Mudanças e desinformação

A má vontade e os preconceitos acabam impedindo a imprensa nacional de fazer um bom trabalho jornalístico e expor aos leitores brasileiros as qualidades e contradições existentes em Cuba e Venezuela



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É didático sobre o comportamento da imprensa brasileira, e sobre os interesses ocultos aos noticiários dos grandes meios de comunicação, observar como são tratadas as informações que envolvem dois países latino-americanos cujos governos levam adiante projetos que privilegiam o combate aos problemas sociais: Cuba e Venezuela.

A má vontade e os preconceitos acabam impedindo a imprensa nacional de fazer um bom trabalho jornalístico e expor aos leitores brasileiros as qualidades e contradições existentes nesses países. O resultado dessa cobertura enviesada é reproduzir e reforçar os rótulos, atuando no sentido contrário do desejável esclarecimento jornalístico acerca das realidades de Cuba e Venezuela. Felizmente, há a Internet para nos informarmos.

Na Venezuela, a escolha de Henrique Capriles Radonski para candidato da oposição nas eleições presidenciais de outubro deste ano levou a uma série de equívocos de informação que só se explicam pela ânsia em macular a figura do presidente Hugo Chávez.

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O maior equívoco é a correlação, em nada desinteressada, entre Capriles e o ex-presidente Lula. A associação foi feita após Capriles alterar sua estratégia de ação, colocando-se como um candidato que não faz críticas diretas a Chávez, que goza de alta popularidade. A estratégia foi identificada como semelhante à adotada por Lula em 2002, ainda que a candidatura Lula tenha sido apresentada claramente como de oposição.

Ora, a abordagem escolhida só desinforma e impede saber quem é Capriles. Candidato de centro-direita, pertencente a duas tradicionais famílias de empresários proprietárias de redes de comunicação e de cinemas na Venezuela, Capriles é filiado ao centro-direitista Primeiro Justiça, um dos 20 partidos que integram a coligação oposicionista que vai disputar as eleições, chamada de MUD (Mesa de Unidade Democrática). Portanto, afirmar que há proximidade de ação ou de ideias entre Capriles e Lula é vender gato por lebre, além de contradizer toda a cobertura realizada até hoje, que sempre ressaltou a proximidade entre Chávez e Lula.

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Da mesma forma, o sistema de representação na Venezuela é sempre posto sob suspeita, bem como a democracia no país. Mesmo possuindo um dos sistemas de votação mais avançados do mundo, com recursos de conferência de votos que nem o Brasil possui, a mídia brasileira prefere dizer que não há democracia no governo Chávez. Só não explica como é possível a participação de quase 3 milhões de eleitores nas prévias que escolheram Capriles se não há democracia no país.

O mesmo processo de mitificação —e demonização— é aplicado a Cuba. O país é sempre cobrado pelo tratamento dado a presos políticos, mas não se cobra a maior potência do mundo, os EUA, pelo bloqueio econômico que completou 50 anos e impõe, desde fevereiro de 1962, grandes dificuldades à população cubana. A data é um marco importante, porém não se viu a publicação de reportagens especiais que dessem conta da complexidade de questões que envolvem a ilha.

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A exceção é a série especial publicada pelo site Opera Mundi (http://operamundi.uol.com.br/reportagens.shtml), que denuncia os 50 anos de bloqueio econômico dos EUA, abordando inúmeros aspectos fundamentais da vida em Cuba à luz das reformas e ajustes que vêm sendo implantadas no país. As matérias dão um panorama detalhado da história da Ilha e do contexto em que se encontra.

O conteúdo é vasto e instigante. Não ignora o baque para Cuba do bloqueio econômico —diversas vezes condenado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas— e vislumbra os impactos das reformas econômicas que começaram a ser adotadas há dois anos. Ficamos sabendo, por exemplo, que as sanções aos bancos que operavam com Cuba atingiu, inclusive, uma transferência de recursos do Fundo Mundial de Luta contra a AIDS, a Tuberculose e a Malária, revelando o grau de perversidade da política externa dos EUA em relação ao país.

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Em uma série de reportagens feitas in locu, conhece-se o drama, a luta e a opressão a que os cubanos foram submetidos, sem esquecer das indagações de uma nova geração de cubanos e das discussões de uma sociedade que se reinventa em meio a tantas dificuldades internas e externas.

Uma das inovações em Cuba é a abertura de pequenos negócios, tidos como passo importante no processo de atualização do modelo econômico. A expectativa é que absorvam parte da massa de trabalhadores que será dispensada de suas funções públicas —entre 500 mil e 1 milhão de cubanos podem ser demitidos de cargos no Estado por conta desse processo de mudanças na economia.

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O desafio é criar empregos para centenas de milhares formados e apoiar micro negócios para evitar migração da juventude, a exemplo do que aconteceu com México e países da América Central e, no passado, em vários países da América do Sul. Não é tarefa simples fazer uma transição que abra a economia cubana sem atingir os empregos e afetar os sistemas de Educação e Saúde, referências mundiais. Outras transformações previstas são o pagamento de imposto sobre a renda e a contribuição para a previdência.

Chama a atenção uma frase de Ricardo Alarcón, presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular (Parlamento cubano) e alto dirigente do Partido Comunista, sobre todo o processo pelo qual a ilha passa: “Precisamos entender qual o socialismo possível, capaz de trazer desenvolvimento e prosperidade para as novas gerações. Não temos medo de criticar nossos próprios erros, pois não há outra forma de construir um projeto histórico de nação”.

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Enquanto nossa imprensa fizer, de antemão, a escolha por reproduzir sensos comuns ao invés de produzir novos olhares sobre realidades singulares como as da Venezuela e de Cuba, problematizando-as, perdem a chance de contribuir para melhor compreendermos o que se passa nesses países, prejudicando uma compreensão mais ampla do cenário da América Latina.

O processo histórico de transformações é inexorável. Entender isso é dar um passo decisivo para qualificar o debate que travamos no Brasil sobre nossa política externa. Os meios de comunicação têm papel preponderante, mas até quando vão se furtar a cumpri-lo?

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José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

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