Modus in rebus

Apesar de grosseiro e desrespeitoso com o Brasil, o pito oficial de Jerôme Valcke foi bem dado. É importante, porém, que não se fique nisso



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O Secretário-Geral da Fifa, Jerôme Valcke foi, de fato, grosseiro e desrespeitoso com o Brasil. Mereceu a reprimenda que levou do governo e, percebendo o quanto avançara o sinal, teve de escrever imediato pedido de desculpas. Agiu como se fôssemos colônia da França. Ou como se, por qualquer destinação divina, se sentisse superior a nós.

Foi inábil e pouco inteligente. Revelou-se abaixo do cargo que ocupa. Imagino como ele possa tratar as pessoas que lhe devem obediência hierárquica. Suponho que à base do grito e do assédio moral.

Ressalto, porém, que a estupidez de Valcke não diminui a verdade que temos à frente: o Brasil está absurdamente atrasado nas obras e providências necessárias a viabilizar o êxito do evento de 2014. Estamos praticamente às vésperas da Copa e não vejo os grandes planos saírem do papel.

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Até agora fizemos pouco ou quase nada. Onde estão os transportes de massa modernos de que carece a maioria das cidades que sediarão jogos e hospedarão equipes? Estádios? Campos de treinos? Portos? Aeroportos? Hotéis? Milhares e milhares de pessoas que precisarão estar falando inglês fluentemente? Segurança pública efetiva, capaz de garantir a integridade de nacionais e estrangeiros? Esquema rigoroso antiterror? Afinal, soa ingênuo o governo supor que um acontecimento desse porte não seja chamariz para a ação de radicais como a base da Al Qaeda no vizinho Paraguai.

O pito oficial foi bem dado. É importante, porém, que não se fique nisso. Ou vira válvula de escape à moda de Galtieri e Cristina Kirchner, na cansativa e impossível “disputa” com a Inglaterra pelas Malvinas, sempre que precisam esconder alguma barbaridade interna. Ou vira arroubo de subdesenvolvido, estilo “mais uma vez a Europa se curva diante do Brasil”, reafirmando um provincianismo que não cabe mais num país relevante como o nosso.

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E se Jerôme Valcke fosse um homem educado e tivesse apenas declarado: “os senhores estão, lamento haver constatado isso, perigosamente atrasados nos preparativos para a Copa do Mundo que se avizinha”? Como ficaria o governo brasileiro, que já teve de demitir um Ministro dos Esportes sob pesadas acusações de corrupção, sem um bode expiatório que lhe garantisse algum fôlego político?

Por algum tempo, a “honra” nacional foi salva e a ”Europa mais uma vez se curvou diante do Brasil”. Agora as obras e as providências precisam sair, virar realidade, sob pena de passarmos vexame internacional inenarrável.

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Queríamos sediar a Copa por mil razões legítimas: aproveitar o ensejo para melhorar a frágil infraestrutura brasileira; divulgar nossas belezas e nosso potencial turístico para bilhões de telespectadores; ensinar uma segunda língua a centenas de milhares de trabalhadores, dos taxis aos bares, da hotelaria ao comercio.

Lutamos e conquistamos a oportunidade. Para quê? Para desperdiçá-la? Para exibirmos incompetência para o mundo? Para darmos razão ao grosseirão Jerôme Valcke? Ou para manchar o evento com fraudes em licitações, “justificadas” pela pressa em dar conta do recado?

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Quase nada fizemos. Precisamos recuperar o tempo perdido, sem fazer concessões a superfaturamentos, a propinas, à corrupção.

Arthur Virgílio é diplomata e foi líder do PSDB no Senado

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