O alto custo do moralismo

Sancionar leis heroicas pode parecer uma ótima ideia a princípio, mas a experiência mostra que a melhor maneira de lidar com os vícios é minimizando o dano, e não proibindo



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É capaz de o Brasil perder a soberania durante a Copa. Tudo bem, sem grandes traumas. Com certeza algum jurista vai inventar uma maçaroca conceitual pra dizer que não é bem isso, mas chamemos as coisas pelo nome. Se uma entidade privada faz valer suas leis mais do que as leis do país, a soberania não é plena.

Todo esse constrangimento porque a FIFA exige vender bebida alcoólica nos estádios durante a Copa. Quando o Brasil postulou ao cargo de anfitrião, sabia disso. Depois de comemorada a vaga, eis que surge o problema: o Estatuo do Torcedor havia banido a bebida dos estádios. E agora?

O Congresso se divide e a oposição decide sabotar o governo, o que no caso equivale a sabotar o país. Dilma quer mandar mais do que Blatter. Fica um climão, e os articulistas de jornal jogando gasolina.

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Todo esse problema poderia ter sido evitado se o Estatuto do Torcedor não fosse tão radical nos seus postulados. Não há duvida de que o devido diploma legal é fruto das mais altas aspirações da sociedade. Mas as leis são imperfeitas, e muitas vezes há um custo moral nas escolhas que fazemos e nas leis que tão heroicamente sancionamos.

Afinal, assistir uma partida de futebol e beber cerveja são atividades diametralmente opostas. Só um louco pensaria em associar as duas coisas.

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Acho que o Carlinhos Cocheira ia concordar comigo. Vejo o pobre infeliz sendo achincalhado e chamado de contraventor, fora da lei, criminoso e, o pior dos insultos, bicheiro. Tudo por que o jogo foi proibido no Brasil em 1946 pelo general Eurico Gaspar Dutra (dizem que influenciado pela esposa, senhora muito católica). Na Europa e nos Estados Unidos o jogo é legalizado, enquanto aqui tacamos pedra na pobre Geni encarnada em forma de bicheiro.

Não duvido nada que Cachoeira, pra ter tantos amigos, seja um cara bom de papo, e tendo a vê-lo mais como um empresário fazendo a sua correria do que como um malfeitor cuja mera presença exala o mais corrosivo ácido sulfúrico.

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Por que seria o lobby de Cachoeira no Congresso menos legítimo que o lobby da AMBEV, da Philip Morris ou da Taurus, por exemplo? Enquanto Cachoeira quer pagar impostos, os fabricantes de armas, bebidas e cigarros bolam meios de subtraí-los.

A Lei Seca diz que você não pode tomar duas taças de vinho num jantar e depois dirigir 500 metros. Se fizer isso, vai pra cadeia (se soprar o bafômetro, e toda a história que você sabe). E querem deixar a lei ainda mais dura. Conceitos jurídicos como proporcionalidade e razoabilidade passam longe do assunto.

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De um por um, os nossos amigos vão sendo pegos (eu já fui). Aécio Neves, Mano Menezes e monte de celebridades já foram, apesar de estarem dirigindo sem oferecer o menor risco a quem quer que seja, na velocidade da via, numa boa.

Em breve todo o país será fichado e a treta com a FIFA pode terminar com gente magoada por todos os lados. Me parece um alto custo. Devemos cultivar a ideia de ver o Estado como um gestor, e não um pai.

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