengar e muitos outros. Já não pertencem mais ao dicionário ludovicence. 

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Rua Portugal. Foto: Ricardo Fonseca

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Cidade do escorregadio piso de paralelepípedos, que calçavam as Ruas da Palma, da Alegria, dos Afogados, do Passeio, das Hortas, da Paz, dos Veados e do Palácio dos Leões. Cidade da Lusitana da Mouraria, das pedras portuguesas e da Rua Portugal. 

Província da galinha ao molho pardo dos domingos ensolarados, da pescada amarela dos de praia e do cuxá das festas de São João e de Seu Antonio José Lopes, artesão-artista, escultor e pintor de uma criatividade, originalidade e perícia jamais vistas até os dias de hoje. 

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Pousada Frankie na Rua da Palma. Foto: Marco Estrela

Terra onde um boi perdeu a língua e morreu, pelos caprichos de uma prenha. Cidade jurada por uma enorme serpente, que prometeu voltar e leva-la consigo, para as profundezas da Baía de São Marcos. 

Aos domingos, os senhores pais de família reuniam-se nas portas de suas casas, sentados em suas coloridas “cadeiras de macarrão” para ouvirem aquela que se localizava ao sul do equador e a 54° a oeste de Greenwich, através do prefixo PRJ–9, em ondas médias e amplitude modulada, na sintonia 1940 kHz, a famosa Rádio Timbira do Maranhão* os jogos do Sampaio Correia, de seu arquirrival Moto Clube e dos briosos Ferroviário, Vitória do Mar e Maranhão Atlético Clube, o velho Bode Gregório. 

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Rua Montanha Russa, ao lado da sede da Prefeitura Municipal. Foto: Ricardo Fonseca

Não se ouvia falar ou sequer se interessavam por times de outros centros. E quanto às vozes da rua, os poetas ambulantes, os criativos pregões que cantavam sobre as cantarias? Esses ficaram pra sempre nos corações e mentes de todos acima citados. Qual de nós não se recorda daquele que ganhava a vida no grito com seus “jingles” cheios de apelo publicitário. “Garrafeeeeiiiiro, compra garrafa, vende garrafa, meia garrafa, liiiiitro!”Com esse grito, o vendedor anunciava sua chegada no bairro, pronto para comprar qualquer recipiente de vidro (eram muitos), para depois revender nas fábricas de bebidas e farmácias de São Luís. “Rolete de cana, é de cana caiana, olha o rolete, rolete... De cana!”. “Pamooonha! Pamooonha! Tá quentinha, tá quentinha!” "camarêêêuuuu” (esse requer tradução: tratava-se de um vendedor de camarões frescos e secos) “ííííícole, icole, icole”.

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Rua do Sol em São Luís (MA), ao fundo o maravilhoso teatro Arthur Azevedo. Foto Ricardo Fonseca 

Agora imaginem a Rua do Sol ao meio dia, deserta, todos almoçando, um silêncio sepulcral… De repente, um lamento ao longe rasgava a calmaria, era um cântico triste, geralmente na voz de um menino: “Derresóoooo, derreeeééésó!” Aquilo penetrava na alma e causava uma tristeza repentina, até nos corações mais duros. 

Tratava-se de um vendedor de um doce que custava apenas um derréis, corruptela de dez réis. Naquele tempo existiam como moedas “derréis, vintém e tostão”. Poucos não compravam… O sentimento de ajudar aquela pequena alma solitária, era mais forte que a economia caseira. 

Pronto, a velha província se rendia ao Marketing de técnicas e métodos destinados ao desenvolvimento das vendas, através do apelo emocional. Os anos se passaram e aquele torrão cresceu, se modificou, foi devorado e conquistado por novos povos, novos costumes, virou polo de consórcios de mineradoras transnacionais, mudou seu estilo e perdeu o seu charme. 

Hoje, na parte de cá da ponte, se come pão de queijo como se mineiros fôssemos, queimamos carnes como os gaúchos, batucamos samba como os cariocas, pedimos pizzas aos domingos como os paulistas e, até bebemos vinhos e degustamos escargot como os franceses. Mas o outro lado da ponte, onde se avistam as torres da igreja da Madre Deus, ainda não se rendeu, ainda não foi conquistado,não permitiu a invasão, ainda trava a sua Batalha de Guaxenduba*, ainda espera uma vitória, antes do abraço final da serpente. 

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Marco Estrela é Advogado, Psicólogo, Pintor, Historiador e Apaixonado pela Ilha Magnética de São Luís

Batalha de Guaxenduba: http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Batalha+de+Guaxenduba,+Maranh%C3%A3o

Rádio Timbira do Maranhão: http://www.radiotimbira.ma.gov.br/

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