Origem do termo "pedalada fiscal" ajuda a entender golpe contra Dilma

Primeiros resultados sobre a origem do termo aparecem em plena campanha eleitoral de 2014, de acordo com buscas em redes sociais, Google e jornais

Dilma Rousseff
Dilma Rousseff (Foto: Roberto Stuckert)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Paulo Motoryn, Brasil de Fato | Brasília (DF) - No dia 12 de maio de 2016, exatamente às 6h34, o Senado Federal decidiu, por 55 votos a 22, abrir processo de impeachment contra a então presidenta Dilma Rousseff (PT). Pouco depois, a petista foi notificada que deveria se afastar do cargo. O crime de responsabilidade alegado pelo Congresso Nacional para a deposição ficou conhecido como "pedalada fiscal", um apelido dado a um tipo de manobra contábil realizado pelo Poder Executivo para cumprir as metas fiscais.

Seis anos depois, no aniversário do afastamento de Dilma do Palácio do Planalto, o Brasil de Fato publica investigação digital sobre o surgimento do termo "pedalada fiscal" nas redes sociais e no Google. Em março deste ano, a Justiça decidiu extinguir a ação popular em que Dilma chegou a ser condenada. A decisão corrobora um artigo escrito pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro: “A justificativa formal foram as denominadas ‘pedaladas fiscais’ – violação de normas orçamentárias –, embora o motivo real tenha sido a perda de sustentação política”.

continua após o anúncio

A autoria do termo pedaladas fiscais, que tornou midiático um tema de difícil compreensão, é pouco conhecida. Em documentos oficiais e conteúdos disponíveis na internet, o surgimento do termo é atribuído a diferentes atores, veículos jornalísticos e datas. Entre eles, o Tribunal de Contas da União (TCU). É o que mostra, por exemplo, ofício enviado ao Senado em 2016 pela Controladoria-Geral da União, que associa a "projeção" da expressão com a publicação de um acórdão da Corte de 15 de abril de 2015.

reproducao

A pesquisa feita pela reportagem, no entanto, oferece novos elementos sobre o contexto da criação do apelido que deu nome ao suposto crime cometido por Dilma. O resultado mostra que o surgimento do termo no Google e nas redes sociais é anterior à manifestação oficial do TCU e coincide com o auge da campanha eleitoral pela Presidência da República, em agosto de 2014.

continua após o anúncio

O levantamento aponta também que uma ONG brasileira, chefiada por um articulista do think thank de direita Instituto Millenium, teve papel central na deflagração do escândalo. A Associação Contas Abertas chegou a levar o tema a um debate em Washington, nos Estados Unidos, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, naquele mesmo agosto de 2014.

O Brasil de Fato utilizou técnicas, mecanismos e ferramentas de busca avançada no Google, nas redes sociais Twitter e Facebook e em acervos de três dos principais jornais do Brasil. Para realizar as buscas, a reportagem considerou a ocorrência de dois termos: “pedalada fiscal” e “pedaladas fiscais”. Como forma de facilitar a pesquisa, foi estabelecido como marco temporal inicial o dia 1º de janeiro de 2011, quando Dilma assumiu a Presidência.

continua após o anúncio

Além da pesquisa, a reportagem consultou o jornalista João Villaverde, autor do livro Perigosas Pedaladas, e que fez a cobertura do caso pelo Estadão. No depoimento, ele conta detalhes: "Fui pesquisar a primeira vez que o termo pedalada surgiu. Tem matéria até dos anos 1980, sempre associado a alguma maracutaia do ponto de vista contábil e financeiro no setor público. Há uma serie de matérias nos anos 80 e 90 que mencionavam pedalada ou pedaladas fiscais. É um termo antigo".

"Em 2014, a Adriana Fernandes, minha colega no Estadão, fez uma reportagem muito completa, em janeiro, a partir de um levantamento da ONG Contas Abertas, mostrando que o governo federal havia postergado enormemente os restos a pagar de 2013. Ainda em janeiro de 2014. Dias depois, o saudoso jornalista Ribamar Oliveira, do Valor Econômico, traz os mesmo dados, aprofunda e traz mais contexto. Ele chama aquilo de pedaladas fiscais", explica.

continua após o anúncio

Villaverde aponta a divergência entre Estadão e Valor sobre o primeiro jornal a estampar o termo, em função de Oliveira ter nomeado como pedalada um outro caso, sobre os restos a pagar: "O Valor fez uma campanha de marketing dizendo que o Valor seria o primeiro a falar. Mas, isso é falso. Não foi aquilo que levou ao impeachment, como está nos próprios anais do Senado. Não se trata do caso que envolveu o atraso proposital do pagamento a bancos públicos controlados por ele", concluiu.

Nos primeiros três anos do governo Dilma, do início de 2011 ao final de 2013, o Google aponta pouco mais de 20 resultados para o termo "pedalada fiscal", no singular (o contador do Google não é preciso e o número pode variar). Porém, os registros são fruto de imprecisão na leitura do data pelo buscador ou no cadastramento do conteúdo dos sites. A conferência foi feita de forma manual pelo Brasil de Fato.

continua após o anúncio

A primeira ocorrência de fato do termo foi localizada em 27 de agosto de 2014. Àquela altura, a campanha eleitoral pela Presidência da República já transcorria havia algumas semanas. Na data, o site da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC) do Brasil trouxe o termo “pedalada fiscal” à tona.

Em texto com o título Reunião Anual do Banco Mundial e FMI debaterá transparência fiscal, a publicação fala que “constantes maquiagens” realizadas pelo governo federal seriam expostas pela ONG Contas Abertas na reunião anual entre o Banco Mundial e o FMI. A nota cita possíveis "efeitos" do caso no processo de eleições que estava em curso no país.

continua após o anúncio

“Com um painel específico sobre transparência fiscal, o Contas Abertas representará a sociedade civil brasileira nesse importante evento que será realizado no mês de outubro na capital norte-americana, Washington, onde ocorrerão diversos debates e sessões plenárias com temas relativos ao desenvolvimento global e às políticas de inclusão social”, diz a ANTC.

“Entre os temas que o Contas Abertas pretende abordar está a prática conhecida como 'pedalada fiscal', descoberta pela entidade no início do ano”, afirma o texto. Outro trecho celebra que um debate sobre 'pedalada fiscal' já havia alcançado mais de 49 mil acessos na página da Associação. A entidade não informa em qual rede social está o debate mencionado.

continua após o anúncio
reproducao

Mais à frente, o texto diz que a “presidente da ANTC foi entrevistada pelo Contas Abertas e esclareceu os principais aspectos da 'pedalada fiscal', em especial os efeitos no processo eleitoral”. O link disponível leva, hoje, a uma página em branco, hospedada no site da ONG. Possivelmente, o conteúdo foi o primeiro a surgir na internet, por volta de 16 de agosto de 2016. Descrita mais abaixo, a pesquisa no Twitter é o que corrobora essa hipótese.

Questionada pelo Brasil de Fato se a própria ANTC ou o TCU eram autores do "apelido", a associação negou relação com a criação. "Sobre o termo 'pedaladas fiscais', informamos que não foi cunhado pela ANTC e nem pelo TCU. É possível que tenha sido cunhado pela Associação Contas Abertas, dirigida por Gil Castello Branco, ou pelo professor Paulo Henrique Feijó", disse a entidade.

A ANTC enviou à reportagem um link da revista Época, com entrevista dos jornalistas Claudia Safatle, Ribamar Oliveira (do jornal Valor Econômico) e João Borges (da GloboNews), autores do livro Anatomia de um desastre. Na matéria, Oliveira confirma que a dica para a elaboração de uma das primeiras reportagens da imprensa brasileira sobre o tema foi de Gil Castello Branco. 

“No início de janeiro de 2014, um dos autores deste livro, Ribamar Oliveira, repórter e colunista do Valor Econômico, recebeu informações do Contas Abertas (associação sem fins lucrativos que monitora contas públicas no país) de que o governo havia aumentado substancialmente o montante de restos a pagar que tinha deixado para 2014, de forma a melhorar o resultado primário de 2013", explica.

“O economista Gil Castello Branco, do Contas Abertas, chamou a atenção também para a grande concentração de ordens bancárias para pagar investimentos emitidas pelo Tesouro no período de 28 a 31 de dezembro. Com esse expediente, argumentava Castello Branco, o dinheiro só havia saído do caixa do Tesouro no primeiro dia útil de 2014, o que inflara o superávit primário do ano anterior", concluiu.

Mais elementos sobre a gênese

A busca no Google pelo termo no plural revela mais elementos sobre sua gênese. Em 18 de agosto de 2014, uma reportagem com o título O conflito na área econômica, assinada pelo então repórter do jornal O Estado de S. Paulo João Villaverde, diz que "há um conflito surdo a pleno vapor nos gabinetes de Brasília". "Numa ponta, a direção e corpo técnico da Caixa Econômica Federal; na outra, o núcleo duro do Tesouro Nacional, comandado há mais de sete anos pelo economista Arno Augustin. Neste exato momento, a disputa está no auge. Mas o começo de tudo remonta a novembro de 2012", escreveu o jornalista.

reproducao

No artigo, Villaverde afirma que "esta prática de atrasar em alguns dias o repasse financeiro, se estiver mesmo ocorrendo, não é nova. Desde os anos 1990, em períodos pontuais de aperto, o governo federal tem recorrido a esse tipo de manobra. Mas segundo fontes seguras do governo, isso não existiu entre janeiro de 2011, quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência, e novembro de 2012. Ali começou tudo, e os atrasos foram se espalhando".

Em nenhum local do texto aparece o termo "pedalada fiscal" ou "pedaladas fiscais". No rodapé, no entanto, é possível perceber que uma das tags escolhidos pelo jornal é "pedaladas fiscais". Não é possível afirmar que as tags foram inseridas após a repercussão do caso, ou se, à época, o termo já foi usado pelo jornal para categorizar o artigo.

Villaverde, hoje, é professor Administração Pública na FGV-SP e um dos mais respeitados analistas econômicos da nova geração. No livro-reportagem Perigosas Pedaladas, ele explica como um debate legítimo sobre manobras fiscais nas contas públicas ajudou na concretização da queda de Dilma. Na publicação, detalha os bastidores do caso.

reproducao

Busca avançada no Twitter: o primeiro registro

A pesquisa feita no Twitter revela um resultado anterior ao artigo assinado por Villaverde. Em 16 de agosto de 2014, dois usuários publicaram mensagens com o termo. Um deles, chamado Jean Diniz, segue ativo até hoje na rede social. Ele administra uma página no Twitter com mais de 15 mil seguidores chamada "Bolsopetismo". O perfil afirma que "petistas e bolsonaristas são filhos gêmeos de pais diferentes".

Não é possível assumir que as publicações sejam as responsáveis pela "criação" do termo, já que um dos usuários usa a expressão entre aspas, dando a impressão que está comentando a utilização da expressão. A hipótese mais realista é que eles estivessem repercutindo uma publicação da ONG Contas Abertas sobre o tema, com entrevista com a presidente da ANTC. Os conteúdos, porém, já não estão mais disponíveis.

reproducao

No Facebook, o conteúdo mais antigo localizado pela reportagem é uma publicação compartilhada da página do Facebook da ONG Contas Abertas em 23 de agosto de 2014. O usuário comenta apenas "Pedalada fiscal". O link que remeteria ao domínio contasabertas.com.br, no entanto, não está mais disponível. É possível perceber que o título da publicação no site da Contas Abertas é "Documentos comprovam que Caixa banca benefícios sem receber do Tesouro".

reproducao

Acervos de jornais impressos

No acervo do Estadão, jornal que ficou marcado pelas primeiras publicações sobre o tema, o termo surge impresso, pela primeira vez, em uma coluna de Celso Ming, em 27 de agosto de 2014. Ele, no entanto, faz referência ao termo para questionar outro caso, envolvendo o então ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Para o caso de Dilma o termo surge em 18 de setembro de 2014, com a afirmação de que a área técnica do TCU apurava o caso. A pesquisa no acervo digital, no entanto, pode não apresentar todos os resultados que foram, de fato, impressos.

reproducao

No acervo da Folha, o primeiro registro é posterior às eleições de 2014, quando Dilma venceu Aécio Neves (PSDB) no segundo turno. A reportagem foi publicada em 14 de novembro de 2014 e citava atraso de R$ 2 bilhões no repasse da União aos estados. No acervo de O Globo, a primeira ocorrência no acervo é anterior a dos jornais paulistas. Em 30 de agosto de 2014, o jornal usou o termo e disse que seria um "jargão de economistas". A expressão, porém, nunca havia sido adotada nos três principais veículos impressos do país, indicam os acervos.

impresso

Sobre a Associação Contas Abertas

De acordo com a descrição que conta em seu site, a Associação Contas Abertas (e não ONG Contas Abertas, como costuma ser mencionada na imprensa) "reúne pessoas físicas e jurídicas interessadas em contribuir para o controle social sobre os orçamentos públicos". Fundada em 2005, a organização afirmar ter "sua história pautada pelo princípio da independência".

A Contas Abertas, conforme o seu Estatuto, não recebe recursos públicos e se sustenta com doações e prestações de serviços a entidades de classe, empresas e veículos de comunicação, por exemplo. O fundador é o economista Gil Castello Branco. Em junho de 2021, ele anunciou, à Revista Crusoé, sua iminente aposentadoria.

A reportagem afirma que Castello Branco ajudou a revelar os maiores escândalos da cena política na última década, com destaque para "as pedaladas do governo Dilma Rousseff". Mais recentemente, o economista apareceu em foto com o então pré-candidato à Presidência pelo Podemos, Sergio Moro, ao lado de alguns dos "conselheiros" da empreitada, como o general Carlos Alberto Santos Cruz e o senador Álvaro Dias (Podemos-PR).

Gil Castello Branco é também um dos principais articulistas do Instituto Millenium, think tank de direita. No site da organização, publicou dezenas de artigos, tendo iniciado sua colaboração, no mínimo, em 2011. Na reta final das eleições de 2014, o Millenium republicou artigo de Castello Branco em O Globo, em que cita as "pedaladas fiscais". A reportagem tentou contato com um número telefônico associado ao economista, mas não obteve sucesso. O espaço segue aberto para manifestações.

reuniao

ANTC

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas é uma entidade de classe de âmbito nacional. Apesar da intensa mobilização e grande número de entrevistas concedidas durante as eleições de 2014 e durante o processo que levou ao impeachment de Dilma, um dos artigos do estatuto da entidade diz que "a ANTC não apoiará manifestações de natureza político-partidária de caráter eleitoral ou fundada em crença religiosa, nem tomará qualquer iniciativa estranha à persecução dos seus objetivos". Em 27 de maio de 2016, a ANTC divulgou nota de apoio ao então juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro, após ele ser hostilizado após evento nas imediações do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba.

reproducao

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247