O pulo do gato, o rato e o PT
A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. E como. Agora transitam com intimidade entre a plutocracia tupiniquim
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O então vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva, esteve em Governador Valadares, no dia 12 de setembro de 2007, para participar da abertura da 10ª Mostra Empresarial do Leste Mineiro (Expoleste 2007), horas antes se reuniu com empresários na Associação Comercial e usou uma metáfora interessante para demonstrar que o fim justifica os meios.
Ao ser questionado sobre as condições das estradas e a redução da carga tributária, José Alencar citou o líder comunista chinês Deng Xiaoping: “Não importa o pulo do gato. O Importante é que ele pegue o rato”. Fora do contexto a declaração de José Alencar poderia até expor uma teoria que não condiz com as práticas republicanas e socialistas adotadas pelo governo do qual José Alencar foi peça fundamental. Pelo menos não deveria.
José Alencar foi, sem dúvida, um dos empresários mineiros mais bem sucedidos. No entanto, naquela ocasião, ele não ensinou aos seus colegas empresários o pulo do gato, apenas recomendou. O pulo do gato, literalmente falando, é coisa muito interessante. Um especialista em costumes de felinos, conta que o gato quando cai do telhado, faz sete movimentos corporais e preventivos até chegar ao chão. Quando toca o solo o faz tão suave como se tivesse um amortecedor de impactos nos pés. Ele protege a cabeça, gira o rabo, posiciona as patas, alinha o corpo e arqueia a coluna. Ao tocar o solo se solta por inteiro e rola somente uma vez, ainda protegendo a cabeça.
Também compreendo que o pulo do gato não se ensina. Apenas se recomenda. Quer seja com sete manobras, com mais ou com menos, ele tem que ser criado, não ensinado. Ele deve ter características próprias para uso próprio. É a sua marca, sua cara e o seu jeito de fazer. Quanto mais perfeito for, melhor será o resultado. Pode-se até ensinar que pular é preciso e proteger-se ainda mais. Mas a maneira de pular é individual.
Na fábula de Figueiredo Pimentel o gato ensina a onça a saltar com grande agilidade, mas na hora do desafio, o gato formou o salto e caiu sobre a pedra. A onça, mais que depressa, saltou também, com o propósito de agarrar o compadre e matá-lo. O gato, porém, saltou de lado e escapou para a surpresa e desapontamento da onça.
No dia 10 de fevereiro de 1980, em uma reunião histórica no Colégio Sion em São Paulo, mais de 1.200 pessoas de quase todos os estados brasileiros se uniram em prol de um ideal em comum: lutar por uma sociedade mais justa e democrática. Da união destas pessoas, representantes da igreja progressista, do movimento social, sindicalistas, estudantes e intelectuais de diferentes correntes ideológicas, nasceu o Partido dos Trabalhadores, que ao longo destes 31 anos se tornou um das maiores referências de esquerda do Brasil e do Mundo. O então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, um predestinado, já vislumbrava o pulo do gato, na iminente necessidade de pegar o rato.
No imaginário, uma forma de governo eficaz, capaz de promover justiça social, combater a corrupção, com o propósito de fazer as reformas necessárias, invertendo prioridades, melhorando a distribuição de renda e efetivando a reforma agrária.
É bem verdade que a democracia petista deixou-se impregnar pelo “vício” das reuniões, a “obsessão” pelo debate, em prejuízo da ação prática. Desconsiderou-se, dessa forma, o caráter profundamente autoritário da sociedade brasileira, na qual as classes subalternas sempre foram condenadas ao silêncio.
O método participativo do PT busca justamente romper com o elitismo de história política brasileira, assegurando o direito de expressão a todos os militantes no processo de reflexão coletiva. Isso pode ser o pulo do gato. Em 31 anos, o partido tornou-se uma das maiores forças sociais e políticas do país, desmentindo a suposta “inutilidade” da democracia interna.
O método participativo do PT está na base, no seu diferencial militante, no engajamento superior de seus filiados, reconhecido até mesmo pelos seus mais ferrenhos adversários. Da mesma forma, esses múltiplos espaços de reflexão têm sido fundamentais para o diálogo do partido com os diferentes segmentos da sociedade brasileira, diagnosticando os graves problemas do país e construindo soluções para eles. Esse conjunto de iniciativas talvez seja o pulo do gato.
Não resta dúvida que a maior contribuição que o PT deu para a democracia foi dar espaço de expressão para milhares de mulheres e homens, da cidade e do campo, reduzidos pela exploração econômica e a manipulação política à condição de subcidadãos.
Por meio do PT, trabalhadores, excluídos e discriminados passaram a agir na esfera pública, apropriando-se da política e intervindo em seu próprio nome, disputando o poder e as decisões do Estado. Talvez esse seja o pulo do gato.
O II Congresso do PT, em 1999, reafirmou os princípios do socialismo democrático e aprovou um programa de reformas econômicas e sociais radicais de aprofundamento da democracia e de defesa da soberania nacional. Sua aplicação supõe uma nova hegemonia e um bloco de forças sociais e políticas para substituir, no governo, as elites.
O XII Encontro Nacional do PT, em Recife, em dezembro de 2001, coroou uma iniciativa inédita da história política brasileira, no que diz respeito à participação e a intervenção dos filiados nas decisões de seu partido. O estatuto do PT, aprovado no encontro em Recife, definiu o Processo de Eleições Diretas (PED), que serve para eleger, pelo voto direto e secreto, a direção do partido em todos os níveis da estrutura partidária (nacional, estadual, municipal e zonal). Assim como os respectivos presidentes, conselhos fiscais e comissões de ética.
Acontecimento de igual importância foi a aprovação do documento “Concepção e diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil”, que, juntamente com a resolução política “Um outro Brasil é possível”, apontava as condições para, na disputa eleitoral de 2002, “Derrotar FHC e construir um governo democrático e popular”.
Nesse processo de construção o PT chegou ao poder. Foi uma impressionante vitória, referendada pela reeleição do presidente Lula em 2005 e a eleição da presidente Dilma em 2010. Mas na prática, o modelo de governo criado pelo PT apresenta um contraste entre o programa histórico do partido – e sua vocação rupturista - e o programa eleitoral que elegeu e reelegeu Lula e fez a sucessora Dilma presidente da República, resultado de um rebaixamento estratégico, político, programático e organizativo. O rebaixamento estratégico significou abrir mão do socialismo como ponto de chegada e considerou a eleição e reeleição do presidente da República como objetivo final.
O rebaixamento programático ignorou o programa histórico do Partido, reduzindo-o a uma mera plataforma para as disputas eleitorais. O rebaixamento político enterrou a política de alianças tradicional e abandonou a construção do amplo democrático e popular. A maioria do PT passou a defender e praticar alianças eleitorais cada vez mais amplas, muitas vezes fazendo com que a militância perdesse qualquer traço de identidade de classe.
O rebaixamento organizativo levou o PT a se transformar, quase, totalmente em uma mera máquina eleitoral. A combinação desses quatro fatores ficou exposta nas duas graves crises vividas pelo PT – em 2005 e 2006 - que demonstraram as várias debilidades na concepção e orientação de muitos dirigentes.
A principal delas foi, talvez, a falta de compreensão de que o processo de construção de hegemonia na sociedade implica em disputar permanente a consciência política dos trabalhadores e considerar que a luta de classes não acabou - e os inimigos continuam violentos.
Nesse contexto é possível diagnosticar que o tal pulo do gato ainda não foi dado ou que ainda não se pegou o rato. Um dos temas mais importantes do III Congresso do partido em 2007 foi o debate sobre a construção e re-organização partidária.
O desafio maior é pensar o PT para os próximos anos, como instrumento de disputa de poder, não só de governos. Como ferramenta estratégica da luta pelo socialismo. Foi praticamente consenso a defesa da necessidade de um mecanismo permanente, que articule as instâncias partidárias em todos os níveis, tratando de maneira articulada e conjunta o tema da formação.
Como escreveu o professor de história da Universidade Federal de São Carlos, Marco Antônio Villa em ensaio publicado na Folha de São Paulo em março de 2004, o PT precisa retomar sua origem e sair do controle de mãos de ferro de senhores de meia idade que estão a caminho de formar a gerontocracia. O aniversário do partido precisa ser comemorado em ato público com a presença de milhares de filiados e simpatizantes e não com meia dúzia de petistas de meia idade numa pequena sala fechada.
O PT precisa seduzir mais os jovens; mobilizar a massa petista, desaburguesar. A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. E como. Agora transitam com intimidade entre a plutocracia tupiniquim.
A história do PT incomoda o PT. Enquanto alguns militantes históricos abandonam o partido, oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Não precisam mais da história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão é pragmática: querem cargos, poder e, se possível, alguma sinecura.
Parlamentares petistas não podem escandalizar um partido que surgiu de um sentimento tão nobre. O mesmo rigor aplicado nos casos dos prefeitos petistas que apoiaram o candidato do PSDB ao governo de Minas, precisa ser aplicado nos envolvidos nas listas de mesadas e caixa dois. O problema é ainda pior e fica encubado nos gabinetes. Parlamentares que não aparecem na imprensa em cadeia nacional, mas que adotam em seus gabinetes práticas nada transparentes. Adotam o nepotismo, prestam contas fictícias, dando como quitado um serviço que não aconteceu para fins de reembolso. Outros contratam assessores com salários pífios, sem levar em consideração coisas que defendiam antes como jornada de trabalho, valorização e qualificação da mão-de-obra, e geração de renda com dignidade.
Definitivamente o exemplo deve passar pelos parlamentares, pelos dirigentes municipais, estaduais e nacionais e como disse o presidente Lula no III Congresso ao fazer seu discurso sobre gênero e diversidade racial, a direção do PT hoje só tem homens da classe média. A reorganização tão defendida no III Congresso deve sair do campo da retórica, da estrutura organizacional e passar pela mente de alguns quadros do partido até chegar a base. Ou seja: a base precisa voltar a comandar o PT, do contrário, nunca vai ser importante o pulo do gato. Pegar o rato sempre será mais importante.
(*) Walter Andrade, 40 anos, é jornalista, chargista, artista plástico. Mineiro de Governador Valadares. Ex-vice presidente do Conselho Municipal de Cultura e integra o setorial estadual de cultura do PT.
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