O homem que não soube cair
O antigovernismo de Roger Agnelli já não é mais um carimbo; virou uma tatuagem grudada em seu peito
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Faltou um pouco de picardia a Roger Agnelli. Com a Vale na situação em que ela a deixa, o vasto noticiário a respeito de sua demissão poderia ter muito mais um tom de intervenção desmedida do governo numa empresa privada, saudável e lucrativa, do que o acento que acabou adquirindo como situação de queda de braço entre ele mesmo e o resto do mundo. Ora em entrevistas frontais, ora em notinhas assopradas aqui e ali, além de inúmeras manobras de bastidores, Agnelli, nos últimos meses, estimulou a criação de uma atmosfera de guerra em torno de sua própria sucessão. Ele demonstrou apego demasiado ao cargo. Até greve de diretores foi mencionada pela imprensa em solidariedade a ele. Na prática, o presidente que está deixando a Vale rompeu a velha regra que diz, mais ou menos, que o bom cabrito não berra. E a verdade é que não precisava ter sido assim.
Presidente da maior exportadora do Brasil, segunda maior mineradora do mundo, com lucro de R$ 30 bilhões em 2010 e R$ 11 bilhões em dividendos distribuídos em sua gestão, Agnelli é, em quase todos os sentidos, um super CEO. A ações da companhia subiram 3.400% sob seu comando. Ele peca, não raro, no quesito da comunicação. Quando tem boas notícias a dar, costuma ser de difícil alcance, um tanto estrela. No momento em que se viu na linha de tiro do governo, porém, correu para todos os lados, anunciando em 'on' ou em 'off' as suas próprias qualidades, ressaltando seus resultados. Não é bem assim que se faz. Seu inferno astral começou quando, recém iniciada a crise global de 2009, ele trombou de frente com o discurso do governo. O presidente Lula saíra dizendo que a crise seria apenas uma “marolinha” para o Brasil, mas Agnelli, bem no dia seguinte, retrucou que a Vale teria de demitir 1,4 mil trabalhadores se a situação apertasse. Meses depois, em nova gafe, anunciou um plano de investimentos que foi contestado pelo presidente. Outra vez logo a seguir, lá surgiu Agnelli aumentando em R$ 1 bi a conta do que a Vale pretendia investir no Brasil.
Nos dois casos, Agnelli demonstrou uma falta de timming ímpar, tanto para discordar, quanto para apoiar o governo. Se, no episódio do anúncio das demissões, ele apareceu como o porta-voz do baixo astral, no momento de aceitar a orientação de Lula, e aumentar a carga de investimento, assemelhou-se a um sabujo. E Agnelli não é nem uma coisa, nem outra. É sim um dos CEOs mais bem preparados do Brasil, homem que, todos os anos, conduziu sua equipe a dobrar seu grande cliente, a China, com seguidos aumentos de preços no minério de ferro. Como se sabe, para ganhar dos chineses é preciso ser muito forte e muito bom. Além disso, ele montou à sua volta uma diretoria de experts, gente que conhece o mapa-mundi em detalhes, com informações sobre o que há no subsolo e, igualmente, acima dele. Foi por dominar esse mapeamento que Agnelli ordenou a compra, pela Vale, da Inco, o que resultou num acerto que elevou a mineradora brasileira à segunda posição no ranking mundial. Enquanto outras gigantes sucumbiram e foram incorporadas por companhias ainda maiores, a Vale resistiu às pressões, abriu novos espaços, subiu no ranking e tornou-se player global de primeiríssima linha. Um CEO mais dócil, cordato e conciliador dificilmente teria feito o que ele conseguiu fazer. Agnelli é durão. O problema é que ele deveria saber que também precisaria ser um pouco ator, buscando em 2010 uma reaproximação com o governo, criando pontes de diálogo e, assim, amenizando o cerco que se fechava contra ele mesmo. Preferiu o caminho do enfrentamento, de amplificar as diferenças, colocar a situação na base do ou eu ou eles. Perdeu.
Agora, quem contratar esse super CEO carregará com ele o estigma do antigovernismo, que em Agnelli tornou-se mais que um carimbo, mas uma indelével tatuagem.
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