Alencar, o vice que Serra não quis
Os bastidores de como ele entrou na chapa de Lula em 2002 depois de ser esnobado pelos tucanos
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247, Marco Damiani – Corria o ano de 2001. No gabinete em Brasília do então senador José Alencar, que exercia o mandato pelo PMDB, o geólogo, fazendeiro e também mineiro Everaldo Gonçalves é chamado para falar sobre política.
- Vou ser candidato ao governo de Minas, iniciou Alencar.
- Deixa disso, Zé, você vai ser vice-presidente da República.
- Por que você está falando isso?
- Porque todo candidato precisa de um mineiro, uai. E lá em Minas você vai perder para o Newton Cardoso. Fica quieto aqui que você vira vice.
- Será?, perguntou o senador. O (Anthony) Garotinho é uma boa pessoa, o Ciro (Gomes) também. Outro dia conheci o (José) Serra e gostei muito dele também.
- Zé, fica quieto que se você sair de vice do Lula pode ir comprando o terno da posse, retrucou o amigo Gonçalves.
- É, na última eleição de presidente eu quase votei nele. Quase, repetiu Alencar.
Homem de não deixar para amanhã o que pode fazer agora, Everaldo Gonçalves já se mostrara, então, um bom conselheiro para Alencar. Eles se conheceram em 1994, quando Gonçalves era coordenador em Minas da campanha de Orestes Quércia para presidente da República e Alencar concorria ao governo do Estado – ficou em terceiro lugar, atrás de Eduardo Azeredo, o vencedor, e Hélio Costa. Na ocasião, Gonçalves chegou a conseguir 60 toneladas de papel para a campanha de Alencar e, nas idas e vindas de comícios e reuniões, ficaram amigos. O primeiro bom conselho dele para o homem falecido que hoje emociona o Brasil foi o desistir de uma candidatura.
- Everaldo, vou sair para deputado federal, disse Alencar ao conselheiro informal, quatro anos depois, em 1998.
- Zé, deputado é despachante de luxo, você não nasceu para isso. Você vai ser é senador da República.
- Isso não dá para mim, é muita coisa, disse o postulante.
- Vamos ver se não vai dar...
A sorte, então, entrou no jogo. Itamar Franco saiu candidato a governador de Minas e chamou Alencar para figurar em sua chapa, exatamente na condição de candidato a senador. Pelo PMDB, Itamar venceu e catapultou para o Senado o empresário que não queria ser mais do que deputado. Eleito, Alencar ligou para Everaldo:
- E não que ‘ocê’ estava certo?!?...
Passa o tempo e chega-se a 2001. Alencar, ‘senadorzão’ por Minas. Gonçalves, fazendeiro bem sucedido, descobridor de lavras bem fornidas como geólogo. Tudo andando bem para ambos. Conversam sempre e a cena lá de cima, da conversa no gabinete, quando Everaldo tirou Alencar do rumo do governo do Estado para levantar a chance da Vice-Presidência da República, havia acabado de acontecer. Gonçalves está, então, em plena articulação para fazer do amigo o candidato a vice de algum candidato na eleição do próximo ano, o de 2002. Afinal, como ele dissera para Alencar, “todo candidato a presidente precisar de um mineiro”.
Menos um, ao que se sabe agora, pelas revelações de Gonçalves ao Brasil 247.
- Passei a mão no telefone e liguei para o Aloysio Nunes, que era ministro-chefe do Gabinete Civil do Fernando Henrique, lembra ele.
O seu recado foi direto, inclusive porque ambos, ele e Nunes, se conheciam muito bem:
- Aloysio, o Zé Alencar topa ser vice do Lula ou do Serra. Vocês vão deixar passar?
- A gente não sabe nem se o Serra será candidato.
- Mas vai ser, Aloysio, a gente sabe.
- Não sabe.
- Bom, eu sei que o Zé tem uma audiência com você na próxima semana. Usa o meu nome como senha, fala que vocês têm um amigo comum que é o Everaldo. Daí pra frente a conversa pode engatar.
- Vamos ver.
Mas, ao que conta Everaldo – o senador Aloysio Nunes deverá falar com Brasil 247 na próxima semana -, a senha não foi dada, a audiência no Planalto aconteceu, mas não derivou para a política. As coisas ficaram por isso mesmo: o PSDB perdeu a chance de, ao menos, considerar o nome de Alencar para a vice de Serra que, como todos suspeitavam, foi sim candidato em 2002.
Gonçalves, porém, não havia desistido da missão de trabalhar por Alencar como vice. E ali pelo mês de junho de 2001, a oportunidade de uma nova estocada surgiu numa churrascaria de Montes Claros, onde ele tinha fazenda, no interior de Minas. Um ato político levou até a cidade o então deputado Aluízio Mercadante. Fez-se uma mesa que incluiu o também então deputado Nilmário Miranda, amigo de Gonçalves, que o convidara para o jantar. Lá pelas tantas, Gonçalves e Mercadante descobrem um ponto importante em comum no passado de ambos: a passagem pela Universidade de São Paulo, nos anos de 1970, quando o primeiro fora professor de Geologia e o atual ministro da Ciência e Tecnologia era estudante da FEA. O papo ficou mais animado ainda quando Gonçalves lembrou o que o rapaz que dava nome ao Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, Alexandre Vanucchi Leme, fora seu aluno.
- Então você conheceu o ‘minhoca’!, exclamou Mercadante, que havia sido amigo do líder estudantil desaparecido durante a ditadura militar. E o papo avançou, criando as melhores condições para Gonçalves aparecer com sua frase feita:
- Olha, o Zé Alencar quer ser vice do Lula...
Gonçalves explica, ao contar toda a história, que também mandou o mesmo recado, naquela mesma noite, ao deputado Nilmário. “Trabalhei em duas frentes”, justificou ao Brasil 247.
O tempo correu mais uma vez. Em Belo Horizonte, o senador José Alencar ganha um jantar em homenagem aos seus 50 anos como empresário. Cinco governadores de Estado comparecem. Pré-candidato a presidente em 2002, a eleição que iria, finalmente, vencer, Lula primeiro disse que não queria, mas por insistência do partido, foi ao jantar. Chegou e discursou. José Dirceu também falou. Ambos se sentaram na mesa de Alencar. Lula, que jamais o vira, gostou da empatia do homem que seria seu vice. Depois do jantar, Lula mencionou a Dirceu a possibilidade de ter Alencar como vice. José Dirceu, então, foi fazer as devidas checagens no partido. Ouviu, entre outros, Mercadante e Miranda, que, ainda lembrando do jantar na churrascaria de Montes Claros, deram seu aval. Na sequência, convidado formalmente pelo PT, Alencar saiu do PMDB para entrar no PL e poder se coligar a Lula. Como se viu, ambos venceram as eleições de 2002, repetiram o feito em 2006 e fizeram história.
- Uai, qual é a novidade para mim? Eu ‘num’ disse pro Zé comprar o terno de posse se fosse com o Lula?, diverte-se hoje Gonçalves, também ex-presidente da Companhia Paulista de Força e Luz, que resolveu contar esses bastidores em homenagem à memória do amigo que se foi.
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