A arrogância dos invasores
Grileiros agem à solta em área nobre de Brasília. Ninguém vê esse crime?
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Um grupo de grileiros parcela e vende terras que obviamente não são suas em uma área nobre de Brasília: ao lado da Ermida de Dom Bosco e do parque que a cerca, bem em frente ao Palácio da Alvorada, às margens do Lago Paranoá. Ali, sem autorização do governo, sem cumprir formalidades legais, sem licenças e se aproveitando da omissão dos governantes, são construídas casas e mansões, raras delas sem piscina. Surge assim, em região nobre, violando todas as normas urbanísticas e ambientais, uma nova área residencial para a classe média alta. Hoje são 1.500 pessoas, com boa renda, morando a poucos minutos do centro do Plano Piloto.
Isso acontece na capital federal, no centro do poder. Em uma cidade projetada, desenhada. No bairro tido como o dos ricos de Brasília, o Lago Sul. A área ilegal tem um nome cafona: Villages Alvorada. É um condomínio fechado, com guarita e cercado por muros. Mas não é caso único em Brasília. É apenas o mais visível, pela sua localização privilegiada. Há inúmeros outros condomínios de pessoas que têm boa renda, construídos em terras públicas invadidas e em terras particulares que não poderiam ser parceladas e destinadas a moradias. Estão, inclusive, na região em que deveria ter sido construído o segundo lago artificial de Brasília.
Para se chegar a essa situação, em um processo que começou há quase 40 anos, grileiros, donos de terras, ocupantes e compradores contaram com ajudas inestimáveis daqueles que deveriam zelar pela ordem, pela legalidade e pelas normas urbanísticas e ambientais. Contaram com autoridades que fecharam os olhos, funcionários que não fiscalizaram e juízes que, por sentenças e liminares, deram fôlego às atividades criminosas. Sabe-se lá por que, ou por quanto. Certamente mais por quanto do que por quê.
Os vendedores dos lotes irregulares nada tinham de bobos. Vendiam terrenos, e até os davam de presente ou a preços camaradas, para autoridades públicas dos três poderes, policiais, advogados conhecidos, deputados. Tinham assim a conivência de poderosos e um bom argumento de venda: Fulano já comprou. Logo, ninguém vai mexer com a gente.
E ninguém mexeu mesmo. Os moradores dos condomínios se organizaram, pessoas honestas (poucas) e picaretas (muitas) assumiram a liderança deles em defesa da regularização. Os políticos passaram a cortejar aqueles votos, ninguém quer brigar com os moradores de condomínios, estimados em 400 mil. E assim aqueles parcelamentos ilegais tornaram-se fatos consumados, irreversíveis. O melhor a se fazer agora é regularizá-los, tentar dar uma arrumada na desordem urbanística e ambiental que causaram.
É isso que os últimos governos e desgovernos do Distrito Federal têm tentado fazer. Não é tarefa fácil, pois envolve questões de propriedade, de uso e ocupação do solo, de normas urbanísticas, de respeito ao meio ambiente. Moradores têm de pagar de novo pelo que já pagaram, de boa (poucos) ou má-fé (muitos), às pessoas erradas – os grileiros. Há condomínios ocupando terras públicas e terras que têm outros donos.
Voltamos ao Villages Alvorada. É uma aberração, uma mancha cinza e branca em uma área que deveria ser verde, um enclave guardado por vigilantes que vedam ilegalmente o acesso dos brasilienses às ruas e ao Lago Paranoá. Destoa das quadras próximas do Lago Sul, que são abertas, pois apenas as casas são cercadas.
Mesmo tendo comprado terras ilegalmente e construído ilegalmente, os moradores do Villages Alvorada agora anunciam que resistirão com todas as suas forças à decisão de um juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário que ordenou a demolição dos muros que cercam o condomínio. E falam “não”, “nunca” e “jamais” com autoridade, segundo reportagem do Correio Braziliense: “A guarita e o muro representam a nossa tranquilidade, não vamos abrir mão disso jamais”, diz um morador, corretor de imóveis. Outro, engenheiro: “Nunca vamos aceitar isso”. A síndica: “Não vamos abrir mão de nossa segurança”.
Não poderia nem haver casas na área, a justiça quer derrubar apenas os muros e mesmo assim os moradores se sentem cheios de razão, plenos de arrogância. Resistem também à derrubada de 15 casas e uma quadra de esportes que, contrariando frontalmente a lei, estão a menos de 30 metros do lago.
Os moradores têm motivos para sua arrogância. Sabem que há quem os proteja. Há políticos em busca de votos, há juízes que não precisam de votos. As pendências em relação ao cercamento da área vêm desde 2003, a ação civil pública do Ministério Público é de 2005. A lentidão da Justiça joga a favor deles, assim como contam com uma das maiores pragas de Brasília: as liminares que protegem todo tipo de irregularidade praticada na capital federal e impedem a ação das autoridades.
O juiz que ordenou a derrubada dos muros, Carlos Divino Rodrigues, não considerou que o governo do DF estava sendo omisso diante das irregularidades no Villages: “Não houve omissão na fiscalização da obra”, disse, “senão as limitações judiciais que lhe foram impostas por decisões liminares”.
É provável que logo apareça um juiz ou desembargador concedendo nova liminar para que os muros e a guarita que impedem a livre circulação no Villages sejam mantidos. Nunca se vai saber por que, ou por quanto.
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