Questão pessoal com Fernando Henrique

No dia dos seus 80 anos, em lugar de abrir divergências, o que preciso dizer é: muito obrigado, presidente!



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Na política e, atrevendo-me, na administração do Estado, eu com certeza tenho muito mais censuras do que aprovações ao trabalho do professor Fernando Henrique Cardoso. Neste seu aniversário de 80 anos, porém, o que me ocorre como mais importante a registrar não está na extensão da minha longa lista de divergências com isso e aquilo que ele fez nos seus oito anos de mandato. Um mandato que acompanhei de perto, em Brasília, como chefe da sucursal da revista IstoéDinheiro, no dia a dia. Também estive com ele, na reportagem, durante sua primeira eleição, na segunda e no pós-poder. Por obrigação pessoal e profissional, o que considero mais importante dizer e divulgar hoje é o meu ‘muito obrigado, presidente’! Com exclamação e tudo.

Por que? Porque todas as vezes que eu pedi, e sem grandes demoras, todas essas vezes ele me recebeu em pessoa, frente a frente, para ser entrevistado. No Palácio do Planalto, em pleno exercício da Presidência; em Bruxelas, quando mal completara seis meses de governo e me deu a primeira entrevista em “on” de seu primeiro mandato; em Paris, anos depois, por coincidência seis meses após ter deixado o poder – e de novo fazendo de mim o primeiro jornalista a ouvi-lo na condição de ‘ex’; e, mais recentemente, algumas boas vezes no centrão de São Paulo, nas elegantes instalações do Instituto FHC. Ele nunca me disse ‘não’, nunca fugiu, driblou, enganou. Acreditem, esse comportamento é raro na política brasileira.

Para um repórter, esse acesso franqueado por um político do tamanho dele – dentro e fora do poder – é meio que tudo na vida. Significa a diferença entre ter e não ter garrafas vazias para vender. É saber das coisas, ter notícia para o dia e para a história.

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E Fernando Henrique não apenas sempre me recebeu, como em todas as vezes – mesmo em Bruxelas, quando ele havia acabado de acordar e foi surpreendido pela super assessora Ana Tavares, que me colocou dentro da suíte dele sem prévio aviso – estava de bom humor. Dando respostas completas, enfrentando os temas, expondo seu ponto de vista, topando, inclusive, fazer as fotos que eu pedia quando me fazia acompanhar por fotógrafo.

De todas as vezes, a entrevista em Paris, seis meses após ele ter deixado o governo, foi a mais bacana de todas. Assim que desci na cidade, que eu não conhecia, em junho de 2003, liguei para o fotógrafo Antônio Ribeiro. Expliquei minha missão de ser o primeiro a ouvir FHC na condição de ex, saber o que ele estava achando do início do governo Lula, suas opiniões sobre a sua Paris etecétera e tal.

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- Mas você marcou com ele?

Eu respondi que não. E o Antônio Ribeiro, na boa, deu risada do outro lado da linha.

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- Muitos já tentaram, meu caro, e ninguém conseguiu.

Eu não me abalei, ao contrário, entendi que, se conseguisse, seria mesmo um furo:

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- Quando ele me ver, ele vai me atender, rebati, combinando de ligar para ele (Ribeiro) quando, nos cinco dias que eu tinha pela frente, antes de voltar ao Brasil, a entrevista estivesse agendada. Estávamos numa quinta à noite.

Eu sabia, apenas, que FHC estava morando num apartamento na famosa avenida Foch, na residência parisiense de seu amigo Jovelino Mineiro. No dia seguinte (eu chegara à noite), e naquele frio, dane-se, eu fui para lá. Horas sentado. E nada. Mais tarde soube que eu dera uma campana no lado errado da larga avenida, oposto ao endereço de FHC...

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Não dava para desistir, com o chefe Carlos Marques esperando que eu conseguisse (deixei o Brasil para ir a Cannes, acompanhar uma feira de tecnologia. A esticadinha a Paris tinha o exclusivo sentido de ouvir o ex-presidente pela primeira vez nesta condição). Vi que pelo lado do voluntarismo eu não conseguiria nada. Resolvi, claro, ligar para a embaixada brasileira. A um diplomata que não me lembro, infelizmente, o nome, contei minha história de estar atrás do ex-presidente. Ele disse, muito polido, que não poderia ajudar. No finzinho da ligação, porém, mandou aquele sempre bem-vindo ‘jura que não conta pra ninguém’ e me falou que, no dia seguinte, um sábado, o ex-presidente seria recebido em almoço na casa do embaixador. Me deu o endereço e eu fui para lá. Quando cheguei, o evento já começara, a porta, alta, pesada, dupla, estava cerrada. Eu só podia esperar – e não acintosamente, de plantão bem na cara do gol, mas andando por ali, para não ser barrado por algum segurança, aquelas coisas.

Foram umas seis horas nessa espera. O almoço acabou depois das cinco da tarde. Eu ouvia, da calçada, gélido, o barulho dos talheres no primeiro andar do sobradão, as risadas, podia quase ver a alegria dos comensais. Deu para perceber quando tudo estava chegando ao fim. Fiquei por perto da grande porta e eis que, sorrindo, aparece FHC para entrar, pela porta traseira, no carro com motor ligado e motorista a postos.

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- Olá, presidente!

- Você por aqui?, espantou-se Fernando Henrique.

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- Pois é, vim lhe ver.

- Mas eu demorei demais hoje.

- Para falar com o sr., qualquer espera vale a pena.

- O que você quer?

- Uma entrevista.

- Pois não, mande um fax para o meu escritório e marcamos.

- Tem de ser logo, porque volto para o Brasil já já.

- Ok, a gente marca.

Na terça-feira seguinte, eu, Antônio Ribeiro e Fernando Henrique estávamos caminhando por Saint Honoré, com ele respondendo a tudo o que eu perguntava e atendendo a todos os pedidos de fotos do grande profissional. Ganhei, é claro, a capa da revista que circulou no sábado seguinte, e consolidei a certeza de que, sim, Fernando Henrique é mesmo um cara legal. Comigo sempre foi. Parabéns pelos 80 anos, presidente, e, de novo, muito obrigado pela atenção de sempre.

 

 

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