A Unesco deve elaborar o PPCUB
A condição de "Patrimônio da Humanidade" é tratada como um fator de valorização imobiliária, de motivação para crimes contra o patrimônio
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Como se sabe, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) está em um tremendo esforço de elaboração desde 2008, pelo menos. Foi o governo de José Roberto Arruda quem deu os passos decisivos para que uma equipe nominalmente "independente" (foi escolhida uma equipe do Rio Grande do Sul, embora com uma liderança bem brasiliense, na excelente figura da experiente urbanista Brianne Panitz Bicca, que rompeu, aparentemente, seu contrato com o GDF no final de 2011) finalmente, depois de décadas de procrastinação, elaborasse o PPCUB.
Essencialmente, esse Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília deveria ter sido elaborado no Ano da Graça de 1987, quando esse privilegiado conjunto da Capital Federal obteve o status de "Patrimônio Cultural da Humanidade" ("Historical and Cultural Heritage of Humanity").
Paradoxalmente, como evidência de que Brasília é sabotada tanto por mocinhos quanto por bandidos, nesse mesmo ano Lucio Costa elabora o descosturadíssimo documento "Brasília Revisitada", algo que mais ocultou que revelou, algo que mais atrapalhou que esclareceu, uma desgraça de documento: na verdade, o muito idoso Lucio Costa deveria ter coordenado ou ter encomendado um plano de preservação, feito em bases sistemáticas.
O Brasília Revisitada, de 1987, documento da autoria de Lucio Costa, é tudo, menos sistemático e organizado. Não é um plano: é a mais impressionante forma de auto-sabotagem da história do urbanismo contemporâneo.
O FAMOSO DOCUMENTO "BRASÍLIA REVISITADA" OCUPOU O ESPAÇO DE UM VERDADEIRO PLANO DE PRESERVAÇÃO DE BRASÍLIA
Essa documento de Lucio Costa não somente era muito desorganizado, sem bons desenhos, sem o nível técnico e a precisão que sempre caracterizaram o grande urbanista: era um "cheque em branco" para a especulação imobiliária que passa a acontecer nos novos Setor Sudoeste e Noroeste, criados em um único parágrafo. A meu ver, esse documento resultou de assédio pessoal, moral, politico, sobre um alquebrado Lucio Costa, emocionado por revisitar a sua criação, naquele revolto Governo de José Aparecido (1986-1988).
Paralisados por sua venerável presença, quem deveria adverti-lo da imprudência de usar sua autoridade para lançar um monte de pequenas sugestões descosturadas, que alterariam gravemente seu próprio Plano Urbanístico, não o fez. Deixaram Lucio Costa fazer papel de bobo, ao mesmo tempo em que algo grandioso se erguia: o projeto de fazer Brasília Patrimônio da Humanidade, logo na sala ao lado, naquele mesmo fatídico ano de 1987.
Inquietos e Assertivos, realmente investidos daquela "dignidade e nobreza de intenção, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenação e o senso de conveniência e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejável caráter monumental", os excelentes membros daquele governo Aparecido arquitetaram esse projeto de tornar Brasília "Patrimônio da Humanidade" como forma de preservá-la da sanha imobiliária, que invadia cotidianamente o Palácio do Buriti já naquele memorável Governo.
Fizeram algo acertadíssimo, mas esqueceram de avisar a Lucio Costa. O homem detonou seu próprio Plano, bestamente.
A CONDIÇÃO DE "PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE" É TRATADA COMO UM FATOR DE VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA, DE MOTIVAÇÃO PARA CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Esse status é elevadíssimo, e somente os lugares mais especiais de todo o planeta, como as Pirâmides de Giza, o Santuário de Machu Picchu, a Acrópolis de Atenas, o sítio arqueológico de Pompéia, entre 936 tesouros naturais ou edificados, merecem essa extraordinária, civilizada distinção.
Essa condição de "Patrimônio da Humanidade" é uma distinção planetária, e nos coloca num patamar de visibilidade que deveria merecer séria reflexão. Não é uma distinção a ser saudada com o ufanismo fácil dos políticos "fast food", desses papagaios de pirata de homens e mulheres, brasileiras e brasileiros de enorme valor.
O problema é que são gênios como Lucio Costa e Oscar Niemeyer que criam essa jóia da cultura mundial, e são políticos como Roriz e Magela, Felippeli e Agnelo que "tomam conta dela". A retórica desses péssimos, patrimonialmente analfabetos gestores é marcadamente ufanista, lembrando o inesquecível Odorico Paraguassu, o personagem "Bem Amado" de Dias Gomes, em sua picaretagem de ufanismo por Brasília de forma solidamente associada à advocacia governamental pela ocupação privatizada de toda a área tombada. Toda.
O ufanismo deve ser substituído pela exigência crítica e criativa, pela capacidade de educar-nos patrimonialmente. O ufanismo alimenta a política de "Patrimônio e Circo", onde é feita a hipócrita louvação da UNESCO e da memória dos urbanistas e arquitetos criadores de Brasília, ao mesmo tempo em que se fazem verdadeiras sabotagens do Conjunto Urbanístico, como:
- a franca advocacia do GDF por um mega-condomínio de luxo na Quadra 901 Norte; esse mega-condomínio é apresentado como "Setor Hoteleiro", mas isso é tão verdadeiro quanto o Setor Noroeste é ecológico. Mentira deslavada;
- a advocacia do GDF por um Setor de Supermercados na Asa Norte (que foi quase totalmente construído, no que era o Setor de Terminais Norte, essencial para o sistema de transportes, sobretudo o Metrô... Metrô na Asa Norte? Nunca mais... ou a um preço que daria um novo aeroporto, e ficaria mais barato ir de avião para a Asa Norte); o GDF até hoje culpa "os estagiários" por esse imenso LIXO URBANO, que ainda vai se expandir mais;
- a advocacia do GDF pela consolidação de milhares de invasões de áreas públicas nos Setores de Comércio Local Sul e Norte, que detonaram as áreas verdes das Superquadras de forma criminosa: cada objeto construído e fixado nessas áreas verdes sem a autorização dos moradores é computado como uma invasão, e o número não para de crescer, é canceroso, não há controle;
- a advocacia do GDF por ciclovias da Disney, que não servirão para um verdadeiro papel cicloviário, mas para trazer conflitos, pois detonaram as calçadas e as áreas verdes das Superquadras; no caso da Asa Sul, a ciclovia que passa ao longo dos Setores de Comércio Local devem demonstrar que as dignas áreas verdes do plano de Lucio Costa não passam de canteirinhos gramados;
- a advocacia do GDF por criar, por acreção, setores habitacionais e de serviços sem o menor controle de projeto e de impacto urbano e ambiental, como ocorreu no Setor Sudoeste, cuja expansão ultrapassou em mais de 500% a delimitação insinuada por Lucio Costa, assim como no Setor Noroeste - que está a destruir todo o cerrado nativo... e já está em fase de irresponsável "expansão", devendo ocupar todo o quadrante Noroeste do Plano Piloto, de acordo com a vontade dos donos de Brasília, a cidade imobiliária, a Capital da Bolha;
- a advocacia do GDF por incrementar o famoso "Setor Orla", na península presidencial, um projeto imprudente, e cada vez mais fora de controle: não há verdadeiramente um projeto urbano para esse "Projeto Orla" mas há versões que se sucedem a cada negociação entre o governo e os empresários, criativamente; em especial, a segurança da Residência Presidencial (Palácio da Alvorada) já foi rifada desde o Blue Tree Park Hotel, cujas janelas se abrem para a senhorial residência, a um tiro de rifle vagabundo de distância.
A UNESCO DEVERIA ELABORAR ESSE PLANO DE PRESERVAÇÃO
Essa é uma ousada proposição, que somente é feita devido ao risco de total comprometimento do Conjunto Urbanismo de Brasília, devido às desastrosas ações do Governo do Distrito Federal. Somente a UNESCO teria suficiente independência, capacidade técnica, força moral para empreender essa tarefa, de forma íntegra. Na hipótese a seguir, teríamos a própria Superintendência de Brasília, do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderia coordenar esse PPCUB. O IPHAN deveria fazer o trabalho limpo que deve ser feito.
Mas deveríamos ter nomes realmente consistentes, tecnicamente capazes, intelectualmente habilitados, historicamente engajados na defesa do Conjunto Urbanístico de Brasília, à frente do "nosso IPHAN". Não vejo isso. A preservação de Brasília está entregue à ADEMI, ao SINDUSCON, ao CRECI, entre outros. Esses atores, sim, mostram saber o que fazer diante de governos venais, com interesses que comprometem esse Patrimônio.
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