Luz em agosto

A absolvição da deputada Jaqueline Roriz soou como uma mera afronta à moral e aos bons costumes, mas o explícito corporativismo covarde e sem-vergonha dos parlamentares trouxe embutida uma sutil mensagem de redenção: é possível esquecer o passado



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Agosto chega ao fim e, mais uma vez, faz jus a sua fama de mês maldito. O drama começou com a ameaça de um calote inédito dos Estados Unidos. Depois Londres pegou fogo, os estudantes arrepiaram no Chile, caiu ditador na Líbia, rolou terremoto e furacão em Nova York e, se não bastasse, Steve Jobs sucumbiu à doença e deixou a chefia da Apple. Climão... mas, diferente dos agostos em que presidentes brasileiros renunciaram ao cargo e à vida e em que começou a primeira grande guerra e a segunda terminou em forma de rosa radioativa, este agosto chega ao fim com um alento, e, quem diria, logo da Câmara dos Deputados.

A absolvição da deputada Jaqueline Roriz soou, num primeiro momento, como uma mera afronta à moral e aos bons costumes, mas o explícito corporativismo covarde e sem-vergonha dos parlamentares trouxe embutida uma sutil mensagem de redenção: é possível esquecer o passado. Há esperança, seus erros e pecados podem ser apagados por decreto, basta um mandato. Percebe a profundidade? Foi praticamente uma declaração de amor: livres de preconceitos, os deputados reconheceram e acolheram um dos seus. É o fim do arrependimento com sabor de projeto de lei.

O Congresso Nacional aceitou Jaqueline como ela é, com seus vícios e falhas, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. “O que passou, passou, meu amor”, sussurraram os ternos parlamentares ao ouvido da deputada, negando, sem saber, a obra completa de William Faulkner. Está lá, no Luz em Agosto: Lucas Burch tenta fugir da mulher que engravidou, mas ela não desiste de segui-lo, enquanto Joe Christmas sofre para apagar as próprias origens.

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Bobagem, disse a Câmara. Jaqueline é maior que Faulkner. Roriz é maior que Faulkner. Marco Maia é... bem, você entendeu. Ao se eleger deputado, o político brasileiro ganha mais do que verba de gabinete, auxílio-viagem e imunidade parlamentar. Ele tem o direito de apagar o passado durante aqueles quatro, oito, doze, dezesseis intermináveis anos.

O mandato parlamentar brasileiro é metafísico, extrapola tempo e espaço, é maior que o passado e menor que o futuro. A segurança é tentadora, senhores parlamentares, eu entendo, mas não se enganem. Apesar da derrota, Faulkner permanece por aí. E vai continuar lembrando: “O passado nunca morre. Ele não é nem passado”.

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