Moradores de Ouro Preto acampam no Centro Histórico há mais de 60 dias em protesto contra a “privatização” do saneamento



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População está insatisfeita com a simulação dos valores das tarifas após concessão de 30 anos do sistema de abastecimento de água da cidade

Por: Rodolpho Bohrer e Rômulo Soares

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Moradores de Ouro Preto acampam no Centro Histórico há mais de 60 dias em protesto contra a “privatização” do saneamento

Desde que a prefeitura de Ouro Preto, em 2019, optou pela concessão dos serviços de água e esgoto, em detrimento de uma gestão pública sobre os serviços, um caos político parece ter se instalado na cidade. Sob a principal justificativa de que com a mudança de autarquia para o regime de concessão os distritos e bairros mais afetados pela falta de abastecimento de água seriam contemplados de forma satisfatória, o até então prefeito Júlio Pimenta optou em ceder por 30 anos o serviço à iniciativa privada por meio de licitação, realizada em 2018, e a Saneouro, um consórcio entre as empresas GS Inima Brasil e MIP, foi a empresa vencedora do certame. De lá para cá, o tema “privatização” da água é a principal pauta política na cidade e é alvo de muitos protestos da população. Apesar de ter ocorrido uma concessão, o termo “privatização” se popularizou entre a população por causa do longo período ao qual a água será explorada pelo consórcio.

Antes de sofrer a concessão, o serviço de abastecimento e saneamento básico de Ouro Preto estava sob a responsabilidade do Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE), criado em 2005 com essa exclusiva finalidade. Para ter abastecimento de água e tratamento de esgoto (ao menos supostamente), os ouro-pretanos tinham mensalmente que arcar com uma tarifa fixa que, sofrendo variações ao longo dos anos, chegou ao valor de R$ 14,95 na categoria residencial, no ano de 2018. Essa era a chamada Tarifa Básica Operacional (TBO). Ela tinha valores diferentes para cada tipo de categoria (residencial, comercial, industrial e social), apesar de que os valores pouco variavam entre si (o valor mais alto era o industrial, de R$ 54,24). Contudo, por não haver controle, falta de advertências e até mesmo insatisfação da sociedade pela defasagem de investimento, a minoria da população pagava a TBO em dia, o que dificultou o SEMAE de fazer melhorias no abastecimento e tratar o esgoto do município. Em mais de 13 anos, o município de Ouro Preto pouco evoluiu no saneamento básico e, para quem mora ou quem já visitou a cidade turística, não é difícil encontrar córregos a céu aberto com mau cheiro a metros de distância.

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Além dos problemas econômicos enfrentados pelo SEMAE, a cobrança da água pelo consumo, a chamada “hidrometração”, foi muitas vezes tratada pela oposição de forma ameaçadora e política, e não de conscientização, durante todo o período em que o SEMAE esteve atuante. Inclusive, essa pauta era um dos principais assuntos tratados nos debates eleitorais, muitas das vezes com promessas de resolver, principalmente, o recorrente problema de abastecimento de água nos bairros mais periféricos sem que se precisasse mexer na estrutura tarifária ou num possível controle do consumo.

Em meio a várias discussões e promessas de políticos pouco e/ou nada cumpridas, o SEMAE seguia o seu trabalho se limitando a pagar a folha salarial e realizando manutenções com o que arrecadava com o pagamento das TBOs, e muitas das vezes era preciso até a intervenção do Executivo para cumprir um histórico de déficit. Com todo esse cenário político e social, a população cada vez mais sofria com a precarização na atuação da autarquia em conseguir investir na melhoria no abastecimento e no tratamento do esgoto da cidade.

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Foi então que o prefeito antecessor Júlio Pimenta (MDB), eleito em 2016, resolveu fazer a concessão dos serviços de saneamento. A partir de 2 de janeiro de 2020, todo o sistema passou a ser administrado e operado pela Ouro Preto Serviços de Saneamento (Saneouro). Desde que a empresa passou a operar, o discurso político da gestão municipal era que, agora, depois de anos de dificuldades, haveria um investimento de mais de R$ 100 milhões da empresa para atender toda a população ouro-pretana com um serviço eficiente de abastecimento e esgotamento. No entanto, na prática, o que se viu não foi exatamente isso. Com todo investimento e melhorias prometidas, uma das mais rápidas e principais ações da Saneouro após se instaurar no município foram o reajuste da tarifa básica e o rápido início da instalação dos hidrômetros, dia após dia, pelos bairros e distritos da cidade.

Na campanha eleitoral de 2020, praticamente todos os candidatos - com exceção do prefeito em atividade, que disputava a reeleição - bradaram contra a Saneouro e a “privatização da água”, usando como principal argumento o fato de que a população não teria recursos financeiros para pagar a conta de água, considerando que a tarifa proposta pela empresa é uma das mais caras da região e até mesmo da COPASA, usando uma empresa estatal forte em Minas Gerais a título de comparação. Ademais, ainda há a questão do cenário pandêmico de COVID-19, repleto de crises e incertezas.

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Uma das principais vozes contra a Saneouro foi Angelo Oswaldo, candidato à prefeitura mais votado e eleito pelo PV. Durante seus pronunciamentos em 2020, não foram raras às vezes em que Angelo disse que iria extinguir o processo de concessão do sistema de saneamento, retrocedendo os serviços para o extinto SEMAE, criado por ele quando foi prefeito em uma das suas gestões passadas à frente do Executivo, entre 2005 e 2008. Esse foi um dos principais ganhos políticos de Angelo na campanha, apesar do político já possuir um relevante histórico, pois já foi prefeito em outras três oportunidades.

No seu primeiro pronunciamento após o anúncio da sua mais recente vitória eleitoral, Angelo reforçou que iria extinguir a Saneouro e retornar com o SEMAE. Contudo, depois que assumiu, o prefeito passou a ponderar o discurso, dizendo que não será uma tarefa fácil tirar a empresa de Ouro Preto. Todavia, antes mesmo da sua eleição, o prefeito era favorável à cobrança da água pelo consumo, mas que fosse o SEMAE quem assumisse essa condição, e não uma empresa privada que vai lucrar com um bem pertencente a todos os ouro-pretanos.

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O contrato feito entre o Município e a empresa estipula que 90% dos imóveis precisam estar hidrometrados para que a empresa possa começar a cobrar a tarifa da água e esgoto pelo consumo. Após a hidrometração, os munícipes passaram a receber uma simulação das contas como forma de acompanharem uma certa “estimativa” de quanto o usuário irá pagar mantendo o padrão de consumo anterior. Essa simulação, que iniciou em 2021, caiu como uma verdadeira bomba na cidade. Em meio a uma pandemia, os ouro-pretanos receberam simulações de tarifas com valores muito altos e uma disponibilização de adesão à tarifa social baixa (apenas 5%). Com isso, uma revolta popular se iniciou em Ouro Preto.

Além de vários protestos nas ruas da cidade, as comunidades dos bairros Vila Aparecida, Pocinho, São Cristóvão e do distrito de Santo Antônio do Salto impediram os funcionários da companhia de hidrometrar suas casas. E ainda, a união de vários bairros e distritos ouro-pretanos gerou em uma carta, que foi entregue à Saneouro e Prefeitura Municipal, alertando que as lideranças populares não vão permitir a continuidade da hidrometração no município. Porém, a companhia está determinada em colocar os hidrômetros nas casas mesmo assim.

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No Bairro Vila Aparecida, a Polícia Militar (PMMG) chegou a ser acionada pela Saneouro para tentar romper com a imposição da comunidade e hidrometrar as residências. Apesar de não ter tido nenhum conflito entre moradores e os militares, dois Boletins de Ocorrência foram registrados, um de autoria da Saneouro e outro dos moradores. O B.O. dos populares diz que a empresa teria coagido os populares com um documento que não é o de decisão da Justiça. Essa foi a segunda vez que os populares da comunidade barraram a instalação de hidrômetros e apenas os residentes que permitiram tiveram suas casas hidrometradas.Também como revolta popular, a Ocupação Chico Rei fez um acampamento na Praça Tiradentes, com faixas escritas "Fora Saneouro". Os protestantes já estão lá há mais de 60 dias e prometem não sair até o dia denominado como a “GRANDE CAMINHADA”. Nesse dia será entregue o relatório da CPI da Saneouro ao prefeito e ao promotor.

A mobilização popular fez com que qualquer turista que chegue à Ouro Preto veja o problema, seja pelo acampamento em um dos pontos turísticos mais importantes de Minas Gerais, como a Praça Tiradentes, ou mesmo nos distritos, onde há em diversos lugares pichações pedindo a saída da Saneouro. 

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CPI

Outra consequência das simulações da tarifa de água e revolta popular foi a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a concessão da água em Ouro Preto. Até o momento, 19 reuniões já foram feitas e 16 pessoas já foram ouvidas, incluindo o ex-prefeito da cidade, Júlio Pimenta. 

Dentre os principais levantamentos da CPI algumas questões importantes merecem destaque, como a falta de uma agência reguladora no momento da criação do edital para a licitação, e o não seguimento das recomendações do Tribunal de Contas na época da elaboração da concessão que dizia em adequar a tabela tarifária de acordo com a capacidade de pagamento dos munícipes e a questão da tarifa social de apenas 5%.

No entanto, em nenhum momento a licitação foi suspensa pelo não cumprimento das recomendações do Tribunal de Contas. Para Júlio Pimenta e outros depoentes que participaram do trâmite para a licitação, nenhum dos apontamentos feitos até o momento são suficientes para requerer a anulação do contrato. Já os membros da CPI pensam diferente e preparam o relatório que será entregue ao Ministério Público, para depois cobrar que Angelo Oswaldo cumpra com a sua promessa de campanha e retire a Saneouro de Ouro Preto.

Outro fator explorado pela CPI que chama a atenção é que a previsão era que as tarifas gerais fossem 20% menores que as praticadas pela Copasa. Porém, no edital, havia esse percentual apenas para a tarifa social destinada às famílias de baixa renda no município.

Na categoria residencial, as cobranças variam conforme o consumo mensal: na faixa de 0 a 10 m³, o valor é de R$ 3,16 por m³, já de 10 a 15 m³, é cobrado R$ 6,50, e acima de 40m³, passa para R$ 14,27. Na Copasa, que atende a maioria dos municípios de Minas Gerais, o valor para a água na primeira faixa é de R$ 1,63 por metro cúbico e na última é de R$ 12,75.

Em sua oitiva, a mais longa da CPI até o momento, com mais de 7 horas de duração, Júlio Pimenta, além de salientar a necessidade da concessão pelo fato de Ouro Preto não ter nem 1% de saneamento básico, disse que a chegada da Saneouro será o seu maior legado no município. O ex-prefeito também fez questão de explicar que não se trata de uma privatização da água, já que, ao término do contrato com a companhia (depois de 45 anos), todos os investimentos feitos na cidade tornam a ser de propriedade de Ouro Preto. 

Mas isso não é o bastante para que os vereadores parem de chamar o caso como “privatização da água”, já que se trata de uma tarifa de valor alto e uma empresa de iniciativa privada, que é de propriedade de sul-coreanos. Ou seja, a Saneouro, segundo os membros da Câmara Municipal de Ouro Preto, pensa apenas em lucro e não na realidade econômica e capacidade de pagamento da população. 

Ainda não há data definida para a entrega do relatório da CPI, mas uma manifestação popular já está sendo organizada pelos vereadores para o momento que a comissão entregar os documentos para o Ministério Público. Já se passaram quase 10 meses de mandato do prefeito Angelo Oswaldo e a Saneouro continua em pleno funcionamento na cidade. 

O vereador Júlio Gori (PSC) chegou a dizer que será o primeiro a abrir o pedido de impeachment de Angelo Oswaldo, caso ele não tire a Saneouro da cidade após a entrega do relatório da CPI. Outros vereadores, como Wanderley Kuruzu (PT), acreditam que o prefeito de Ouro Preto irá cumprir com sua promessa e que também irá cobrar o chefe do poder Executivo no dia seguinte à entrega do documento feito pela comissão.

De acordo com o superintendente da companhia, Cléber Salvi, neste mês de setembro chegaria a porcentagem mínima (90%) para poder começar a cobrar efetivamente as tarifas de água e, portanto, uma grande parcela da população cobra respostas o mais rápido possível dos políticos eleitos para que não tenha que pagar tarifas de água que não cabem no seu bolso.

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