Não dá para levar a sério
A imprensa poderia não difundir mais imagens de autoridades e políticos em cima de tratores, viajando de metrô, tomando vacina, dando pontapé inicial, andando de bicicleta. É ridículo
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O jornalista bêbado do filme ainda em cartaz, Hunter Thompson, disse há anos que era inadmissível que um repórter de olhos bem abertos pudesse viver em Washington, a capital dos Estados Unidos, sem ridicularizar o que acontecia ali. A rigor, o mesmo poderia ser dito a respeito do que acontece em Brasília. É claro que há deliberado exagero nisso, pois coisas sérias acontecem nas capitais federais e um exemplo atual disso é a aprovação, pelo Senado, da proposta que torna mais eficaz o combate à lavagem de dinheiro. Mas, pensando bem, nada de entusiasmo, pois a proposta tramita no Congresso desde 2003. O projeto é bom, mas não é ridículo demorar nove anos para ser votado?
Os ritos, costumes e encenações do poder – que não pode ser confundido com a cidade onde vivem pessoas normais – são ridículos, mas tratados como sérios pela imprensa. Acabam sendo considerados naturais, caem na rotina e são relatados com idiota objetividade. A ética anda em baixa no país, mas a estética não fica nada atrás.
Apenas cinco exemplos, recentes, de fatos que deveriam ser ridicularizados e não tratados como normais em notícias formais e solenes:
1 – Vazou na Folha de S. Paulo a intenção do governo de atualizar o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Uma medida prevista provocou reações negativas em políticos evangélicos: a proibição às emissoras de alugar programas ou espaços nas programações. Norma justa e adequada, pois esse aluguel é uma espécie de "subconcessão" do serviço público de radiodifusão. Mas, diante das primeiras reações dos evangélicos, em especial de seus parlamentares, o governo recuou no dia seguinte. Cedeu mais uma vez ao grupo mais conservador do Congresso, com medo de perder votos no Congresso e nas eleições municipais.
2 - Só diante de muita pressão de alguns senadores é que o presidente do Senado, José Sarney, resolveu colocar em pauta para votação o fim do voto secreto no Congresso. Será no dia 13, mas depois o projeto de emenda constitucional terá de ser aprovado na Câmara. Se a proposta não for votada a tempo, a decisão sobre Demóstenes Torres será pelo voto secreto e, segundo se diz, há o risco de o mandato dele ser mantido. A demora em votar a PEC é ridícula, e é quase certo que não haverá tempo para ser aprovada antes da sessão de julgamento de Demóstenes, pois ficou engavetada por muito tempo. Mas o mais ridículo mesmo será a absolvição do senador.
3 – A Câmara está parada porque seu presidente e um séquito de deputados está na China, em mais uma viagem inútil à custa do dinheiro público. Deputados e senadores parecem ter uma queda grande para viagens no meio do período parlamentar e sempre inventam pretextos para gastar o dinheiro que não é deles. E essas viagens de passeio remunerado ainda são tratadas como trabalho.
4 – Os próprios parlamentares reconhecem que até o fim do ano não haverá votações importantes na Câmara, porque o ritmo já está lento, vêm aí as festas de São João, depois é mês de férias, a partir de agosto todos estarão voltados para as eleições municipais. Falam disso com o semblante contrito, como se fosse normal parar o trabalho parlamentar por esses motivos tão relevantes.
5 – Dois deputados federais do PT que são secretários do governo do Distrito Federal retomaram temporariamente o mandato para articular a defesa do governador Agnelo Queiroz, convocado pela CPI do Cachoeira. Um dos suplentes que perde a cadeira é do PPS, de oposição, mas o outro é o presidente do PT no DF. Então o governador deve achar que os dois que voltam vão defendê-lo melhor que o presidente de seu partido, e indiretamente diz que eles não são tão importantes para suas secretarias. Não seria melhor decidir logo onde eles devem ficar definitivamente?
São só exemplos dos dois últimos dias, certamente há piores. A propósito, a imprensa poderia dar uma boa contribuição à sociedade brasileira: não difundir mais imagens de autoridades e políticos em cima de tratores, viajando de metrô, tomando vacina, dando pontapé inicial, andando de bicicleta, enfim, criando factóides para sair na mídia. Tudo isso é ridículo.
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