Julgamento do STF sobre terras indígenas é adiado

Tese do "marco temporal" foi descontruída pelo ministro Edson Fachin em nove argumentações. Caberá ao presidente da Suprema Corte, ministro Luiz Fux, recolocar o processo em pauta. Caso o STF opte pela tese, haverá uma legalização de um processo histórico de violação de direitos indígenas no país

(Foto: Tiago Miotto/Cimi)


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Claudia Correia - O julgamento do processo de repercussão geral relativo à demarcação das terras indígenas através da plataforma eletrônica do Supremo Tribunal Federal (STF) que iniciou à meia noite da sexta-feira (11) foi aberto com o voto do ministro Edson Fachin. Ele desconstruiu a tese do marco temporal em nove argumentações fundamentando-se no indigenato, portanto caracterizando os direitos indígenas como originários.

Mas, logo em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque para apreciar melhor todo o processo e, com isso, retira o julgamento da pauta. Agora dependerá dele para que haja a continuidade desse julgamento que está sem data definida.  Caberá ao presidente da Suprema Corte, ministro Luiz Fux, recolocar o processo em pauta.

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O que será julgado?

A participação dos interessados no processo de julgamento vai acontecer através da figura do amicus curiae que permite que pessoas, entidades ou órgãos com domínio sobre a matéria contribuam com informações que sirvam de subsídios para o tribunal. Mais de 50 amicus curiae foram admitidos e habilitados a contribuir no caso, dentre eles, muitas comunidades e organizações indígenas e a Associação de Juízes pela Democracia-AJD. Além disso, a própria comunidade Xokleng também é parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele.

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Em nome da AJD, Deborah Duprat fez a sustentação oral com argumentos jurídicos e antropológicos contra a tese do marco temporal  e destacou: “A Constituição traz um imperativo moral além do jurídico da demarcação dessas terras. Se trata de garantir direitos sim, territoriais, culturais de todas as espécies, mas, também fazer um luto com o passado colonial, certo acerto de contas com esse passado. Reconhecer que as territorialidades indígenas não são algo externo à sociedade nacional, elas a conformam, fazem parte da sociedade nacional”, declarou. 

Os ministros também vão analisar a decisão do ministro Edson Fachin, de maio de 2020, de suspender os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para alterar as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia de Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa decisão também deverá ser apreciada pelo tribunal. 

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O STF vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra os povos Xokleng, Guarani e Kaingang, em uma área pertencente à TI Ibirama-Laklanõ. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

Marco temporal: terras indígenas ameaçadas

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O marco temporal é uma tese jurídica defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras tradicionais. Ela restringe o direito aos territórios indígenas porque prevê que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. Caso não estivessem na terra, teriam que comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material na mesma data de 5 de outubro de 1988. 

Caso o STF opte pela tese do marco temporal, haverá uma legalização de um processo histórico de violação de direitos indígenas no país. Nesse caso, poderá ocorrer um série de outras decisões anulando demarcações, gerando o agravamento dos conflitos de terra. Esta medida poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho de terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na Amazônia; As disputas no campo por terra,  invasões de territórios e assassinatos em conflitos pela água cresceram no Brasil em 2020, segundo dados divulgados no novo relatório “Conflitos no Campo Brasil 2020” da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lançado dia 31 de maio. Os índices são ainda mais preocupantes quando analisados apenas os números referentes aos povos indígenas no Brasil que, nesse tipo de conflito, corresponde a mais de 56% das famílias afetada A CPT revela que a maioria das ocorrências que envolvem os povos indígenas se deu na Amazônia legal, inclusive em territórios já demarcados há anos. 

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Outra situação envolve os povos indígenas isolados ainda não confirmados pelo Estado, em fase de estudo em função da política de não contato ou os reconhecidos após 1988. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas terras de povos isolados não serão reconhecidas, ameaçando a sobrevivência deles.

Para o professor e antropólogo José Augusto Sampaio, dirigente da Associação Nacional de Ação Indigenista- Anai a tese do marco temporal não se sustenta porque a necessidade presente de terras ocupadas tradicionalmente para a garantia da reprodução físico-cultural está acima e além de qualquer verificação temporal remota, o que prevalece é a necessidade presente, contemporânea. “O parágrafo primeiro do artigo 231º da Constituição Federal tipifica e vai deixa muito clara a ideia de que terras tradicionalmente ocupadas são aquelas que os povos que existem hoje, cada um deles e não os do passado são as terras que eles hoje têm como terras necessárias à sua sobrevivência física e cultural segundo seus usos, costumes e tradições.  Portanto, o que se entende como um direito originário são as terras necessárias para a ocupação tradicional dos indígenas atualmente existentes. Então os indígenas atualmente existentes têm direito, pela Constituição, às terras necessárias à sua sobrevivência segundo seus usos, costumes e tradições. Esse direito é atemporal, embora ele deva ser tipificado no momento da demarcação, da identificação, do estudo, e lembrando que a Constituição estabeleceu um prazo de cinco anos para que isso fosse feito, devia ter terminado  em 1993. Não foi”, afirmou.

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O professor argumenta que mesmo que os indígenas não estivessem ocupando as terras em 1988, mas fica caracterizado que elas eram necessárias à sua reprodução físico-cultural, o direito deve ser reconhecido. Ele ressalta que muitas terras indígenas foram esbulhadas, mas os grupos continuam vivendo no presente conforme suas tradições, embora de modo não adequado, não legítimo, porque estão sendo vítima de esbulho.

Mobilização indígena continua

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Os povos indígenas têm se concentrado em Brasília e nos territórios em todo o país desde a semana passada, em apoio ao STF e contra a tese do “marco temporal”. Cerca de 70 lideranças indígenas continuam acampadas em Brasília realizando atos públicos e rituais. Elas esperam que o processo seja novamente incluído na pauta e o Supremo  reafirme os direitos constitucionais e rejeite a restrição ou reversão do que foi conquistado na Constituição Federal de 1988. A mobilização também contesta o Projeto de Lei (PL) 490, que pode ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a qualquer momento. Sustentada por parlamentares vinculados ao agronegócio a proposição inviabiliza a demarcação de terras indígenas e permite a exploração econômica predatória em terras demarcadas.

Os povos indígenas também acompanham, entre 11 e 18 de junho, o julgamento de medidas de segurança para os povos Yanomami (RR) e Munduruku (PA) e do pedido de um plano a retirada de garimpeiros e invasores destes e de outros cinco territórios, a ser efetivado pelo governo federal. Os pedidos foram feitos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras organizações, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/2020.

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