"Governo Dilma envelheceu"

Quem diz Roberto Freire, presidente do PPS, em entrevista ao Panorama Mercantil, parceiro do 247. Leia sua entrevista ao jornalista Eder Fonseca



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Socialista, humanista e libertário em suas próprias palavras, ao longo de seus já quase 28 anos de carreira pública ininterrupta, Roberto Freire se transformou em um dos símbolos, juntamente com tantos outros brasileiros, na luta pelo fim da ditadura e pela retomada da democracia. E nessa caminhada, sempre defendeu amplas alianças, criticava posturas de esquerdas excludentes, acreditava que a construção de um novo Brasil, obrigatoriamente, passa pelo exercício pleno da cidadania e a consolidação e ampliação da democracia. Freire sempre preconizou, nesta perspectiva, também a adoção de práticas de democracia direta – o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei, princípios consignados na Constituição, tiveram a sua participação emocionada e eficaz.Liderou, com Teotônio Vilela e outros, a campanha da Anistia. Visitou presídios, participou de debates e comícios e negociou diretamente a elaboração de leis que pudessem tirar das masmorras permitindo a volta ao país de centenas de brasileiros perseguidos ou desterrados pelo arbítrio. É por exemplo o principal articulador da obra 'Anistia', que registrou em definitivo para a história a luta pela reconciliação entre os brasileiros.Como um militante na ilegalidade do PCB e como o líder da grande frente emedebista, Freire esteve ao lado dos grandes movimentos democráticos vitoriosos do nosso povo no último quartel do século XX. Deu apoio e participou do processo de reconstrução das entidades estudantis livres e da UNE, esteve em todos os congressos que discutiram a criação de uma central de trabalhadores, também freqüentou intensamente os movimentos grevistas e sindicais dos trabalhadores, em Pernambuco, no ABC em São Paulo e em quase todos os estados brasileiros.Freire colocou-se em oposição ao Governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,e faz o mesmo com atual Governo,comandado por Dilma Rousseff. Afirmou certa vez que os atuais detentores do poder no Brasil não possuem um projeto de governo, e que dificilmente essa meta vai ser alcançada durante o exercício do poder. Por vários meses, denunciou a aliança de Lula com as velhas idéias econômicas e com os velhos grupos políticos no Congresso, e sugeriu ao governo correções de rumos.Após 4 anos afastado das atividades parlamentares, Roberto Freire foi eleito em 2010 deputado federal por São Paulo com mais de 120 mil votos.Na entrevista a seguir,o parlamentar pernambucano diz que o socialismo real falhou e aponta quais os motivos reais da reforma política não sair do papel.

Panorama Mercantil - O socialismo real falhou?

Roberto Freire - Sim. Tanto é verdade que o sistema entrou em colapso. E a causa fundamental desse colapso foi a falta de liberdade, ou, para ser mais preciso, de democracia. Entretanto, não podemos negar sua importância histórica. A revolução de 1917 na Rússia dos czares, contribuiu para mudar o mundo, ao estabelecer um outro pólo de poder que se rivalizou, em nível de igualdade, com o capitalismo. Foi um fator importantíssimo para avançar e consolidar conquistas dos trabalhadores no mundo,derrotar o nazfascismo na 2º guerra, bem como na luta pela descolonização a que estavam submetidos países de África e Ásia. Sem falar do impacto cultural que propiciou por conta dos vários movimentos artísticos e críticos,frutos de intelectuais de esquerda, em todas as latitudes e nas suas mais variadas cores.

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Panorama - Por que a reforma política não saiu do papel?

Freire - Porque vai de encontro a inúmeros interesses estabelecidos. Seja de alguns partidos, seja de alguns políticos muito influentes no Congresso e principalmente dos executivos que se beneficiam da fraqueza dos partidos políticos. Até agora, os setores mais atrasados da sociedade também no Executivo e no Congresso Nacional impediram mudanças no atual sistema político-partidário. Mas a reforma está tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado. Já estão prontas para votação no plenário do Senado, três PECs (Propostas de Emendas Constitucionais), mesmo que saibamos que não há garantia de que elas sejam votadas ainda neste ano.Na Câmara, uma comissão especial para tratar do assunto está finalizando seu trabalho. O relatório para apreciação em plenário já está pronto, mas ainda há prazo para emendas. As principais mudanças apontadas até agora são: a instituição do financiamento público de campanhas e do voto pelo sistema proporcional misto, no qual o eleitor vota duas vezes, uma no candidato e outra em uma lista pré-ordenada pelo partido.

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Panorama - O senhor é favorável ao financiamento público de campanhas?

Freire - Sim, mas não exclusivo. Somos terminantemente contrários à contribuição de pessoas jurídicas. Defendemos que seja permitida apenas contribuição de pessoas físicas, até o limite de R$ 2 mil por por CPF em cada pleito. Afinal, as eleições dizem respeito à cidadania, ou seja, a pessoas físicas, e não a empresas.

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Panorama - A polarização PT/PSDB no governo federal não é prejudicial a longo prazo ao país?

Freire - Não. A polarização política é da natureza dos processos democráticos. Veja-se que este é um fenômeno que ocorre nas democracias,nos pleitos eleitorais.O que não pode é haver um pólo só!

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Panorama - Hoje, político virou sinônimo de ladrão. Como mudar essa imagem perante a sociedade?

Freire - Existem políticos desonestos como existe desonestidade em todas as atividades. Na política isso se torna mais evidente por ser atividade pública e com maior transparência e é mais grave porque nela se lida não apenas com recursos públicos, mas com projetos de sociedade, que mobilizam milhares de pessoas. No entanto, nunca tergiversamos com ilícitos. Sempre defendemos investigações e punições quando ocorrem denúncias de casos de corrupção. Mas devemos ter presente que também a responsabilidade da cidadania se impõe. Cabe a cada eleitor refletir bem nas suas escolhas. Pensar e pesquisar sobre os candidatos antes de votar, pois é o voto que define o perfil do governo – presidência e ministérios, além das demais instituições – e também de seus representantes nas Casas Legislativas.

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Panorama - Qual a análise que o senhor faz dos primeiros seis meses do governo Dilma Rousseff?

Freire - É um governo que envelheceu precocemente. Em um semestre, quatro ministros caíram; três deles por denúncias graves de corrupção e um quarto por incontinêcia verbal. Na economia, dá continuidade ao que seu antecessor vinha fazendo, ou seja, beneficiar fundamentalmente o setor financeiro, o grande capital como nunca antes se viu neste país. Por outro lado, inacreditavelmente, não deu aumento real ao salário mínimo, interrompendo uma prática que tinha 16 anos, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelo governo Lula. Vetou o reajuste das aposentadorias e pensões acima de cinco salários mínimos. Péssimo sinal de que o ajuste a ser feito para enfrentar a crise econômica que se avizinha-e não é marolinha-vai penalizar trabalhadores e continuar subalterno aos interesses da banca nacional e internacional.E no entanto, decidiu colocar mais R$ 10 bilhões para pagar juros da dívida pública, e o corte de despesas não são aonde deveria se dar,por exemplo, na diminuição dos 39 ministérios,redução dos desmesurados cargos em comissão que servem para aparelhamento do Estado e gastar menos com propaganda,além de outros cortes nos desperdícios que são muitos. Melhorar os serviços públicos como por exemplo na saúde que seria bom não ocorre, vide, a não aprovação da emenda 29( que regulamenta os gastos dos três níveis de governo com o setor da saúde) que como candidata havia se comprometido a aprovar e não o faz.

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Panorama - O ex-presidente Lula foi uma farsa?

Freire - Foi uma fraude. Acreditava-se que ele era um homem de esquerda e que faria um governo diferente daqueles pelos quais o país já havia passado. Ao não enfrentar as necessárias reformas democráticas do Estado, nem enfrentar os gravíssimos problemas de nossa infraestrutura humana e física, conservou o atraso do país, em relação aos seus concorrentes fundamentais na economia mundial, Rússia, China e Índia. Ele deu continuidade ao receituário neoliberal e optou por programas de cunho eminentemente conservador, como o Bolsa Família,que se melhora o presente e nada aponta para o futuro, e no qual o antigo coronel foi substituído pelo Estado.

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Panorama - Pela sua experiência, nunca teremos um projeto de governo de Brasil?

Freire - Creio que teremos, sim. Podemos mudar o que não está bom com nossa mobilização,com maior participação e com o nosso voto, como já fizemos antes. Nosso país já viveu situações muito difíceis na sua história tal como recentemente com a ditadura militar de 64, e encontrou seu caminho. Encontrará novamente. O fundamental é ampliarmos e aprofundarmos o processo democrático, para que a cidadania exerça seu papel, e defina em que sociedade quer viver.

Panorama - A corrupção na vida pública é algo sem solução a médio prazo?

Freire - Não. Acredito no combate à corrupção e trabalho para isso na Câmara. Temos instituições sólidas e atuantes, como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal a que podemos recorrer. É o que o PPS faz em cada caso de corrupção denunciado pela imprensa: busca os órgãos competentes e usa os instrumentos jurídicos pertinentes para investigar os ilícitos. Cabe à sociedade cumprir o seu e não votar em quem tenha "ficha-suja", ou que seja mais conhecido por seu prontuário ou folha corrida que pelo seu currículo democrático e por sua ação republicana.

Panorama - 513 deputados não afeta a qualidade da Câmara, fazendo aparecer bobagens como, por exemplo, “O Dia do Orgulho Heterossexual”?

Freire - O problema não é de quantidade, mas de qualidade dos deputados que foram votados.

Panorama - Já temos atualmente, 27 partidos no Brasil e, futuramente, podem ser 30. Não é demais?

Freire - Não.Os partidos políticos são uma expressão da cidadania e não decisão tutelada pelo Estado.Não há um número cabalístico que indique qual o limite para que se possa limitá-los ou restringí-los. Quem fez isso foi a ditadura, que decidiu que só poderiam existir dois partidos, a Arena e o MDB, em boa hora limitação superada pela redemocratização do país em 1985.

Panorama - Como o senhor definiria o PPS no intrincado jogo da política nacional?

Freire - O PPS é um partido da esquerda democrática,que tem no poder local e na radicalidade democrática seus pontos fundamentais. Para nós, a liberdade é uma necessidade imposta pelas condições de desenvolvimento hoje. Assim como a equidade, a distribuição justa da riqueza socialmente produzida. O partido defende a transparência nos atos governamentais, a melhoria da representação política e o saneamento dos desequilíbrios enormes entre os poderes da República e os níveis da Federação, dentre muitos outros compromissos com o país. O PPS é um partido das reformas de que o Brasil tanto necessita para construir a sociedade mais justa e igualitária.

Panorama - Ser presidente da República ainda faz parte de seus sonhos?

Freire - Não podemos tratar esse sonho como algo de um indivíduo. Tem que ser minimamente de uma coletividade política, tal como ocorreu comigo e o PCB em 1989.

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