O primeiro limite ecológico do Distrito Federal
Em plena ditadura militar, a água virou um marco pioneiro para a inteligência do planejamento urbano
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O primeiro limite ecológico do Distrito Federal foi definido em plena Ditadura Militar, no ano da graça de 1979, num mês de agosto. Esse limite, quase bíblico, foi a água. A água potável. A água de beber. A água limpa, a que pode ser colocada, confiantemente, nas caixas de água de nossas casas e blocos residenciais, escritórios e repartições, estabelecimentos industriais e comerciais.
O estabelecimento desse limite num plano diretor de uma cidade foi um marco pioneiro para a inteligência do planejamento urbano brasileiro: foi o Plano Estrutural de Organização Territorial do DF, o venerando PEOT. Nunca antes, na história deste país, uma cidade disse qual seria seu limite de crescimento.
O valor dessa afirmação deve ser ainda mais enfatizado, pois trata-se do PRIMEIRO plano diretor de Brasília, feito após o Relatório do Plano Piloto, de Lucio Costa, de 1957 – com o qual venceu o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil. Entenda-se que a proposta de Lúcio Costa não era, rigorosamente, nem um projeto técnico executivo, nem um documento de planejamento: era uma "ementa" das características do núcleo inicial, do projeto que guiaria (por isso "piloto") a ocupação inicial, fundadora.
Era o delineamento de um imenso "objeto", e deu um trabalho dos diabos para converter a proposta literária de Lúcio Costa num projeto urbanístico executável. Mais trabalho ainda daria, nos anos vindouros e até os nossos dias, para entender como aquele Plano Piloto guiaria o crescimento da cidade.
Guiou? Não guiou. Ao contrário, os princípios urbanísticos que dão à luz a Cidade Parque, as Superquadras, as tesourinhas, as escolas-parque e escolas-classe, as elegantes composições urbanísticas das unidades de vizinhança, não mais se repetiram em Brasília (bem, até o Setor Sudoeste, uma caricatura imobiliária "curta e grossa", sem o menor charme da obra de arte original).
De fato, antes desse primeiro plano diretor urbano de Brasília, o Brasil ainda não vira uma cidade afirmar que "tinha limites de crescimento a considerar". Ainda não há uma cidade brasileira assim: de um modo geral, o plano diretor urbano das cidades brasileiras são do tipo "ao infinito e além" (a metodologia Buzz Lightyear, para os iniciados).
Afinal, são 512 anos de ocupação desordenada e forçada do imenso território que nos cabe na América do Sul, e nossas cidades "não podem parar": se espraiam por rios e praias, montanhas e vales, "ilimitadas" como se diz nas campanhas das companhias de telefonia celular. O Brasil é um paraíso que não vê a menor necessidade de se disciplinar quanto ao uso de seus recursos. E, ainda assim, deseja ter futuro. Um bom futuro, não é mesmo?
Para estabelecer esse limite ecológico a crescer "ilimitado", a Companhia de Água e Esgoto de Brasília – CAESB – resgatou cerca de 20 anos de estudos que seus técnicos fizeram de CADA nascente, cada córrego, cada rio (há três rios de verdade no Distrito Federal, sabiam?), computando a sua capacidade de oferecer água a ser tratada e disponibilizada para o consumo pela população habitante do DF – e pelos sedentos negócios públicos e privados da capital federal.
Essa disponibilidade foi calculada de um modo consistentemente "sustentável", cerca de três décadas ANTES de as noções de "sustentabilidade" entrarem no vocabulário dos próprios técnicos, políticos e administradores públicos. Toda a capacidade de fornecimento de água potável para a população de Brasília, segundo o PEOT, seria feita de forma sustentável, sem comprometer o subsolo, os aqüíferos, ou qualquer tipo de fonte que fosse comprometida pela própria operação de captação ou extração de água.
Assim, a população projetada para o futuro de Brasília seria elementarmente limitada pela própria fonte da vida: a água. E de forma sustentável. Isso é que é começar bem um trabalho governamental de planejamento urbano! Ninguém poderia supor o "trabalho de porco" que viria logo a seguir, a partir do final dos anos 1980, exatamente no período de Autonomia Política do Distrito Federal, que se estende até os dias atuais, com a péssima série dos "PDOTs" (1992, 1997, 2009), que detonaram a organização territorial de nosso quadrilátero federal.
Nessa série de PDOTs do período de Autonomia Política do DF, não há limites de qualquer ordem para a ocupação do Distrito Federal. Como nas propagandas de telefonia, o DF "cresce ilimitado", sem peias, em todas as direções. Se houver custos, se houver crises, novas e grandiosas obras que permitam a "retomada do crescimento", indefinidamente, como se isso fosse possível e civilizado.
O crescimento "ilimitado" é exatamente o oposto do que a ciência ambiental planetária está a clamar: conheçam seus limites! Tracem objetivos claros para o desenvolvimento humano e para o desenvolvimento urbano! Não transformem Brasília num lixão de luxo!
Em outra oportunidade, examinaremos a população projetada por esse primeiro plano urbano do Distrito Federal, assim como um modo de fazer planejamento urbano que deveria ter "feito escola", por sua transparência e firmeza de fundamentação. Totalmente diferente dos PDOTs de nossa anacrônica realidade.
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