Lenio Streck defende CPI da Lava Jato após novos diálogos entre procuradores

Jurista diz ser necessário "passar a limpo" a força-tarefa "que envenenou a democracia"

Lenio Streck, Sergio Moro e Deltan Dallagnol
Lenio Streck, Sergio Moro e Deltan Dallagnol (Foto: Reprodução/Youtube | Waldemir Barreto/Agência Senado | Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)


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Por Lenio Luiz Streck, Conjur -  A manchete da ConJur é lapidar e funciona como um enunciado performativo: Em diálogos, procuradores falaram em "ferrar Tacla Duran" e "fechar" Odebrecht.

A notícia mostra o nível da coisa. O é da coisa e a coisa do é. Quando o dono da ação penal e o fiscal da democracia toma "um lado" e se torna perseguidor parcial e comprometido (até o pescoço), é porque alguma coisa deu errado lá na cabeceira do rio. Por isso chove tanto hoje. Por isso a enchente. E, atenção: o que estou dizendo é fato. E fatos existem, para além das narrativas negacionistas.

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E não adianta dizer — "- ah, isso não vale, etc., os diálogos são frutos de vazamento". O STJ acabou de liberar todas as mensagens da operação spoofing. Ademais, qualquer prova ilícita sempre pode ser usada para qualquer acusado provar a inocência.

A vaza jato trouxe o The Dark Side of The Justice brasileira. O lado obscuro da justiça. A cada dia em que se puxa uma pena sai uma galinha. Ou um marreco.

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Agora várias reportagens da imprensa mostram que há um buraco de quase R$ 3 bilhões nas contas da 13ª Vara. O corregedor nacional do CNJ foi de mala e cuia para Curitiba. Vai também a ministra Rosa Weber. O que está acontecendo por lá? De todo modo, há farta matéria (por exemplo, ver aqui notícia feita pelo repórter Marcelo Auler). Ver também o caso dos 7 HDs destruídos pela Lava Jato, para ocultar manipulação, de Luis Nassif. Também não pode ser desprezada a seguinte noticia do Blog Esmael Morais: Correição do CNJ desafiada com o sumiço de R$ 2,8 bilhões da Lava Jato. Pode até ser simples o problema. Mas pode não ser...!

>>> Na Lava Jato, R$ 2,9 bilhões sumiram

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Tenho cansativamente pregado que o Ministério Público, uma vez que possui as garantias da magistratura, tem de ser isento. Imparcial. Quantos textos já escrevi sobre isso? Mas, poucos ouvem. Se o MP não for imparcial, não necessita ter as garantias. Se atua como assistente da acusação ou como advogado privado, por que manter as garantias? Conheço um processo em que o MP se transformou em assistente do assistente de acusação. Outro dia contarei aqui.

Há um diálogo — agora revelado — em que Deltan confirma que os pareceres da PGR passavam pela revisão da força tarefa da "lava jato". A Procuradoria-Geral da República se submetia ao Dallagnol? Sim, parece ser isso. Tem de ver também o que os procuradores diziam do STF. E outras quejandices.

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E o que acham de um recado de um procurador dizendo aos demais que, estando em sessão no TRF-4, um desembargador lhe disse que estava a disposição para visitas e que antes de fazer qualquer coisa, sempre ouviria a força tarefa... Pobre da advocacia. Que paridade de armas, não?

O parlamento também não se ajuda. Tramita já há três anos ou mais o projeto pelo qual se altera o CPP para incluir a obrigatoriedade de o MP investigar também a favor da defesa, colocando na mesa tudo que possui, sem nada esconder (ler aqui). Explico: é exatamente como ocorre com a Doutrina Brady, com o artigo 160 do CPP alemão e o Estatuto de Roma. Está lá o projeto. Estendido no chão. Aprovar o projeto já seria um bom começo. Mas tem de reformar amplamente. O sistema necessita de reforma.

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A operação lava jato quase causou o fim da democracia. Deltan já foi cassado. O conjunto da obra: um grupo de procuradores, aliado a um juiz parcial (isso é fato!), venderam ilusões com apoio de parcela considerável da mídia. A "lava jato" pariu o 8 de Janeiro. Os outsiders da política nunca apareceriam se não fosse a criminalização da política feita pelo lavajatismo.

Prendiam para que o réu delatasse. E forçavam acordos de leniência. Transformam o Estado de Direito em um Estado de Exceção. Ou, como disse Carol Proner, em um Estado de Extorsão. Aqui haveria um espaço enorme para uma CPI. Sim, proponho uma CPI da Lava Jato. Vamos passar a limpo esse crotalus terrificus (nome científico da cascavel) que envenenou a democracia.  Adendo: CPI, aqui, pode ser metafórico.

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Sobre o desvio de rota do Ministério Público, sugiro a leitura da matéria feita por Sérgio Rodas, aqui desta ConJur: ESQUELETOS NO ARMÁRIO — Apesar de abusos, "lava jato" ainda é dominante no MPF, diz cientista político.  Rodas entrevistou o autor do livro Caminhos da política no Ministério Público Federal — Rafael Rodrigo Viegas. Uma das partes do livro:

O modelo institucional do MPF permite que "procuradores políticos", orientando-se por suas estratégias políticas de carreira e lideranças corporativas, persigam objetivos não oficiais (não previstos nos estatutos jurídicos) em favor da defesa de interesses corporativos, inclusive contra o sistema político e agentes específicos.

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E muito mais coisas. O livro trata de aspectos que venho também trabalhando de há muito, mormente por conhecer o MP — nele atuei por quase três décadas.

Veja-se esta parte da entrevista de Viegas:

"Mas o que se observa é que a "lava jato" ainda é hegemônica no MPF. Tal fator ajuda a entender como Deltan Dallagnol e outros procuradores ligados a imoralidades e ilegalidades não foram punidos, com raríssimas exceções."

Trecho autoexplicativo!

Numa palavra final: quando assisto o delator Toni Garcia dizendo que estava a mando do MP e de Moro e com a ajuda da Abin cometendo ilegalidades, fico pensando: o que mais ainda vamos descobrir? O problema não é Toni; nem se trata de fulanizar. O problema é o que isso tudo simboliza (uso aqui o sentido de simbólico de Castoriadis, de A Instituição Imaginária da Sociedade). A que nível chegamos, hein?

Parece que chegamos a uma jus chinelagem. Basta ver a entrevista de Toni. Conta cada coisas de arrepiar.

Parece que o baixo clero chegou ao sistema de justiça. O fundão da classe. E fez o que fez. Se tudo isso não servir para nada, então fechemos tudo e atiremos a chave fora.

Acostumamo-nos a nos indignar no varejo — e somos bons nisto, principalmente em setores da comunidade jurídica — e nos omitimos no atacado. E, vejam: nem de perto chegamos a um atacarejo indignativo.

Eis o problema: precisamos de um atacarejo indignativo!

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