Mandachuva
Jos Sarney opera milagres. O Maranho, seu estado, tem pssimos indicadores sociais. O Amap, sua base eleitoral, pequena. Quando foi presidente, deixou o governo com hiperinflao. Ainda assim, manda e desmanda no Brasil
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Evam Sena_247, em Brasília – Em meio século de atividade política, desde a estreia como suplente de deputado federal em 1954 pelo PSD, José Sarney sempre foi governo, com apenas um período de exceção a confirmar a regra. Durante os dois anos e meio do governo de Fernando Collor (1990-1992) ele deu-se ao luxo de cerrar fileiras na oposição. Mas já com o sucessor Itamar Franco no poder, lá estava Sarney alinhado outra vez com a situação. Hábil e sortudo, o hoje presidente do Congresso – um tretracampeão no cargo, que ganhou em 1995, 2003, 2009 e 2011, mostrou toda a sua capacidade trânsfuga e influência de bastidores nos idos de 1985, quando deixou a Arena, partido de sustentação ao regime militar, que presidia, para pular para o barco da oposição que iria virar governo com Tacredo Neves. A morte do presidente eleito fez dele presidente da República.
No momento, Sarney é, simplesmente, uma sumidade em Brasília. Ele que já controlava, por meio de seu apadrinhado Edison Lobão, o poderoso Ministério das Minas e Energia (orçamento de R$ 7,92 bilhões para 2012), contava ainda com um antigo aliado, Pedro Novais, aboletado na cadeira de ministro do Turismo (verbas de R$ 795,88 milhões previstos para o anos que vem). Flagrado no uso de funcionários públicos para a prática de funções em sua residência particular, Novais caiu. Mas eis que, num impasse, surge seu sucessor: outro aliado de longa data de Sarney, o deputado federal Gastão Vieira, não apenas do Maranhão e do PMDB, mas também ex-secretário, por duas vezes, de Roseana Sarney, atual governadora do Estado que foi comandado por seu pai, graças ao apoio do general Castelo Branco, entre 1966 e 1971.
Mas como Sarney conseguiu fazer um apadrinhado ministro depois que outro de seus apadrinhados constrangeu publicamente o governo ao privatizar para si funcionários públicos e, assim, criar mais uma crise para a presidente Dilma Rousseff?
“É simples”, resume um senador que pede para não ser identificado, temeroso de alguma represália por parte do clássico coronel nordestino. “Sarney controla, pela cessão de cargos e prestação de favores, nada menos que metade da bancada do PMDB no Senado, que deve a ele fidelidade canina. Quando realmente quer alguma coisa, esse cacife político fala mais alto. Ninguém tem a bancada que Sarney tem na palma da mão”. O ex-presidente igualmente é o personagem mais influente sobre as vontades das bancadas federais do Maranhão e do Amapá. Tudo somado, calcula-se que seu bloco político reúna mais de 60 parlamentares, entre senadores e deputados, o que faz de Sarney um verdadeiro partido político.
Com efeito, além do apadrinhamento dos dois ministros já citados, Sarney também foi responsável direto pela nomeação do atual presidente de Furnas, Flávio Decat. Seu poder se estende por meio de nomeações para cargos estratégicos no setor elétrico, na Petrobrás, na Agência Nacional de Petróleo (ANP), na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac), na Caixa Econômica Federal, no Banco do Estado da Amazônia e na Receita Federal. Igualmente tem amigos bem colocados entre chefes militares e expoentes do Poder Judiciário.
Em seu feudo político, o Maranhão, Sarney é, simplesmente, ‘o cara’. Um deputado do PT acredita que Sarney e sua família sejam donos de terrenos que performam 15 praias no municípios de Raposo, todas com acesso dificultado à população. Se o poderio econômico é latente, o prestígio popular de Sarney, no entanto, é bastante duvidoso. Nada menos que 100% dos cargos da máquina administrativa do Estado estão sob suas ordens, a começar pela charmosa e bem relacionada filha Roseana, a governadora. Mas, decididamente, não dá para dizer que ele tem o carinho do seu povo. Quando caminha pelas ruas do paupérrimo centro de São Luís – área tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela ONU, com seus casarões dos séculos 18 e 19 em estado para lá de precário --, o ex-presidente costuma levar notas de dinheiro no bolso para contemplar os pobres que o cercam. Não há admiração, mas aquele tipo de temor reverencial.
Em 1990, nas eleições para o Senado, Sarney pressentiu que o povo iria se vingar nele de anos de governos que não conseguiram fazer avançar a qualidade de vida da população. A esse respeito, em relação ao estado de deterioração do sítio histórico do centro de São Luís, a cantora Nana Caymi, que na semana passada lá se apresentou, respirou aliviada ao voltar ao Rio de Janeiro: “Vi tanta pobreza e abandono que senti vergonha de ser brasileira”, confidenciou ela, em frase reproduzida na imprensa fluminense. Ao antever o troco que viria das urnas, Sarney trocou seu domicílio eleitoral, ajeitou-se em Macapá, capital do Amapá, e dali, com contados 97.466 votos, em 1998, arrancou mais um mandato de oito anos como senador. Dessa base, ele faz seu costumeiro jogo de fiel da balança, agindo como bombeiro nas horas de incêndios políticos, e de agitador nos momentos em que seus interesses são contrariados.
Jogando de mão com seus parceiros de partido – o vice-presidente Michel Temer, o senador Renan Calheiros, o líder do partido na Câmara Henrique Alves --, Sarney desponta nas crises, invariavelmente, como o personagem da estabilidade, da coerência e da unidade. A voz da experiência, da tranquilidade. Foi por isso que, diante do impasse na nomeação do novo ministro do Turismo, Sarney emplacou na figura de Gastão Vieira o sucessor de seu também apadrinhado Pedro Novais. Para tanto, nem precisou falar muito. Nessas horas decisivas, os chefes do partido sempre o consultam, porque sabem que é melhor ter o tacão de Sarney ao seu lado do que testar a sua força. Com leves gestos com a cabeça, como faz quando é procurado por prefeitos do interior do Maranhão em sua residência na praia do Calhau, Sarney diz praticamente tudo. Sim para o que aceita, não para o que proíbe – e abre um sorriso sempre que realmente aprova uma ideia. Em tempo: poderoso por excelência, Sarney é fino no trato, intelectual chancelado pela Academia Brasileira de Letras e quase sempre disposto a ser afável e simpático com seus interlocutores. Não à toa, em Brasília, mesmo quando, no passado, estava distante da Presidência do Senado, ele sempre fora tratado por todos como “presidente Sarney”. E assim sempre será.
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