O distrital misto não é bicho de sete cabeças
Defensores do distritão e das listas abertas perdem argumentos diante do sistema alemão
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Uma das maiores dificuldades para aprovar a chamada reforma política é que possíveis mudanças nas regras eleitorais dependerão de quem delas se beneficiou ou tem se beneficiado. Ou seja, os deputados e os senadores. O raciocínio é simples: se está bom para mim, para que mudar? Aparentemente, os políticos mais à direita têm manifestado opção pelo voto distrital e pela continuidade do financiamento privado das campanhas. Os mais à esquerda parecem preferir o voto proporcional com lista fechada e o financiamento público. Mas a realidade não é tão esquemática assim e há várias áreas cinzentas.
Para tentar apoio às suas teses na sociedade, alguns políticos e órgãos de imprensa têm jogado com a desinformação da maioria das pessoas sobre o assunto e utilizado argumentos rasteiros para justificar suas predileções. Quanto menos conhecimentos tiverem as pessoas, menos a opinião pública se mobilizará para esse debate e mais facilmente algumas propostas que ou deixam tudo como está, ou mudam para pior, poderão ser aprovadas pelo Congresso.
O “distritão” é um bom exemplo disso. O argumento utilizado pelos que o defendem parece irrefutável: são eleitos os que têm mais votos. Mas não se diz que esse sistema beneficiará os candidatos com mais dinheiro, pois a campanha terá de ser feita em todo o estado. E de onde virá o dinheiro? Dos empresários, claro, pois se mantém o financiamento privado. Nem se diz que o sistema ignora o princípio de que os partidos políticos estejam representados proporcionalmente nas assembleias, de acordo com os votos que recebem.
A negação da proporcionalidade, pelo sistema distrital, tem duas consequências altamente negativas: impede a representação dos partidos minoritários e acaba levando ao bipartidarismo, como nos Estados Unidos, ou no máximo ao tripartidarismo, como na Inglaterra. E essa é uma das razões que cada vez mais países se voltam para o sistema proporcional.
Nem sempre o meio termo é o mais adequado, mas, falando-se de sistemas eleitorais, ele existe: é a eleição proporcional com votação proporcional e majoritária, ou, como é mais conhecido, o voto distrital misto, identificado principalmente com a Alemanha. A maior crítica que tem sido feita a sistema é sua complexidade e dificuldade para ser explicado à população. Na verdade, considerando-se o quadro do CQC que mostra o desconhecimento de deputados sobre as mais simples questões, é difícil explicá-lo até para eles próprios.
Mas o funcionamento desse sistema não é complicado. Parte do princípio que cada eleitor tem dois votos: o primeiro, no candidato a deputado por seu distrito eleitoral; o segundo, no partido de sua preferência, que forma uma lista fechada. A primeira eleição é majoritária, cada partido indica um candidato e é eleito quem recebe mais votos. A segunda eleição é proporcional, sendo eleitos tantos deputados quanto é a votação obtida pelo partido. Metade das cadeiras é ocupada pelos eleitos no distrito, a outra metade pelos eleitos nas listas partidárias.
Complica um pouco ao se estabelecer a divisão de cadeiras no parlamento com base nas duas votações, mas isso não afeta o eleitor. Em resumo, é assim: o número de votos que cada partido recebe na votação proporcional estabelece quantas cadeiras ele ocupará. Vamos supor que o Partido A receba uma votação que lhe dá direito a 50 cadeiras. Se ele elegeu 30 deputados pelo voto distrital, terá mais 20 deputados que constam da lista partidária. Os 20 primeiros da lista, naturalmente.
Assim, são assegurados alguns princípios que têm sido defendidos em torno da reforma política:
- O eleitor elege o deputado de seu distrito eleitoral, com o qual terá mais identificação e proximidade. É eleito o mais votado e não há coligações.
- Os partidos políticos apresentam programas a seus eleitores e ocupam tantas cadeiras quanto são seus votos, mantendo o princípio da proporcionalidade e se fortalecendo. Também não há coligações.
- As eleições são menos onerosas, porque os candidatos dos distritos fazem uma campanha em uma área geográfica restrita e não há campanhas individuais nas eleições proporcionais, pois o eleitor vota é no partido. É possível haver exclusivamente financiamento público, destinado diretamente aos partidos.
E são resolvidos alguns problemas que têm sido colocados pelos defensores do voto proporcional, como é hoje, e pelos que querem o distrital ou o distritão:
- A dificuldade de dividir os estados em distritos. Falsa questão. A Justiça Eleitoral pode fazer isso com facilidade, pelos critérios de número de eleitores e proximidade geográfica. Um programa de computador resolve.
- Teria de haver distritos diferentes para deputados federais e para deputados estaduais, que são mais numerosos. Só se quiserem que seja assim, pois no mesmo distrito podem ser eleitos um deputado federal e dois ou três estaduais, todos pelo voto majoritário.
- O eleitor não votaria no seu candidato pessoal. Votará sim, nos candidatos que concorrem em seu distrito. Essa fórmula permite, inclusive, que possam ser lançados candidatos independentes.
- As direções partidárias colocarão seus apaniguados nos primeiros lugares das listas fechadas. Isso os dirigentes já fazem hoje, ao escolher os candidatos e distribuir os recursos financeiros. Mas normas que levem a uma maior democracia partidária reduzirão esse risco.
O debate sobre a reforma política e sobre todas as alternativas é bom e salutar. Mas não pode ficar apenas dentro do Congresso e sujeito apenas à vontade dos parlamentares. Primeiro porque, se for assim, a reforma não acontecerá. Segundo porque podem prevalecer propostas que, em essência, são apresentadas apenas para que o sistema seja ainda mais restritivo e favoreça o poder econômico, como o “distritão” de Temer, Sarney e Dornelles (o que já diz tudo).
Definindo os lados
A revista Veja manifestou com clareza, em matéria-panfleto de duas páginas, seu apoio ao voto distrital puro. Já o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que articulou o projeto popular para adotar a “ficha limpa”, vai lançar uma campanha popular em defesa da reforma política. Vão buscar 1,35 milhão de assinaturas em defesa do voto proporcional em lista fechada, financiamento público e democratização dos partidos políticos.
Verdes em alta
Por falar em Alemanha, Os Verdes – Die Grünen – conseguiram ganhar, pela primeira vez, um governo estadual, o de Baden-Württemberg. O caso é interessante para entender com as coisas funcionam por lá. Quem teve mais votos (39%) foram os democratas-cristãos (CDU), no poder estadual desde 1953. Os Verdes tiveram 24,2%, os social-democratas (SPD) 23,1% e os liberais (FDP) 5,2%.
Daí verdes e social-democratas fazem uma aliança e garantem o governo com uma maioria de 47,3%. O chefe do governo será um verde, porque seu partido teve maior votação. Os liberais quase não conseguem se manter no parlamento estadual, porque a cláusula de barreira exige que um partido tenha 5% dos votos para ter cadeiras. Se tivessem tido mais votos, os liberais poderiam manter a coligação com os democratas-cristãos, e assim manter o governo.
A Alemanha é parlamentarista, e lá os chefes de governo não são eleitos pelo voto direto, mas pelos parlamentos. O que não faz o sistema um milímetro menos democrático do que o nosso.
Liberais e socialistas fora
Um dado interessante nas duas eleições estaduais que se realizam na Alemanha no domingo é que, por causa da cláusula de barreira, o partido socialista – A Esquerda - criado a partir do partido único da velha Alemanha Oriental, ao qual se somaram dissidentes de esquerda social-democracia do lado ocidental, não conseguiu 5% dos votos e ficou fora das assembleias. Mas o Die Linke tem 76 deputados no Parlamento Federal.
E os liberais do FDP, que governam o país em aliança com os democratas-cristãos, ficaram fora do parlamento da Renânia-Palatinado porque também não conseguiram 5% dos votos. Caso o FDP e o Die Linke tenham deputados eleitos pelo voto distrital, eles participam dos parlamentos, mas não formam blocos partidários.
Apesar da cláusula de barreira, seis partidos têm representação nacional na Alemanha: os governistas CDU, CSU (restrito à Baviera, onde o CDU não existe) e FDP e os oposicionistas SPD, Os Verdes e A Esquerda. Mas em Baden-Württemberg, por exemplo, 19 partidos apresentaram listas para o pleito estadual.
A cláusula de barreira foi considerada inconstitucional, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal.
Publicada em Brasil 247, 29.3.2011
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