Com ou sem golpe, Bolsonaro marcha rumo ao autoritarismo, dizem Singer e Safatle

Jair Bolsonaro ensaia golpe, mais vai precisar de apoio dos militares. Enquanto isso, reforça seus poderes em embates com o Supremo e o Congresso, avaliam o professor de Ciência Política da USP, André Singer e do professor de Filosofia Vladmir Safatle,

Jair Bolsonaro, durante cerimônia do Dia do Soldado, com imposição da Medalha do Pacificador e da Medalha do Exército Brasileiro
Jair Bolsonaro, durante cerimônia do Dia do Soldado, com imposição da Medalha do Pacificador e da Medalha do Exército Brasileiro (Foto: Marcos Corrêa/PR)


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Rede Brasil Atual - Como demonstra nas últimas semanas, com a participação sucessiva em atos antidemocráticos que atentam contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro ensaia uma tentativa de golpe de Estado, incitando seus apoiadores, que são minoritários, mas aguerridos.

O sucesso na empreitada golpista vai depender do apoio dos militares. Mas mesmo que não consiga romper em definitivo com a ordem institucional, essas atitudes servem para que Bolsonaro possa acumular poder, marchando “lenta, contínua e imperceptivelmente” rumo ao autoritarismo.

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Essas são as impressões do professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) André Singer e do professor de Filosofia Vladmir Safatle, da mesma instituição. Eles debateram com a jornalista Talita Galli, no programa Bom Para Todos, da TVT, nesta segunda-feira (4), os rumos do governo em meio à pandemia de coronavírus, à saída do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e às tentativas de interferência política na Polícia Federal.

Junto a outros acadêmicos da USP, eles assinam artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 24 de abril, no qual afirmam que o afastamento de Bolsonaro da presidência deve ser a principal prioridade das forças democráticas do Brasil. Se as instituições não reagirem logo para conter tal marcha autoritária, poderá ser tarde demais, não havendo mais saídas.

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Pandemônio

“O que estamos vendo é uma escalada, que se dá durante esse período da pandemia, com uma perspectiva de implantar um regime autoritário no Brasil”, afirmou Singer, que citou a participação de Bolsonaro nos atos antidemocráticos, a última ocorrida no último domingo (3). A arma mais adequada para a sociedade se defender desse tipo de aventura golpista, segundo ele, é o impeachment.

Mas, neste momento, tal caminho parece, ao menos parcialmente, obstruído, em função da aproximação do presidente com os partidos do chamado “centrão”. Essa articulação renderia a Bolsonaro apoio suficiente para barrar, no Congresso Nacional, qualquer pedido de afastamento. Investigações determinadas pelo STF, que precisariam de autorização dos parlamentares, também seriam barradas.

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“Essa sucessão de manifestações antidemocráticas está naturalizando um processo que não pode ser naturalizado. Temos que reagir e encontrar uma maneira de bloquear esse avanço autoritário”, disse Singer.

Impeachment

Para Safatle, “o Brasil não tem a menor condição de gerir duas crises ao mesmo tempo, a do coronavírus e a de Bolsonaro.” Ele ressalta que Bolsonaro não apenas atenta contra as instituições democráticas, como coloca a vida da população em risco.

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Além da obstrução legislativa, o filósofo lembra que os processos de afastamento, no Brasil, dependem do apoio popular para serem impulsionados. Com o coronavírus, manifestações de rua se tornaram temporariamente inviáveis. “Parece que agora estamos numa situação meio invertida, como se o Congresso desse início ao processo de impeachment, e isso mobilizasse a população.”

Ele também criticou a “desorganização” da esquerda brasileira, que deveria liderar esse processo. Segundo ele, falta liderança e direcionamento na atuação dos partidos, o que contribui para maior desmobilização do conjunto da sociedade.

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Autoritarismo furtivo

Para Safatle, o horizonte de Bolsonaro é o golpe. “Ele vai tentar agora, vai tentar daqui a um mês, dois meses, seis meses. Até 2022, ele vai estar tentando.” Apesar de não haver endosso aparente do conjunto das Forças Armadas a essa empreitada golpista, o filósofo afirma que é preciso o apoio apenas de uma parte mais “ousada” dos militares, que traria o restante da corporação a reboque, como ocorreu no golpe de 1964. “Se ele conseguir puxar um setor das Forças Armadas, o resto vem.”

Para Singer, “não vai haver golpe, não temos que pensar em termos de golpe”. Processo ainda mais perigoso, segundo ele, é o chamado “autoritarismo furtivo”, termo cunhado pelo cientista político polonês Adam Przeworski. É o que vem ocorrendo, por exemplo, na Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán se aproveitou da pandemia e conseguiu uma autorização do Legislativo para governar a partir de decretos.

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“A situação é mais complicada do que isso porque estamos caminhando todos os dias na direção do autoritarismo, lentamente, imperceptível e continuamente. Bolsonaro vai ficar tentando, mas não é que queira dar um golpe. Ele vai tentar expandir a sua concentração de poder a partir de embates sucessivos e cada vez mais altos”, disse Singer.

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