Por: Equipe Oásis
A 10 de agosto de 1465 algo muito estranho aconteceu durante o faustoso matrimônio do rei Afonso II de Espanha e Ippolita Maria Sforza, em Nápoles: em pleno dia, o Sol primeiro se tornou azulado, e logo em seguida a escuridão se fez – fatos que muitos interpretaram como presságios de má sorte.
Nos meses seguintes, aconteceram coisas estranhas em toda a Europa. Na Alemanha choveu tanto e tão forte que nos cemitérios as sepulturas e os corpos voltavam à superfície. Nas aldeias de Thorn, na Polônia, o único meio de locomoção eram as barcas. Em toda a Europa, em pleno verão, a temperatura baixou a muitos graus abaixo de zero. Lagos congelaram, assim como os seus peixes, as plantas pararam de crescer e as flores de desabrochar. Em Bolonha, na Itália, carroças e cavalos passavam sobre espelhos d’água congelados.
A responsável pela estranha série de eventos foi uma erupção vulcânica ainda mais devastadora que a do vulcão Tambora (no arquipélago indonésio das Ilhas Sonda), que em 1815 matou cerca de 70 mil pessoas. Traços do ácido sulfúrico lançado à atmosfera durante a erupção, e depois precipitado sobre os polos, ainda hoje podem ser encontrados nos gelos polares.
Mas, afinal, onde aconteceu essa grande erupção? Qual foi o vulcão responsável? Este é um dos maiores mistérios da história da geologia.
Do outro lado do mundo
Nos anos 1950, alguns arqueólogos que trabalhavam na nação insular de Vanuatu, no Pacifico, ligaram o evento à formação da caldeira submarina de Kuwae, entre as ilhas Epi e Tongoa. Diversos séculos antes, segundo a tradição local, depois de uma série de terremotos uma erupção devastadora teria partido a ilha ao meio, formando as duais atuais.
As reconstruções dos estudiosos colocam essa grande erupção entre 1540 e 1654: um século depois do casamento de Afonso II de Aragão. Mas essas hipóteses eram uma retro-datação baseada exclusivamente naquilo que fora passado de geração em geração a propósito do número de chefes tribais que tinham reinado a partir daquele evento. Poderia, de qualquer forma, tratar-se daquele vulcão.
O grande frio
Em 1993, um cientista da Nasa descobriu que o ano 1453 foi caracterizado por um resfriamento global anômalo: um efeito tipo “aerossol” produzido pelos gases que a erupção de um enorme vulcão lançou na atmosfera. Cedo demais para coincidir com o ano do matrimônio de Afonso II, mas alinhado com a incerta datação do Vanuatu e com outros eventos meteorológicos extremos no mundo – tai como a devastadora carestia que atingiu a civilização asteca ou os 40 dias de incessantes nevascas registradas, naquele ano, na região do rio Yangtsé, na China.
As sucessivas análises da caldeira do vulcão Kuwae confirmaram que a erupção produziu uma coluna de fumaça e cinzas que se elevou a 48 quilômetros. Análises com radiocarbono de restos de árvores retroagiram a erupção aos anos 1420-1430. Um período precedente, mas de qualquer modo plausível. Mistério resolvido? Nada disso.
Uma pesquisa sucessiva realizada pela Universidade da Nova Zelândia nas ilhas ao redor da caldeira do Kuwae não revelou uma quantidade de depósitos vulcânicos suficiente para confirmar a teoria da mega erupção do século 15. Os detritos existiam, mas sua quantidade não era suficiente para justificar um evento de proporções globais. Mais que isso, concluíram os cientistas, a área pode ter sido palco de uma série de erupções menores consecutivas.
Em 2012, uma outra surpresa. A análise do conteúdo de um cilindro de gelo em Law Dome, na Antártica, possibilitou a reconstrução da cronologia dos últimos 2 mil anos de erupções vulcânicas. Conclui-se então que os eventos climáticos anômalos ocorridos durante o século 15 foram causados não por uma, mas sim duas erupções, a primeira delas em 1458, sucessiva ao evento do Kuwae. Em 2013 um estudo ainda mais aprofundado confirmou esses resultados. Como fora possível enganar-se?
O mistério permanece
Mas então, de qual vulcão estamos falando? A globalidade do evento indica a probabilidade de que a erupção tenha ocorrido em região tropical: a partir dela os ventos de alta quota empurram o ar do equador aos polos. No entanto, já que no Pacífico existem centenas de vulcões, e o culpado está hoje quase certamente desaparecido nas profundezas do mar, o enigma da sua identidade parece destinado a permanecer como tal. Mas outros cientistas sugerem que se continue procurando entre os arcos insulares – Micronésia, Polinésia, Melanésia, etc.
E voltando às bodas de Afonso II, a data é de apenas cinco anos sucessiva a uma das erupções estimadas do Kuwae: pode ser que o vulcão intermitente tenha querido dar ao soberano de Aragão um matrimônio inesquecível…
Vídeo: As 5 erupções vulcânicas mais mortais