Cuidado, Brasília: mais um concurso "armado" para terceirizar nosso urbanismo
Por quê fazer um concurso para algo que é “dever de ofício“ de colegas urbanistas, de carreira, dos quadros do próprio Governo do Distrito Federal?
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Essa iniciativa do Governo do Distrito Federal em fazer um Concurso Público para a “correção“ (ou revitalização, como dizem, com certa incorreção) das Passarelas Subterrâneas sob o Eixo Rodoviário do Plano Piloto de Brasília deve ser examinada com cuidado, criticamente. O seu Edital, como anunciado, sai no final deste fevereiro de 2012.
Não se pode ter dúvida quanto à necessidade, sentida há décadas, por toda a existência desse Plano Piloto, de se fazer passarelas adequadas para a passagem subterrânea de pedestres. Não se trata mais de discutir se uma via expressa deve cruzar o núcleo inicial da Nova Capital do Brasil exatamente AO MEIO: uma “highway“ contemporânea das grandes vias de acesso a uma Nova York, uma São Francisco, uma Chicago, uma Detroit, entre outras grandes “cidades do automóvel“ norte-americanas, naquele impressionante episódio de crescimento urbano que revolucionou o planeta (nos anos 1950, em especial).
O Plano Piloto de Lucio Costa é uma prodigiosa seqüela do urbanismo do pós-guerra, ocorrido em primeiro lugar, de forma espetacular, nos Estados Unidos da America do Norte. Mas Lucio Costa não copiou: realizou síntese nova e original do melhor de seu tempo, com genialidade, numa mistura finíssima que contou com o “espírito“de marcantes lugares de cidades como... Londres (e seu gregaríssimo largo conhecido como Piccadilly Circus), como... Paris (e sua charmosíssima, igualmente gregária Avenue des Champs-Élysées), sem esquecer... a americana Nova York (e seu buliçoso largo conhecido como Times Square), todos explicitamente citados pelo urbanista Lucio Costa em seu Relatório do Plano Piloto de Brasília – com que venceu o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, em 1957.
A cidade “aérea e rodoviária“, elegantemente arqueada, realmente tinha uma “highway“ com espantosas SETE faixas de rolamento (em alguns pontos são NOVE devido às faixas adicionais de desaceleração e separação de tráfego), dividindo a cidade em duas partes perigosamente inacessíveis, pelo solo, para os pedestres.
A “solução“ dada pelas passagens subterrâneas refletia a prioridade dos sem-automóveis, naquele mundo urbano em que Brasília foi concebida: elas resultaram mínimas, estreitas, escuras, com péssima acessibilidade – num tempo que portadores de deficiências locomotoras eram “ALEIJADOS“ e deveriam ficar seguros em casa, imobilizados, invisíveis. As passagens dos pedestres nasceram precárias, desprezíveis, na cidade do Automóvel, desde sua fundação.
Tudo isso é dito para afirmar: uma reforma radical, “prá valer“, séria mesmo,DEVERIA, DEVE, DEVERÁ ser feita nessas indignas, inseguras, fétidas passagens subterrâneas destinadas à cidadania pedestre.
Essas passagens devem ser alargadas, devem permitir atividades comerciais e de serviços que as animem, que as vigiem, que as mantenham, que as sustentem (como ocorre na Galeria dos Estados, um exemplo de via de pedestres que merece atenção por seu relativo acerto – pois sua acessibilidade física é muito ruim, na atualidade).
ESSE CONCURSO É UMA FARSA E UMA DESMORALIZAÇÃO PARA OS URBANISTAS
Mas, pergunta-se:POR QUÊ fazer um Concurso para algo que é “dever de ofício“ de colegas urbanistas, de carreira, dos quadros do próprio Governo do Distrito Federal?
Brasília tem urbanistas, capazes, concursados, APTOS e PAGOS para fazer o melhor urbanismo que nossa capital demanda, em sua manutenção! Por que PRETERIR os urbanistas públicos, oficiais, concursados, capazes, de operar toda a manutenção, todas as correções de rumos, todas os aprimoramentos de Brasília, com CONTINUIDADE, com AUTORIDADE???
Não se trata de problema excepcional, ao contrário! O “problema“ das passagens subterrâneas, do ponto de vista da técnica urbanística é BANAL. Faz-se concursos para PROBLEMAS EXCEPCIONAIS!!! Que Concurso é esse? Não faz o menor sentido!
Não tenho, de forma alguma, “procuração“ para defender quem não quer ser defendido, mas faço aqui uma reflexão que associa direitos de cidadania e o vigor da prática da profissão de URBANISTA. Faço a defesa de minha CIDADE, que deve ter seu serviço público FORTALECIDO, e não ENFRAQUECIDO. Vamos debater isso?
Essa equipe de urbanistas públicos não pode ser afastada de sua tarefa “de ofício“, de sua prerrogativa na máquina do Poder Executivo Distrital, a meu ver. Se cada tarefa de urbanismo for “terceirizada“ através de Concursos, teremos um sério problema para a própria profissão do urbanismo: teremos URBANISTAS QUE NÃO PROJETAM, que não planejam, APENAS CONTRATAM OUTROS URBANISTAS “PRIVADOS“, a preço de ouro, para fazer o trabalho que deveriam fazer.
O exercício de sua precípua responsabilidadeos tornaria sempre atualizados, sempre capazes e aguçados, competentes e empoderados - e “fiéis depositários“ do conhecimento público exigido para a gestão urbana de Brasília.É por isso que temos servidores públicos concursados, numa sociedade organizada: para fazerem as tarefas de interesse público, a partir das instâncias públicas? Querem que eu DESENHE isso para ser melhor compreendido?
Todos nós perdemos com essa situação, de um serviço público tornado subsidiário na movimentação de lobbyistas espertalhões, que “tomaram conta do governo“. E situações assim estão a ocorrer na Saúde, na Educação, na Segurança Pública, em campos de serviços público para os quais o GDF recebe recursos BILIONÁRIOS. A terceirização caracteriza DESVIO, CORRUPÇÃO, enfraquecimento e banalização do Serviço Público – paulatinamente prostituído pelos aventureiros bem-sucedidos na sua sórdida rotina.
Conclamo os meus colegas urbanistas a se rebelarem contra esse Concurso das Passarelas Subterrâneas. Não aceitem que “políticos“ espertalhões façam um concurso para uma tarefa que temos, urbanistas, todo o preparo, competência e capacidade técnia para realizar – pior, tarefa para a qual somosdignamente PAGOS para fazer.
Escandalosamente, a “terceirização“ do urbanismo de Brasília é uma triste realidade ao longo de todo esse período de Autonomia Política (desde 1990): ESCRITÓRIOS PRIVADOS DE URBANISMO têm assumido tarefas típicas das carreiras de Estado dos urbanistas do Governo do Distrito Federal.
Escritórios privados que ganham rios de dinheiro com os projetos “oficiais“ de assentamentos e bairros como o Setor Sudoeste, o Setor Noroeste, Águas Claras, Samambaia, Mangueiral, entre DEZENAS de projetos e obras que deveriam ter a marca de qualidade dos urbanistas de carreira, urbanistas de Brasília. E ainda, os privatizadores, ficam como “senhores eternos“ desses projetos, pelo uso ABUSIVO da cláusula de “Notório Saber“ permitida pela Lei de Licitações. Os projetos públicos são SEUS projetos. É, sobretudo, um círculo milionário, protegido por lobbystas instalados no próprio Governo: isso é a essência de Pandora.
Se vivo fosse, Lucio Costa, com certeza, seria um desses urbanistas do corpo de oficiais do Governo do Distrito Federal – e não um desses “vivaldinos“ que atuam na TERCEIRIZAÇÃO DOS PROJETOS URBANOS DO DISTRITO FEDERAL.
Pior, como professor de uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, me sinto envergonhado perante meus alunos, pois participo de sua formação como urbanistas – E, PARA QUÊ?Para quê formamos urbanistas?
Em todo o mundo, o urbanismo é uma “carreira de Estado“, e as grandes cidades se orgulham de seus quadros de urbanistas, incansáveis na infinidade de obras de aprimoramento das grandes cidades (como é o caso de centenas de cidades européias repletas de obras de arte pública, de espaços públicos que são obras de arte). Nossa tarefa é PÚBLICA. Querem nos transformar em “gestores de contratos terceirizados“. Para isso não precisamos, cidadãos, de urbanistas dignos do nome. Basta um cabo eleitoral para a tarefa.
O que deve fazer uma escola pública de arquitetura diante dessa conduta escandalosa de “TERCEIRIZAÇÃO DO URBANISMO“ de nossa cidade? Devemos preparar os futuros urbanistas para serem SERVIÇAIS dos grandes escritórios privados que MONOPOLIZAM aquilo que deveria ser de domínio da instância pública, governamental, de urbanismo?Vamos contemplar a emasculação do urbanismo da cidade símbolo da inteligência dos urbanistas?
Devemos nos perguntar: em torno de que grupo está a ocorrer esse “ponto de mutação“, do público para o privado, no Distrito Federal? Por que até mesmo o nosso urbanismo público mostra-se INERME, FALIDO, terceirizado, com tanta “facilidade“? Esse concurso deve ser denunciado como uma FARSA.
É o que defendo: Esses urbanistas públicos não devem ser afastados de suas tarefas, do exercício de sua profissão, ao contrário. Devem lutar por seu trabalho.
Brasília teve equipes de urbanistas “públicos“ que viabilizaram a Capital, desde a legendária equipe que auxiliou Lucio Costa nos anos 1950, e por todas as décadas de 1960, 1970 e 1980. É a Democracia de 1990 que, espantosamente, traz consigo essa impressionante corrupção da terceirização do urbanismo, do projeto urbano, da decisão de conceber, pesquisar, pensar a cidade.
Esse concurso é DESNECESSÁRIO – e pode ser totalmente deletério para a preservação da cidade.
Como ocorreu no “outro“ concurso de urbanismo para a Revitalização da Via W3, de 2002, em que o Governo do DF pretendia usar o seu virtual resultado para VERTICALIZAR a W3, para ACABAR com o padrão de residências nas 700 Sul, para “DESENGESSAR“ a W3 (expressão que significa „arrebentar de vez a integridade da concepção urbanística da Cidade Patrimônio da Humanidade“, a julgar pelos picaretas que a usam e abusam).
Quebraram a cara nesse Concurso da W3. A proposta vencedora se OPUNHA à verticalização, e propunha uma revitalização que nada tinha a ver com a especulação imobiliária, mas com a formação de um Corredor Cultural, que nunca se formou. E NUNCA se formará, pois os governantes do Distrito Federal, por todo esse período de Autonomia Política, são entusiastas do dinheiro fácil da especulação imobiliária e das construtoras – os “ocultos“ forjadores da Caixa de Pandora.
Com esses dirigentes, Brasília nunca será a Capital da Cultura, mas da Corrupção, se nada mudar.
O Concurso de Revitalização da W3 foi desmoralizado pelo próprio Governo do Distrio Federal, aturdido pelo resultado adverso a seus interesses: o Concurso visava criar uma verdadeira “Nossa Senhora de Copacabana“ na W3, criar uma Via W3 verticalizada, especulada, violentada. O Concurso da W3 exemplifica o comportamento leviano do GDF com relação a Brasília e a seus urbanistas.
O que impressiona é o fato de o Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Distrito Federal, ter feito parte desse jogo sujo: foi organizador do concurso da W3 e PARTICIPOU de sua desmoralização. Agora, novamente o IAB-DF é chamado a organizar um Concurso de Urbanismo, como se NADA tivesse acontecido, como se detivesse uma reputação de equilíbro e distanciamento com relação aos interesses do Governo do Distrito Federal. O IAB-DF está envolvido nesse jogo de interesses inconfessáveis.
Não faz mais sentido que o IAB organize esses concursos: o próprio Governo do DF deveria organizar, em instância interna, os concursos públicos nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, como faz com quaisquer outros procedimentos licitatórios. O IAB-DF não tem resistido às pressões, interesses e vantagens políticas dessa atual época de especuladores e aventureiros.
Esse concurso das “passagens subterrâneas“ ENFRAQUECE um grupo de servidores públicos que deveria ser FORTALECIDO através do exercício de suas funções. Urbanistas do setor público, lutem pelo pleno exercício de seu conhecimento! Não aceitem, urbanistas, mais essa manobra que desautoriza, desmobiliza, emascula o nosso serviço público de urbanismo.NÃO SE DOBREM: exijam a tarefa. Retomem o urbanismo de Brasília para a esfera pública, de onde nunca deveria ter saído.
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