O teatro do poder
O que é representação e o que é real? No caso da reforma política, há muito mais encenação do que desejo de mudança
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Hunther Thompson foi um dos mais importantes jornalistas do século passado. Expressão do “novo jornalismo”, extremamente crítico, considerava inadmissível que um repórter pudesse viver em Washington e não ridicularizar, o tempo todo, o que via acontecer na capital dos Estados Unidos.
Estou em Brasília há 50 anos. Como brasiliense por adoção, vivo a cidade desde minha infância. Como repórter, editor, professor, assessor, consultor, participando de governos, vivo a capital federal desde 1970. E admito: é forte a vontade de ridicularizar, o tempo todo, muito do que acontece em Brasília. Não pela cidade em si, que é igual a todas as outras – a não ser pelo projeto urbanístico revolucionário nos anos 1950. Mas pela condição de capital federal, onde são tramadas e executadas, para o bem e para o mal, as grandes decisões nacionais.
Aqui somos espectadores, coadjuvantes ou protagonistas de peças de mau teatro. Representa-se em discursos, declarações, atitudes, gestos, posturas. Representa-se nos plenários, auditórios, gabinetes, salões, corredores, mansões e restaurantes do poder. E nós, jornalistas, espectadores metidos a vips, muitas vezes levamos a sério essas representações, em vez de ridicularizá-las. Aceitamos com facilidade, e até alegria, factoides e declaratoides montados para nos engabelar – e, por nosso intermédio, engabelar o público, passando a impressão de que é tudo muito sério.
Não que tudo o que aqui acontece possa ser ridicularizado. Longe disso. Generalizações são sempre perigosas e injustas. Embora muitos, em outras cidades e mesmo aqui, possam não acreditar, há bastante gente séria e honesta nos poderes, até mesmo no Congresso Nacional. Gente que também pode até fazer suas representações, por dever de ofício ou necessidade de sobrevivência. Mas que pensa nos brasileiros e no Brasil, e não em seus bolsos. Ou melhor, cofres.
O exercício do poder em Brasília, porém, vai além das representações. Abaixo e atrás dos palcos, há os bastidores. É lá, longe das vistas do público, que as coisas realmente acontecem na capital federal. Nos palcos, a representação. Nos bastidores, o mundo real. No qual age uma banda limpa, séria e honesta. E outra – bem grande - suja, bandida e corrupta.
Abaixo os suplentes
A reforma política é um bom exemplo do que acontece em Brasília. Quase ninguém, aqui, acredita que o Congresso aprovará uma reforma política, ou uma reforma eleitoral. Algumas medidas poderão ser aprovadas, mas longe de caracterizarem uma verdadeira reforma. A presidenta Dilma Rousseff lavou as mãos ao não assumir a iniciativa das mudanças político-eleitorais por temer desgaste político no Congresso, do qual tanto depende. E os interesses políticos, partidários, eleitorais, fisiológicos e patrimoniais dos deputados e senadores inviabilizam mudanças de peso na legislação da qual eles próprios, de modo geral, se beneficiam.
Se quisessem mesmo fazer uma reforma, os presidentes da Câmara e do Senado, Marco Maia e José Sarney, teriam constituído uma só comissão mista para discutir as propostas. Mas preferiram tratar do assunto separadamente, para que Senado e Câmara possam ter seus próprios palcos para representar diante do respeitável público. A do Senado quer decidir tudo até 8 de abril. O prazo da Câmara é de seis meses! As diferenças entre as duas casas chegaram ao ponto de deputados dizerem que senadores não podem decidir sobre o sistema eleitoral para a Câmara e senadores dizerem que deputados nada têm a ver com as suplências no Senado. Duas bobagens que demonstram a indigência e o espírito com a qual o assunto está sendo tratado. É óbvio que qualquer congressista, seja senador ou deputado, pode propor, discutir e votar questões referentes às duas casas, em se tratando de mudanças eleitorais e partidárias.
Ao apresentar algumas propostas, a maioria dos deputados e senadores está pensando em seus futuros políticos e no fortalecimento de seus partidos. Até porque não são suicidas políticos. Não estão pensando em aproximar eleitos e eleitores, melhorar a representatividade das casas legislativas, fortalecer institucionalmente os partidos políticos, combater a corrupção eleitoral, reduzir a inevitável influência do poder econômico, tornar o processo eleitoral mais transparente e mais democrático. Estão pensando, na verdade, neles mesmos.
Não fosse a pressão de entidades da sociedade e, especialmente, da imprensa, os parlamentares teriam arquivado a proposta da Lei da Ficha Limpa. Chegaram a tentar isso e recuaram. Se essa pressão não se repetir agora, vão arquivar qualquer proposta de “reforma” que represente, realmente, mudanças positivas para o país. Vão só acabar com os suplentes de senadores e mudar o dia da posse do presidente da República. E dizer que aí, sim, o país será outro.
Absurda e estúpida
Definição perfeita e sem meias palavras do cientista político Jairo Nicolau, em entrevista a Lucas de Abreu Maia, de O Estado de S. Paulo: o distritão é uma ideia absurda e estúpida.
O distritão é o sistema defendido pelo vice-presidente Michel Temer, com apoio de alguns políticos conservadores para reduzir o peso dos partidos nas eleições parlamentares e torná-los irrelevantes, além de favorecer o poder econômico e beneficiar o aglomerado que atende pelo nome de PMDB.
Pelo sistema, são eleitos deputados, em cada estado, os mais votados. Ou seja, nem proporcionalidade política, nem programas partidários, mas muito dinheiro para ser gasto nas campanhas. Ideal para o PMDB.
Boa ideia
Já o ex-deputado Arnaldo Madeira, do PSDB, deu uma boa ideia: se um senador quiser ser ministro ou secretário de Estado, que renuncie ao mandato, como Hillary Clinton fez nos Estados Unidos, para ser secretária de Estado. Está na coluna de Rosângela Bittar, no Valor Econômico.
Senadores são eleitos para representar seus estados e o Distrito Federal no Congresso e deveriam cumprir esse mandato. Isso resolveria em boa parte o problema dos suplentes, acabaria com as brigas de senadores por ministérios e, por tabela, melhoraria a vida de presidentes da República.
E já que o exemplo de Madeira vem dos Estados Unidos, por que não acompanhá-los no número de senadores? Lá são dois por estado, 100 senadores. Aqui são três por estado, 81. Com a redução, o Senado, em tese, economizaria 33% de seus volumosos gastos. Em tese, claro, pois reduzir gastos não é exatamente uma característica do Congresso, pelo contrário.
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