'Moro saiu do anonimato e voltou ao nada', afirma Gilmar Mendes

À TV 247, o ministro do STF ironizou a participação de Moro no governo Bolsonaro, falou sobre a Lava Jato e seu conluio com a imprensa, sobre Walter Delgatti, que escancarou as ilegalidades da força-tarefa, e sobre a responsabilização de autoridades acerca de erros na pandemia: “certamente no futuro vamos ter que discutir”. Assista

Gilmar Mendes e Sergio Moro
Gilmar Mendes e Sergio Moro (Foto: Divulgação)


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247 - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que se torna o decano da Corte a partir de julho deste ano, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, contou à TV 247 que foi ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, convidar o ex-juiz Sergio Moro para ocupar o cargo de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Gilmar Mendes ironizou, dizendo que esta talvez tenha sido a melhor contribuição de Guedes e Bolsonaro para a “normalidade institucional” brasileira, visto que interromperam o ciclo de ilegalidades cometidas pelo ex-juiz à frente da 13a Vara Federal de Curitiba.Segundo o ministro Gilmar Mendes, o mérito da dupla Guedes-Bolsonaro foi tirar Moro da Lava Jato e devolvê-lo ao “nada”. “Um dia o ministro Paulo Guedes veio aqui. E com aquele jeito, é um homem muito interessante, tem uma boa base de história, e ele começou a contar o que tinha sido a construção da candidatura Bolsonaro, aquelas dificuldades todas, até que ele foi feito o ‘czar’ da Economia, o Paulo ‘Posto Ipiranga'. Em dado momento, depois que ele se tornou o ‘czar’ da Economia, ele disse ao Bolsonaro: ‘temos que buscar alguém para cuidar de law and order [lei e ordem]’. E ele sugeriu ao Bolsonaro que ele, Paulo [Guedes], fosse consultar o Moro. Naquele momento, era um momento muito tumultuado, na presença de uma assessora dele e do ex-advogado geral da União, na época procurador-geral da Fazenda, [José] Levi do Amaral, eu disse: ‘ministro, pare aí essa narrativa. Coloque isso no seu currículo’. E ele não entendeu qual era a causa da minha interjeição. Eu disse, ‘ter tirado o Moro de Curitiba pode ter sido sua maior contribuição para a normalidade institucional do Brasil’, e eu não estava prevendo ainda a demissão do Moro. Mas, de fato, acho que voluntária ou involuntariamente nós temos que reconhecer também méritos ao governo Bolsonaro. Ter tirado Moro de Curitiba, ter devolvido ele para o nada, de fato é uma grande contribuição”.

Lava Jato interditou o debate e influenciou na eleição de 2018

Questionado sobre sua recente declaração de que a Lava Jato é “pai e mãe do bolsonarismo”, Gilmar Mendes afirmou que a força-tarefa interditou o debate político em 2018, quando o ex-presidente Lula foi feito preso político em Curitiba. Tal “interdição”, segundo o magistrado, fez o último pleito presidencial “muito peculiar” e certamente influenciou na chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto. “A eleição de 2018 foi toda ela muito peculiar. Todo o sistema político de alguma forma estava comprometido. Quem vê hoje as informações, tanto dessa Vaza Jato como da Spoofing, vê que houve uma interdição do debate político. Eles se tornaram uma força política, queriam definir quem seria candidato. Neste sentido, obviamente, influenciaram de maneira inequívoca na eleição. A cereja do bolo é a adesão do Moro ao governo Bolsonaro, mas antes disto ele tinha tido participação eleitoral. Vazou, por exemplo, a tal delação do Palocci. Foi uma eleição extremamente polarizada, com o resultado que nós conhecemos, e temos que continuar”.

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‘Imprensa corrupta precisa fazer autocrítica’

O ministro, assim como afirmou durante o julgamento na Segunda Turma do STF que declarou Moro suspeito nos casos contra Lula, disse que a Lava Jato jamais teria avançado tanto como avançou sem o apoio da imprensa. Ele ainda revelou que a Procuradoria-Geral da República, sob o comando do ex-PGR Rodrigo Janot, tinha 12 jornalistas contratados para vazar informações a veículos da mídia. “Tudo isso não teria sido feito sem o consórcio da mídia. Aprendi com a antiga procuradora-geral da República, a doutora Raquel Dodge, que a procuradoria tinha 12 jornalistas empregados na gestão Janot para vazar informações. Portanto, tudo isso foi construído nesta perspectiva. Foi uma forma de corrupção da imprensa neste contexto. Jornalistas funcionando um pouco como auxiliares, ghost writers em notas, quer dizer, uma distorção completa dessa nossa jovem democracia. Mas sem a mídia, certamente isto não teria ocorrido, ou não teria ocorrido desta forma e com esta volúpia, com essa voracidade”.

O ministro cobrou que parte da imprensa que atuou cegamente em apoio à Lava Jato faça uma autocrítica sobre o desempenho de suas funções. “É evidente que a mídia andou muito mal, e os senhores sabem que eu faço essa crítica sempre com muita responsabilidade porque eu sou defensor da imprensa livre, eu quero a imprensa livre e plural para traduzir a sociedade que nós temos. Mas eu acho que essa autocrítica teremos que fazer, acho que todos nós temos que fazer, as forças políticas têm que fazer autocrítica. Acho que todos nós, de alguma forma, que temos responsabilidade temos que fazê-lo. Nós quase que chegamos a um sistema de perfil autoritário, totalitário, manejado a partir de uma procuratura”.

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Walter Delgatti Neto

Sobre o hacker Walter Delgatti Neto, responsável por trazer à tona os diálogos trocados entre procuradores da Lava Jato que escancararam de uma vez por todas as ilegalidades cometidas pela força-tarefa, o ministro declarou que o ilícito cometido por ele precisa ser examinado “com muito cuidado”. “É um caso que nós vamos ter que examinar sempre com muito cuidado. Em casos menores, nós temos reconhecido que a partir de uma prova supostamente ilícita, se valide a prova para fins de defesa de direitos, não para condenar alguém, mas para fazer a defesa de alguém”.

Gilmar Mendes foi perguntado sobre a tese sustentada por especialistas de que Delgatti teria cometido um crime para revelar outro crime, tal como em uma ditadura, onde cidadãos violassem regras para provar e expôr o cometimento de torturas. O ministro mostrou concordância com o fato de que a Lava Jato utilizava-se das prisões em locais precários para forçar depoimentos dos investigados na direção de interesse da força-tarefa, como verdadeiro método de tortura. “Usava-se a prisão com esta característica. Eu tinha chamado a atenção para isto: prisões alongadas de Curitiba rimam com tortura. Mas havia mais. ‘Vamos colocar em um presídio lá que aí o sujeito fala’. Isto agora está comprovado. O sistema judicial está tentando fugir desta questão. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça], o CJF [Conselho da Justiça Federal], a Corregedoria do TRF4, a própria procuradoria-geral da República, mas eles só estão retardando. Eles têm que explicar isto. Como isso se deu e ninguém viu? E agora se tenta fazer um silêncio sepulcral em torno disso. Eles destruíram o sistema jurídico, comprometeram o sistema jurídico, e isto precisa ser discutido. Se eu fosse presidente do Supremo e do CNJ neste momento, eu não sei o que faria, mas alguma coisa eu faria para dizer: ‘gente, o Judiciário brasileiro não é isso que está aí’. Se eu fosse presidente do TRF4 ou presidente do STJ… Eles violaram todas as regras e isto tem que ser dito com base nas provas existentes, que ninguém nega”.

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Sem responder diretamente ao questionamento sobre a situação de Delgatti, Gilmar Mendes admitiu que os diálogos obtidos pelo hacker certamente serão utilizados no “julgamento da história” sobre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro. “Então, retirada a tal responsabilidade penal para punição, vamos deixar isso de lado neste momento, eu acho que se pode usar sim para a defesa de direitos, e não tem como não usar para o julgamento da história. O julgamento da história certamente não lhes será favorável”.

Pandemia de Covid-19

Acerca de possíveis responsabilizações judiciais sobre a condução da pandemia, o ministro afirmou que não é o momento de se pensar neste tipo de ação. Entretanto, reconheceu que erros foram cometidos e que, por esta razão, o Brasil tem números mais que alarmantes de óbitos em razão da Covid-19. “Quando nós chegamos a este número absurdo de quatro mil mortos, e alguns falam que no platô vai chegar a cinco mil mortos, nós estamos com o maior número de mortos do mundo, embora não tenhamos a maior população do mundo. Então isto é altamente preocupante e mostra que, de alguma forma, nós cometemos não um, mas inúmeros erros para produzirmos isto”.

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Para ele, chegará o momento de julgar a responsabilidade das autoridades perante a condução da pandemia. “A situação é tão grave, quatro mil mortos, estamos avizinhando cinco mil mortos/dia. Nós temos 3% da população mundial e estamos com este percentual altíssimo de mortos. Isso é extremamente preocupante. Chamemos do que quisermos, mas de fato isto é altamente constrangedor, para governos, para oposição, para a sociedade, para todos nós. Sem dúvida nenhuma isto fala mal de nós cidadãos, de nós como país. As manchetes de todos os jornais do mundo. Não minimizemos: é uma crise difícil de ser lidada. Eu vejo os alemães com dificuldades, eu vejo os portugueses com dificuldades, divide a sociedade. A ideia da paralisação, do lockdown, é muito difícil de ser recebida porque as pessoas de fato são afetadas, e são afetadas assimetricamente. Uma coisa é funcionário público e outra coisa é aquele que de fato tem que trabalhar, ganhar o seu dia, trabalhar para trazer o pão para casa. Quantas pessoas hoje estão vivendo situações extremamente graves, humilhantes e tudo mais. Agora, de fato, aquilo que tiver responsabilidade penal terá que ser, em momento oportuno, discutido. Recentemente o procurador Aras abriu investigação em relação ao antigo ministro da Saúde por conta daqueles episódios em Manaus, da falta de oxigênio. Pessoas morreram por falta deste tipo de previsão. Certamente há muitas questões que precisam ser discutidas, e certamente no futuro vamos ter que discutir toda essa temática”.

“No momento atual, acho que nós temos que empenhar todos os esforços no sentido de buscarmos o que é possível de uma união nacional, de uma racionalidade para que a gente de fato possa sair desse quadro. Precisamos trazer União, estados e municípios, autoridades, sociedade civil. Nós não somos isso que está aí, não somos esse obscurantismo que de vez em quando a gente vê gritado aí nas ruas. Não somos isso”, defendeu.

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