Atas indicam que Ministério da Economia não teve pressa para regulamentar Lei Aldir Blanc

Setor cultural ficou à margem de prioridades do governo e cobranças dos municípios demoraram a surtir efeito

Ministério da Economia em Brasília
Ministério da Economia em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)


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Agência Pública - A relação do governo Bolsonaro com o setor cultural foi conturbada desde o início do seu mandato, quando o então presidente extinguiu o Ministério da Cultura, cumprindo uma promessa de campanha.

“Nós vamos extinguir o Ministério da Cultura (MinC) e teremos apenas uma secretaria para tratar do assunto. Hoje em dia, o Ministério da Cultura é apenas centro de negociações da Lei Rouanet”, disse Bolsonaro em 2018. De fato, o MinC sob Bolsonaro foi transformado em Secretaria Especial de Cultura — primeiramente abrigada na pasta da Cidadania e depois no Ministério do Turismo.

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Em junho de 2020, com três meses de pandemia, foi sancionada através de decreto a Lei Aldir Blanc, idealizada pela Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ). A Lei, que tinha como objetivo dar um auxílio financeiro de R$3 bilhões para o setor em crise, recebeu esse nome em homenagem à Aldir Blanc, compositor, sambista e escritor brasileiro que morreu em maio de 2020, vítima do coronavírus.

A lei foi sancionada depois de pressão da sociedade civil e da classe artística, que cobrava medidas emergenciais do governo para ajudar os trabalhadores do setor cultural durante o período de isolamento.

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Atas sigilosas obtidas pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que o processo de regulamentação da lei foi conturbado e pouco célere na condução do poder executivo. 

Os registros são das reuniões do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 (CCOP), que se reuniu 233 vezes entre março de 2020 e setembro de 2021.

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A Lei Aldir Blanc é citada 54 vezes nas atas e mostra que o Ministério do Turismo foi pressionado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) para decretar e iniciar as atividades de repasse.

Apesar do decreto ter sido publicado no Diário Oficial da União no dia 30 de junho de 2020, a lei só foi regulamentada mais de um mês depois, em um novo decreto do dia 17 de agosto de 2020, quando o país já completava 5 meses de pandemia.

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Em uma das primeiras citações que aparecem nas atas, no dia 15 de julho de 2020, a Secretaria de Governo (SEGOV), informou dúvidas sobre a operacionalização da lei. Já na reunião do dia 29 do mesmo mês, a secretaria informou que havia “pendência de regulamentação da Lei Aldir Blanc (CNM pede Decreto)”. No decorrer das reuniões, o Ministério do Turismo demonstrava pressa para que a lei fosse decretada e pedia ajuda de outros ministérios, como o da Economia, comandado pelo ministro Paulo Guedes.

As atas mostram que o MTur pedia apoio à pasta de Guedes desde o final de julho, e que no dia 05 de agosto o ministério “pediu apoio para publicação do Decreto regulamentador da Lei Aldir Blanc que está no ME para que possam assinar e repassar os recursos da Lei”. O MTur pedia pressa para que Guedes assinasse. Nas reuniões seguintes, a pressão pela publicação do decreto continuou. A publicação ocorreu somente no dia 17 de agosto de 2020.

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Nas reuniões posteriores, o MTur passou a fazer atualizações sobre os estados e municípios alcançados pela lei, além de informar a porcentagem de recursos repassados.

As atas obtidas pela Pública também mostram insatisfação com a difusão das ações do Ministério, já que em 25 de setembro de 2020 o MTur ressaltou “a importância da divulgação/comunicação mais efetiva sobre os repasses do governo federal aos estados”. Na ocasião, a pasta também informou que havia concluído o repasse da totalidade dos recursos para os estados.

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No âmbito da comunicação, o então ministro do turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e o Secretário especial de Cultura, Mário Frias, foram criticados nas redes por dar os créditos dos repasses exclusivamente para o Governo Federal. Em vídeo comemorando os resultados da Lei Aldir Blanc, publicado no Twitter do ministério, usuários questionaram a falta de citação à Benedita da Silva, deputada responsável por idealizar o projeto.

Mesmo após concluir 100% dos repasses previstos para estados e municípios, o Ministério do Turismo continuou pressionado por entidades municipais, como a CNM, como mostra a ata da reunião do dia 02 de dezembro de 2020, em que a Confederação pediu “mais prazo para operacionalização, tendo em vista regras estabelecidas por Estados”. 

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Os pedidos para mais prazo de operação da lei continuaram nas reuniões seguintes. Na ata do dia 28 de dezembro de 2020 a Secretaria de Governo (SEGOV) informou que as associações municipalistas relataram uma demora na regulamentação dessa Lei, o que provocaria uma estagnação nos recursos. 

O representante da SEGOV ainda informou que existia o pedido de prorrogação do prazo e pediu informações para MTur sobre a demanda. A pressão das associações teve efeito e no dia 29 de dezembro de 2020 foi publicado no Diário da União a prorrogação do prazo para destinação de recursos da Lei Aldir Blanc.

Nas reuniões que seguiram em 2021, foram poucas as citações sobre a lei. Na primeira citação, no dia 06 de janeiro, a SEGOV informou que, apesar da prorrogação do prazo, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) registrou alguns pontos que precisavam ser acompanhados pela secretaria. 

A FNP apareceu em outras duas atas, nos dias 26 de fevereiro e 01 de março de 2021, que mostram que foram realizadas reuniões com a Frente Nacional que questionou sobre um possível Decreto para atualizar a regulamentação da Lei.

A última citação sobre a Aldir Blanc, no dia 10 de março de 2021, classificava a continuidade da lei como uma demanda da SEGOV. O Comitê continuou se reunindo até setembro daquele ano, mas não tratou sobre ações emergenciais para o setor cultural.

No dia 05 de maio de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente a Lei Aldir Blanc 2. A lei buscava estender por mais cinco anos o benefício previsto na primeira versão. Na época, como argumento para o veto, Bolsonaro disse que o projeto era “inconstitucional e contraria o interesse público”.

O veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional, e a política terá vigência de cinco anos, e o valor global previsto, de R$ 3 bilhões, deverá ser entregue a partir deste ano de 2023.

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