O ministro inexistente

Tem tanto chefe de Ministério caindo que me pareceu legítimo questionar: é possível existir um ministro honesto no Brasil?



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Meu álbum de figurinhas do governo está pior que livro ilustrado de Copa do Mundo. O campeonato mal começou e a escalação já não bate com a equipe que entra em campo. A figurinha cromada do Palocci virou daquelas relíquias que não se arriscam no bafo. Depois caíram Alfredo Nascimento, Nelson Jobim e Wagner Rossi. Tudo figurinha repetida, mas que deixaram o campo por motivo de contusão e entrarão para a história do governo Dilma por meio da foto oficial de início de governo. “Você lembra a escalação daquela seleção ministerial de 2011? Quem era o técnico mesmo? O Lula ou a Dilma?”, vamos nos perguntar, daqui a um tempo, sem conseguir a resposta no registro palaciano.

Tem tanto chefe de Ministério caindo que me pareceu legítimo questionar: é possível existir um ministro honesto no Brasil? Quer dizer, seriam os vícios e fraquezas que definem o homem empecilhos ao trabalho correto e exemplar dos cada vez mais numerosos assistentes da Presidência? Mais: seria um pobre mortal nobre o bastante para resistir à sedução da vida fácil que se insinua na Esplanada dos Ministérios e que, ainda por cima, é incentivada por seu partido? Veja, não estou querendo limpar a barra de ninguém; é que a dúvida político-partidária-existencial bateu forte na hora que lembrei do nobre Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpa Citeriore e Fez, paladino da França.

O cavaleiro Agilulfo é personagem do Italo Calvino, e não existe. Compõe o exército francês, comandado por Carlos Magno, mas resume-se a uma irretocável armadura branca. Dentro dela, não há nada. Mas Agilulfo fala e se movimenta; aliás, movimenta-se muito melhor que os companheiros. O Cavaleiro Inexistente é o mais aplicado entre os colegas e maneja a espada e o arco como nenhum deles, tudo sem permitir um mínimo arranhão ou mancha na armadura. E a vantagem de Agilulfo sobre os companheiros está exatamente em não existir ou, antes, em existir apenas como armadura, ou seja, apenas enquanto cavaleiro.

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Você vai perdoar se me estendo demais no enredo do livro, mas vale: o cavaleiro de Calvino não precisa descansar, não precisa comer, não precisa dormir e não se sente atraído por nenhum vício. Ele vive para o treino, para o serviço no acampamento, para o estudo, para a batalha, e está sempre pronto para a labuta. A exemplo dos colegas, é admirável durante o combate, mas, ao contrário deles, não perde o encanto ao retirar a armadura – não pode fazê-lo.

Vou falar de novo: longe de mim absolver quem trafica influência e desvia dinheiro. Mas, tendo em vista os interesses a partir dos quais nossa República se constituiu desde a redemocratização, será que não cobramos muito ao exigir de nossos governantes um trabalho irretocável? Seriam eles capazes de comandar o país com responsabilidade e sem interesses escusos a partir de um governo loteado e marcado pelo fisiologismo apesar de serem fracos e altamente corruptíveis? Acredite que sim, se conseguir, mas se nossos próximos ministros fossem apenas ternos, sem ninguém dentro, eu não ia achar ruim.

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