Agora, só uma Constituinte
Este é o título de um artigo escrito em 2006 e ressuscitado por causa da proposta do PSD
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Do novo PSD, quem diria, vem a proposta de se convocar uma assembleia constituinte exclusiva para votar um novo pacto federativo e as reformas política, tributária, administrativa, trabalhista e previdenciária. A defesa de uma constituinte, na América Latina, é associada à esquerda, mais especificamente ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que com ela conseguiu derrotar a direita e reforçar seus poderes. Os liberais e a direita no Brasil reagem quando se fala nisso como se fosse o prelúdio de uma ditadura de esquerda.
Mas o PSD não é de esquerda – nem de direita, como faz questão de frisar o prefeito Gilberto Kassab – e por isso a proposta ganha outra conotação. Inclusive o fato de ter sido detalhada pela senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e líder do agronegócio no Congresso, desperta suspeitas pelo outro lado: uma articulação de centro-direita para mudar a Constituição segundo seus desejos.
A constituinte que o PSD propõe seria eleita mediante listas fechadas apresentadas pelos partidos, tendo metade dos membros do Congresso (297). Isso coloca em questão um ponto fundamental: se a constituinte é necessária porque o Congresso Nacional nada decide, de que adiantaria ter um minicongresso com representantes indicados pelos partidos?
De qualquer maneira, seja qual for a intenção, é uma discussão importante e atual, diante do quadro vivido pelo país: nada se muda, porque os políticos e os magistrados não querem que mude. Abundam exemplos e demonstrações disso.
Há cinco anos, em 2006, escrevi para o Correio Braziliense um artigo sobre o tema. Fui relê-lo e constatei que ainda é bem atual. Nele, defendo a convocação de uma constituinte exclusiva, mas com a possibilidade de serem eleitas pessoas não filiadas a partidos políticos e, de preferência, que se comprometessem a não disputar eleições seguintes.
Na época, achava que a situação era crítica. Mas hoje está muito pior.
O artigo de 2006:
“Caixa dois nas eleições, mensalões e mensalinhos, compra de votos nas casas legislativas, nomeações políticas para atender interesses privados e partidários. Todos os que acompanham a política brasileira sabem que essas práticas não são novas e existem há muitos anos. Todos sabem também que não são privilégio de um ou outro partido, são generalizadas. E não são apenas federais, são também estaduais e municipais.
Quem acompanha a política brasileira de perto acha graça vendo alguns políticos não atingidos pelas mais recentes denúncias e acusações posarem de vestais e padrões de honestidade. Chegam mesmo a participar de manifestações públicas contra a corrupção, dão entrevistas na televisão... Como se nunca tivessem recorrido ao caixa 2. No mínimo.
Essas constatações óbvias em nada reduzem a responsabilidade dos envolvidos nas denúncias de corrupção. O que se esperava era que tudo fosse apurado e os culpados fossem punidos. Mas não é o que será feito. Nem tudo será apurado, nem todos os culpados serão punidos, como já se vê. Apenas algumas coisas serão apuradas, apenas alguns serão punidos.
Por isso, o mais importante é que essa crise contribua para que a sociedade reflita sobre como reduzir drasticamente – já que acabar é impossível – as possibilidades de manter os esquemas de corrupção, provocados ou não pelas disputas político-eleitorais. Essa reflexão tem acontecido e são muitas as manifestações, de pessoas e instituições, a esse respeito.
Mas essa reflexão tem de ser seguida de ações concretas. O que significa fazer mudanças profundas: na Constituição, na legislação, nas normas e nos comportamentos. Sem ampliar o âmbito dessas mudanças e sem aprofundá-las, passaremos esse momento de tensão e, com o tempo, tudo voltará a ser como antes.
Não basta, portanto, fazer algumas maquiagens, mudanças superficiais, reformas ligeiras. É preciso mexer no sistema eleitoral, na legislação sobre os partidos, nas normas para preenchimento de funções públicas, no funcionamento do Congresso Nacional e do Judiciário, nas relações federativas, nas leis penais, no sistema tributário (o que é a sonegação senão uma forma de corrupção?). Mexer no que for preciso mexer para que o País se renove.
As condições objetivas para fazer isso existem: nunca as instituições políticas e de governo estiveram tão desprestigiadas. Nunca os parlamentares e os políticos foram tão atacados e malvistos. Momentos assim incentivam situações de caos, golpes de estado, revoltas e revoluções. Não é à toa que têm surgido palavras de ordem pelo voto nulo. O “que se vayan todos!” dos vizinhos hispânicos encontra a versão brasileira “fora todos!”
Não há no País, porém, condições para golpes ou revoluções e a simples rejeição à política e aos políticos a nada levará se não for acompanhada de uma alternativa real para mudar o quadro.
A solução tem de ser institucional, mas o Congresso Nacional não é capaz de discutir e muito menos realizar essas mudanças, como tem demonstrado. Os atuais congressistas, em que pese a generalização, não têm hoje legitimidade, credibilidade ou respeitabilidade para isso.
Na percepção popular, a maioria do Congresso não age movida pelo interesse público. Há inúmeros exemplos para mostrar que boa parte de nossos congressistas defende seus interesses próprios e dos negócios que representam, dos grupos econômicos que patrocinam suas eleições.
Se depender do Congresso, nada muda. Por isso, as mudanças que precisam ser feitas só terão legitimidade se discutidas e aprovadas por uma Assembléia Constituinte. E obviamente essa constituinte não pode ser, como a de 1987-88, composta pelos deputados e senadores, que votam olhando para suas possibilidades de reeleição e o próprio futuro político, e não pensando nos interesses do País.
O momento exige uma Assembléia Constituinte soberana e exclusiva, integrada por representantes eleitos pela população independentemente de partidos, ou seja, sem necessidade de filiação partidária. O ideal mesmo seria que os eleitos para essa Constituinte tivessem de se comprometer a não disputar cargos eletivos por um bom período.
Há, claro, muitos problemas para efetivar essa Constituinte. O principal é a convocação, pois a maioria do Congresso Nacional, agora ou em 2007, não será simpática a essa idéia. Mas havendo vontade política do governo federal, atual ou futuro, e uma forte reivindicação da sociedade, ficará mais difícil aos congressistas rejeitar a convocação. Depois, os demais problemas serão resolvidos. As dificuldades políticas e operativas não podem ser pretexto para deixar de lado a solução.
Uma Assembléia Constituinte soberana e exclusiva, realmente sintonizada com a população e com a diversidade dos interesses legítimos da sociedade, pode fazer um grande trabalho em muito pouco tempo. E assim essa crise terá gerado uma grande oportunidade para o Brasil.”
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