A guerra-relâmpago de Dilma
A presidente não tem nenhum projeto político que precise do Congresso. Nada, nada. Seu pacto agora é com Mefistófeles, o demônio do progresso. Pode, portanto, tentar varrer parte da corrupção na Esplanada a fim de sobrar mais dinheiro para mega-obras
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Muito antes de Adolf Hitler desencadear sua blitzkrieg para conquistar toda a Europa, o césar Juliano inventou a guerra-relâmpago, ainda no Século IV, levando seus legionários da Gália diretamente para Constantinopla, sem paradas, e tornando-se assim o primeiro romano a governar, simultaneamente, os Impérios do Oriente e do Ocidente. Quando se olha os acontecimentos presentes pela perspectiva da História, descobre-se que os fatos sempre se repetem, com quase nenhuma originalidade, mas com muita farsa. A presidente Dilma Roussef está, neste exato momento, exercitando a mesma doutrina tática de Juliano e de Hitler, utilizando suas forças móveis para desfechar ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de evitar que as forças adversárias tenham tempo de organizar a defesa.
A guerra-relâmpago da presidente contra os mesmos políticos que compõem a aliança que a levou ao poder foi oficialmente declarada na manhã de 8 de Agosto, quando a Polícia Federal invadiu o Ministério do Turismo e prendeu 38 autoridades públicas acusadas de formar uma quadrilha de corruptos. São todos afilhados de políticos do PMDB, em especial do senador José Sarney, presidente do Congresso Nacional. Antes disso, ela começou a desmontar, com escaramuças indiretas, os esquemas montados pelo mesmo PMDB no Ministério da Agricultura, demitindo, em especial, os afilhados do vice-presidente Michel Temer e do líder do governo no Senado, Romero Jucá.
Ainda antes, iniciou uma faxina no Ministério dos Transportes, onde também havia sido instaurada há oito anos uma quadrilha de assalto aos cofres públicos, esta, sob o comando de um triunvirato abrigado sob a legenda do PR, os senadores Alfredo Nascimento e Blairo Maggi, em parceria empresarial com o deputado Valdemar da Costa Neto, todos eles, oficialmente aliados. Voltando dois meses no tempo, ela igualmente defenestrou Antônio Palocci do posto de primeiro-ministro, implodindo com o principal pilar do ex-presidente para continuar mandando pelos bastidores. (Poupo aqui das citações Nelson Jobim, da Defesa, pois sua demissão é de outra natureza).
A doutrina da guerra-relâmpago, blitzkrieg em alemão, prevê a utilização simultânea de três elementos táticos -- o efeito surpresa, a rapidez da manobra e a brutalidade do ataque – para que atinja o objetivo principal de desmoralizar o inimigo e desorganizar suas forças, paralisando seus centros de controle. Assim está fazendo Dilma Roussef com os aliados.
Como nas táticas militares, ela vem conduzindo suas forças com bastante precisão. Primeiro entram em campo as equipes de inteligência. São elas as famosas “fontes do Planalto”, ou da Polícia Federal, ou ainda petistas da mais total confiança, que vazam para jornalistas informações sobre esquemas de corrupção. Os jornalistas, sempre ávidos por um furo, têm feito o papel dos arqueiros de Juliano, ou da artilharia de Hitler, preparando o terreno para a entrada da cavalaria. A Polícia Federal faz o papel da cavalaria, entrando de forma relâmpago nas profundezas do território inimigo. Por fim entram em campo um conjunto de forças “judiciais”, o Tribunal de Contas, a Controladoria da União, o Ministério Público e a própria Justiça, que acabam cumprindo o papel da infantaria, a tropa de ocupação, mantendo todos paralisados, na defensiva, às voltas com infindáveis processos e investigações.
Sob o ponto de vista da ética e da moralidade, Dilma está fazendo o certo. São deveres do soberano zelar pela coisa pública, manter a ordem, promover a eficiência da gestão, demitir afilhados suspeitos de ministros ou de senadores, trabalhar para colocar os bandidos na cadeia. Nesse ponto, todos nós, os cidadãos, devemos aplausos a Dilma.
O que se discute aqui são as verdadeiras intenções políticas que estão por trás dos últimos movimentos de Dilma. A primeira questão é saber se Dilma, como Lula, não sabia de nada sobre o que acontecia nos bastidores da Casa Civil de Palocci, do Ministério dos Transportes, da Agricultura e, agora, do Turismo. Difícil acreditar que alguém com o perfil de Dilma, centralizadora, controladora e maníaca por informações de bastidores, não soubesse com antecedência que sua “cavalaria”, a Polícia Federal, iria promover um arrastão em 38 autoridades federais numa só manhã, toda a cúpula de um ministério, enviando para a cadeia, simultaneamente, apaniguados do presidente do Senado José Sarney, do PMDB, e da senadora Marta Suplicy, pré-candidata do PT à Prefeitura de São Paulo. Só foi poupado o ministro Pedro Novais, 80 anos, deputado federal, com dupla imunidade, portanto. Será que Dilma, como Lula, não sabia?
Como reza o ditado popular, “jabuti não sobe em árvore, e se tem algum em cima de um galho, é porque alguém o colocou lá”. Portanto, se há tantas denúncias na imprensa contra os esquemões políticos no governo, se até mesmo a “cavalaria” promove blitz em ministério, é porque tem alguém muito poderoso por trás.
Dilma sabe exatamente como funciona o sistema político brasileiro. São cerca de 30 mega corporações do porte de Bradesco, Votorantim, Gerdau ou Odebrecht, financiando quase totalidade dos políticos federais e boa parte dos estaduais. Em troca, muitas delas costumam pedir favores públicos, como licitações dirigidas, dinheiro do BNDES ou sociedades com os fundos de pensão das Estatais. Até aí, nenhuma novidade. Os políticos, por sua vez, vivem em eterna chantagem com o Poder Executivo. Só votam no Congresso os temas de interesse dos governos, se lhes concederem feudos ou capitanias nos ministérios e órgãos públicos. Controlando os feudos, negociam direto com as empresas que financiam suas campanhas.
É um círculo vicioso. É mais ou menos assim em qualquer democracia capitalista. Sempre foi assim no Brasil desde o Estado Novo de Getúlio, com maior ou menor nível de corrupção dependendo do governo. A atual formatação do sistema político-empresarial, com Fundos de Pensão e BNDES, foi montada durante o governo FHC. Mas foi nos dois governos de Lula que os esquemas se elevaram à enésima potência, consolidando os atuais personagens políticos e econômicos.
Dilma Roussef, primeiro como ministra-chefe de Lula, depois como candidata à presidente, participou da arquitetura empresarial (e política) das principais obras do PAC. Mega-empreendimentos, na casa dos bilhões de dólares, como o conjunto de hidroelétricas de Jirau e de Belo Monte; a transposição do São Francisco; a exploração do pré-sal, de toda a cadeia do petróleo e da petro-química; a privatização do Aeroportos e todo o conjunto de obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A arquitetura de todos esses setores foi montada ainda no governo Lula.
Alguns feudos relevantes, contudo, ficaram de fora do controle de Dilma. Primeiro, a relação com o mercado financeiro. Manteve-se com Lula, através de seu preposto Antônio Palocci. Caiu. Com o triunvirado do PR ficaram as milhares de obras nas rodovias federais, tocadas pelas médias empreiteiras. Há vários outros feudos de grande de dinheiro público, como o Ministério da Agricultura (PMDB de Temer), do Turismo (do PMDB de Sarney) e as obras de saneamento do Ministério das Cidades (PPB de Maluf), todos ruindo pela blitzkrieg ora em movimento.
É certo que a presidente sabia de todos os compromissos políticos e empresariais quando aceitou os apoios dos grupos partidários que cerraram fileiras para elegê-la. Sabia exatamente por quais razões não-republicanas Lula e Valdemar insistiam em indicar Alfredo Nascimento para os Transportes; ou Temer exigia Wagner Rossi na Agricultura. Dilma sabia de tudo e tomou posse tudo aceitando.
Intriga entender por qual razão, afinal, Dilma Roussef agora decidiu deflagar uma guerra-relâmpago contra todos eles ao mesmo tempo. É óbvio os principais caciques políticos da República vão se unir para tentar dar o troco na presidente. Já articulam até uma CPI contra o PT; falta ainda decidir o assunto. Mas até onde vai essa guerra? A principal questão é saber se a retaliação dos caciques políticos aliados (ou ex-aliados) vão acabar comprometendo a governabilidade. Há duas perguntas preliminares a serem feitas, cujas respostas indicam o futuro político e econômico do Brasil nos próximos três anos.
Primeira pergunta: Dilma precisa dos políticos? Resposta: Agora não. Mas pode precisar lá na frente, se porventura quiser ser candidata à reeleição. Nesse caso, terá que se voltar contra seu criador, Lula. Mas Dilma tem saúde para tentar um segundo mandato? Ou tem força para se voltar contra Lula? Mais do que o exercício do poder, a esta altura da vida, é provável que a grande ambição de Dilma seja a histórica. E ela só conseguirá entrar para a História como protagonista se fizer um bom governo. Talvez seja essa a principal razão de sua guerra-relâmpago.
Então vem a segunda questão preliminar: Dilma precisa do Congresso Nacional para fazer um bom governo? A rigor, ela não precisa dos políticos para absolutamente nada, a não ser para manter a aparência de que por aqui existiria uma democracia representativa. Ela não tem um único projeto relevante a ser votado pelo Congresso. Não pretende promover ao longo de seu mandato nenhuma das reformas estruturais relevantes e necessárias. Nem a reforma tributária. Nem a política. Nem a sindical. Nada, nada, nada.
O único projeto conhecido de Dilma é tocar grandes obras. Apesar de se dizer marxista, Dilma transborda um imaginário totalmente positivista, tecnocrático. Para ela, assim como para as viúvas de Augusto Comte, governar é abrir estradas – nesse caso, um eufemismo para infra-estrutura. Dilma já deixou absolutamente transparente, tanto em seus discursos quanto nos rastros de seus atos, que sua grande ambição histórica é deixar como legado mega-empreendimentos, principalmente de energia e de transportes, no melhor estilo JK. Não precisa do Congresso para agir; só precisa de mais dinheiro. Ou menos gastos.
Dilma é a mais pura encarnação do Fausto, o antológico personagem imortalizado por Goethe. Reza uma lenda popular alemã, baseada na história do médico, mago e alquimista Johannes Georg Faust, que esse homem das ciências, desiludido com conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles, que o encheu com a energia luciferiana insufladora da paixão pela técnica e pelo progresso.
Nossa ilustre presidenta, como faz questão de ser chamada, está em seu momento de Doutor Fausto. Decerto desiludida com os políticos de seu tempo, gente como Sarney, Temer, Jucá e Valdemar, passou a acreditar que, afastando-os do exercício do poder, talvez sobre mais dinheiro para investir no progresso do Brasil. Resta saber quem é seu Mefistófeles, o demônio que a aconselhou a usar a blitzkrieg de Juliano e de Hitler contra os aliados de outrora.
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