Guerra da vacina antecipa disputa na direita entre Doria e Bolsonaro

Visto como potencial concorrente de Bolsonaro nas eleições de 2022, João Doria afirmou nesta quinta-feira (22) que "se o absurdo já era grande, agora beira a situação criminal"

Vacina de Covid-19: Jair Bolsonaro e João Doria
Vacina de Covid-19: Jair Bolsonaro e João Doria (Foto: Agência Brasil | Reuters)


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Sputnik – As negociações sobre a compra da vacina CoronoVac geraram um novo capítulo na politização em torno da pandemia da COVID-19. A Sputnik Brasil ouviu especialistas sobre o desenho político que a crise sanitária instaurou no governo.

O Ministério da Saúde anunciou na última terça-feira (20) a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac. Na manhã seguinte, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou a pasta e descartou que o governo iria adquirir a "vacina da China".

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A controvérsia em torno da vacina da empresa chinesa Sinovac, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan, teria novamente resultado em uma politização da saúde pública em meio à pandemia da COVID-19, que já levou a vida de mais de 155 mil brasileiros. É o que contam os cientistas políticos ouvidos pela Sputnik Brasil.

Mais um ministro da Saúde encolhido

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Após o recuo do Ministério da Saúde em relação ao anúncio da compra da vacina CoronaVac, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, apareceu ao lado do presidente Jair Bolsonaro em uma transmissão ao vivo pelo Facebook nesta quinta-feira (22). Sem usar máscaras, Pazuello afirmou: "senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece".

O cientista político e professor da UNB, Luis Felipe Miguel, em entrevista à Sputnik Brasil, afirmou que qualquer ministro que assumisse a pasta da Saúde e demonstrasse "um mínimo de preocupação" com as responsabilidades sanitárias iria "em algum momento entrar em choque direto com o presidente da República".

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​"O atual ministro Pazuello tem mostrado uma tolerância muito grande, tem mostrado pouca disposição para fazer valer um mínimo de responsabilidade no tratamento da crise do coronavírus, mas ainda assim chega um momento que isso se torna impossível", observou o especialista.

"A gente chega numa situação em que o presidente da República está disposto a deixar morrer dezenas de milhares de brasileiros para manter uma rixa artificial. A gestão da crise sanitária tem sido absurda desde o começo", acrescentou.

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O cientista político destacou que, em um momento em que não se vê por parte do governo a adoção de medidas sanitárias para combater a pandemia, a esperança do país é que a "solução venha na forma de uma vacina". De acordo com ele, a "radicalização dessa base bolsonarista está fazendo com que o presidente da República busque bloquear até mesmo essa última saída".  

O cientista político e professor da USP, José Álvaro Moisés, por sua vez, classificou o episódio da vacina CoronaVac como "uma completa desqualificação, uma desautorização do ministro da Saúde".

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De acordo com ele, o general Pazuello, mesmo não sendo médico e especialista na área da Saúde, estava procurando interagir com diferentes áreas médicas do país, do próprio ministério, e com os governos do Estado, desempenhando o seu papel "dentro dos limites definidos pelo governo Bolsonaro".  

"Agora, esta última decisão do presidente desautorizando o que o ministro tinha anunciado [...] indica que o presidente Bolsonaro não apenas o desqualificou, mas retoma um comportamento do presidente completamente irresponsável diante da tragédia da pandemia da COVID-19", afirmou o professor da USP em entrevista à Sputnik Brasil.

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"Nesse quadro o ministro Pazuello ficou completamente diminuído, desqualificado, desautorizado. Uma solução possível para alguém que tem decência, caráter, seria renunciar ao ministério e ir pra casa, voltar, porque o presidente desautorizou sua conduta", acrescentou José Álvaro.  

Para o professor Luis Felipe Miguel, tendo a retórica do presidente dos EUA, Donald Trump, como inspiração, o discurso de Bolsonaro sobre o "vírus chinês" é uma aposta na polarização.

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"O que a gente tem visto da tropa bolsonarista, na produção de notícias falsas, é a ideia de que a vacina CoronaVac não é aceitável pela sua dupla procedência, por um lado chinesa, por outro lado vinculada a um instituto ligado ao governo paulista, que é o desafeto local do Bolsonaro", argumentou o especialista.  

'Antecipação' das eleições de 2022

A controvérsia em torno da vacina CoronaVac também trouxe à tona o embate entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Jair Bolsonaro, que em vários momentos já protagonizaram episódios de disputa e rusgas na narrativa do combate à pandemia do coronavírus. 

Visto como potencial concorrente de Bolsonaro nas eleições de 2022, João Doria afirmou nesta quinta-feira (22) que "se o absurdo já era grande, agora beira a situação criminal".

"Um presidente da República negar o acesso a uma vacina aprovada pela Anvisa em meio a uma pandemia que já vitimou 155 mil brasileiros é criminoso", acrescentou o governador.

O cientista político Luis Felipe Miguel destacou que Doria "foi instrumental para o Bolsonaro chegar à Presidência da República", mas que teria julgado necessário "criar uma distância do presidente da República para correr em uma raia própria e se credenciar" para as eleições presidenciais.  

"Eu acho que o esforço do Doria é promover essa polarização desde já e colocar o xadrez da eleição de 2022 como sendo basicamente formado pela recondução do Bolsonaro ou ele como principal candidato da oposição", disse o professor da UNB.  

De acordo com ele, o governador de São Paulo "está fazendo um uso político muito forte neste sentido", provocando uma reação do presidente Bolsonaro.

"[A reação de Bolsonaro] é uma reação despropositada, mas é uma reação a uma jogada política também do Doria, que tem anunciado a vacina até com uma certa precipitação, e tem feito da vacina um instrumento da sua articulação política com os outros estados da Federação", argumentou Luis Felipe Miguel.  

O professor da USP, José Álvaro Moisés, também corrobora com a tese de que o embate entre Doria e Bolsonaro representa uma espécie de "antecipação da disputa que vai ocorrer em 2022", considerando "muito provável haver dois candidatos do lado da direita: Bolsonaro e Doria".

Ele argumenta que Doria tem traçado uma perspectiva de defesa da saúde pública, levando em conta o conhecimento dos cientistas na "preservação da vida dos brasileiros no contexto do coronavírus".

"Que ele [Doria] queira transformar isso em um elemento que promova a sua imagem, é natural. Neste contexto, Bolsonaro condiciona o que os seus adversários podem fazer, ele cria um terreno que obriga os adversários a entrar na disputa, como o governador Doria está entrando agora", analisou José Álvaro. 

Já o professor da USP, Luis Felipe Miguel, destacou que Jair Bolsonaro e João Doria "não esgotam as alternativas para 2022". 

"Nós ainda temos muita água para rolar até 2022. Nós temos um presidente que tem uma articulação bastante instável com as forças políticas que o apoiam, e temos uma esquerda e centro-esquerda, que estão muito debilitadas, mas que não são de forma nenhuma irrelevantes do ponto de vista eleitoral", completou.

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