STF impõe derrota a Bolsonaro e derruba blindagem de atos contra ciência na pandemia
Ministros firmaram maioria de que devem ser incluídos no conceito de erro grosseiro, presente da MP de Bolsonaro, medidas que não observem normas e critérios técnicos estabelecidos por autoridades sanitárias e organização de saúde do Brasil e do mundo, passíveis de punição
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Fernanda Valente, Conjur - Será considerado erro grosseiro de agente públicos atos administrativos que violem o direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente por descumprimento de normas e critérios científicos e técnicos.
O entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal ao manter a vigência da Medida Provisória 966, que restringiu a responsabilização dos agentes públicos a hipóteses de dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados ao combate da epidemia da Covid-19.
O julgamento aconteceu nesta quinta-feira (21/5), e a maioria dos ministros seguiu o relator, ministro Luís Roberto Barroso. Em seu voto, o ministro afirmou que não há inconstitucionalidade formal na MP, mas propôs a delimitação para melhoria do texto presidencial e definiu o que configura erro grosseiro.
Ele foi acompanhado pelos ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Todos concordaram que a definição de erro grosseiro precisava de balizas.
Seguiram Barroso para definir que "autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente de normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades, internacional e nacionalmente reconhecidas".
Pode e não pode
Em seu voto, Fux foi incisivo ao afirmar que o erro grosseiro é o "negacionismo científico" e afirmou que a MP não é "uma válvula de escape para gestores mal intencionados e também não abrange corrupção, lavagem e nem atos de improbidade administrativa".
Já o ministro Ricardo Lewandowski demonstrou preocupação com a não definição de prazo de vigência das medidas, mas ponderou que o STF correria risco de legislar no tema. De toda forma, sugeriu, como obiter dictum, a referência do Decreto 6 do Congresso, que prevê os efeitos do estado de calamidade pública até 31 de dezembro deste ano.
Gilmar Mendes não foi comedido em suas críticas a atitudes do Governo Federal. Em longo voto, ressaltou a importância de decisões de gestores públicos por se guiarem em critérios técnicos. "Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não é disso que se cuida! O relator deixou isso de maneira evidente, é preciso que haja responsabilidade técnica!"
Em outro momento, afirmou que a "Constituição Federal não autoriza ao presidente da República a política genocida na gestão da saúde".
De acordo com o ministro, a gestão pública enfrenta um desafio enorme frente à pandemia, em que é necessário discutir se a extensão em flexibilizar o regime jurídico de responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos seria razoável. "A rigor a norma impugnada não inibe, tampouco atenua, a responsabilidade subjetiva dos agentes, mas apenas qualifica a modalidade culposa", afirmou.
Outras duas linhas de entendimento se formaram com os votos do ministro Alexandre de Moraes, que dava interpretação ainda mais abrangente e foi acompanhado por Cármen Lúcia, e do ministro Marco Aurélio, que divergiu totalmente.
Excludente de ilicitude civil
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator na interpretação conforme à Constituição, mas sugeriu alterações. Ele propôs a exclusão da palavra "somente" e a suspensão integral do inciso II do seguinte dispositivo:
"Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:
I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19".
O ministro afirmou que esse trecho além de muito abrangente, poderia instituir "um verdadeiro excludente de ilicitude". Segundo Moraes, havia necessidade de afastar a possibilidade de aplicação da medida provisória aos atos de improbidade administrativa, porque a Constituição já estabelece punição mais severa a chamada ilegalidade qualificada. "A matéria está disciplinada em lei específica", explicou.
Acompanhando o voto de Moraes, Cármen Lúcia se debruçou sobre as definições de responsabilização objetiva e subjetiva e afirmou "não há espaço para irresponsabilização no Estado brasileiro.
Reescrevendo norma
A divergência do ministro Marco Aurélio foi também uma crítica a atuação da corte de modo geral neste julgamento. Para o ministro, que prega a autocontenção, o Supremo reescreveu a medida provisória.
"O Supremo acaba de assumir a postura de consultor do Congresso ou acaba, se acolhido o que veiculou, por substituir-se ao presidente da República na edição de MP.”
A regra, disse o ministro, é evitar a judicialização de MPs, exceto quando se tratar de casos excepcionais. No período da epidemia do coronavírus, no entanto, a pauta do Supremo foi tomada por questionamentos às normas do Executivo. Marco Aurélio votou pela inadequação das ADIs até crivo do Congresso, de forma que deferiu a liminar para suspender a MP 966.
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