Viver com um psicopata. Um perigo nem sempre fácil de detectar

Você vive com um psicopata? Essa pode ser a explicação, se você se sentir sempre vulnerável, com baixa autoestima, culpado, incapaz ou incompetente. O psicopata costuma ser um agressor socializado, que pode ser fisicamente violento, ou não.

Você vive com um psicopata? Essa pode ser a explicação, se você se sentir sempre vulnerável, com baixa autoestima, culpado, incapaz ou incompetente. O psicopata costuma ser um agressor socializado, que pode ser fisicamente violento, ou não.
Você vive com um psicopata? Essa pode ser a explicação, se você se sentir sempre vulnerável, com baixa autoestima, culpado, incapaz ou incompetente. O psicopata costuma ser um agressor socializado, que pode ser fisicamente violento, ou não. (Foto: Luis Pellegrini)


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Por: Luis Pellegrini

 

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Nunca antes se viram tantos artigos sobre psicopatas, sociopatas e narcísicos circulando na Internet e nos ambientes onde são discutidas questões ligadas à psicologia e ao comportamento. Parte desse material apresenta um rigor científico bastante duvidoso, mas não deixa de apontar para uma questão curiosa: Por que será que as pessoas andam cada vez mais interessadas por estes temas tão densos que, antes, estavam circunscritos a profissionais da área criminal ou a curiosos?

Para responder a pergunta, o psicólogo clínico português Luís Gonçalves (*) responde que “talvez porque, segundo tudo indica, exista um aumento dessas patologias em nossa sociedade. Vários psicoterapeutas passaram a chamar essas pessoas de ‘psicopatas socializados’, advertindo que eles constituem um sério problema de saúde mental e física. Um problema que afeta não apenas os próprios pacientes, mas também as pessoas com quem eles convivem. Muitas pessoas tóxicas não o mostram diretamente e aparentam ser pessoas de princípios humanos, morais e éticos inquestionáveis. Por isso, são de difícil identificação. Para além disso, vivemos num mundo onde tudo acontece depressa.”

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O perigo é real. Não estamos imaginando coisas

Por vezes, demasiado depressa. E, nesse ritmo alucinante, podemos não ter tempo para cuidar das relações no trabalho e na vida pessoal. Vivemos em piloto automático, sem tempo para sentir, até que, um dia, começamos a perceber que algo não está bem conosco, que temos alguém que quer nos prejudicar mas também podemos achar que estamos apenas imaginando coisas. Que será apenas cansaço ou uma mera casualidade.

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Sem nos apercebermos, podemos estar vulneráveis, com uma sensação de baixo valor próprio, perda de vitalidade e imunidade física, culpa, incapacidade e incompetência. Este estado pode ser provocado pela presença de uma pessoa tóxica.

Quando tentamos equacionar esse problema, o primeiro a fazer é definir bem o que é psicopatia e as diferenças fundamentais que existem entre psicopatia e psicose. Muitos acreditam que o psicopata é um psicótico, mas as duas coisas são diferentes. A psicose é uma distonia mental, ou seja, um estado anormal de funcionamento psíquico. O aspecto central da psicose é a perda do contato com a realidade, o que pode ocorrer em diferentes níveis e graus. Os psicóticos, quando não estão em crise, zelam pelo seu próprio bem estar e o bem estar daqueles que lhes são caros, evitam se machucar, têm interesse sexual, estabelecem contato com pessoais reais. Isso tudo indica a capacidade de relacionamento com o mundo real. A psicose propriamente dita surge a partir do ponto em que o paciente começa a se relacionar com pessoas, coisas e situações que não existem no nosso mundo. Por exemplo, a tristeza e a alegria assemelham-se à depressão e à mania, a dificuldade de recordar ou de aprender estão relacionadas à demência e ao retardo mental, o medo e a ansiedade perante situações corriqueiras têm relação com os transtornos fóbicos ou de ansiedade. Da mesma forma, outros  transtornos mentais podem ser imaginados a partir de experiências pessoais.

 

 

Já a psicopatia – hoje mais comumente chamada de sociopatia ou personalidade psicopática, não é uma doença mental, pois não demonstram qualquer sintoma para tal.

Estas são razões pelas quais, ainda nos anos 60, o movimento norte-americano conhecido como antipsiquiatria recomendou que os psicopatas fossem excluídos das classificações psiquiátricas. Dizia-se, na época, que as alterações do psicopata eram de natureza moral e ética e, para problemas éticos, as soluções tinham de ser éticas (reclusão, encarceramento, etc) e não médicas. Existe hoje um amplo consenso entre os profissionais de saúde mental que a sociopatia, infelizmente, é intratável. Ao contrário da psicose, que é tratada com medicamentos adequados e psicoterapia própria para cada caso.

Sociopatia é defeito de caráter, e não doença

Assim, se a sociopatia é muito mais um defeito de caráter e de estrutura de personalidade, como proceder se você descobrir que alguém muito próximo a você, talvez alguém que desfrute da sua convivência íntima, for um sociopata?

A primeira coisa é conhecer os principais traços que definem uma pessoa assim. E essa definição clara é muito necessária para quem convive com o sociopata e sofre os efeitos da sua conduta, pois o convivente, como norma, tende a negar a realidade dos fatos que, apesar disso, atormentam a sua vida.

Luís Gonçalves elaborou uma lista de fatores que permitem a detecção clara da personalidade sociopata. Gonçalves começa por dizer que a conjugação de muitos traços comportamentais configuram o perfil de uma pessoa tóxica e, potencialmente, negativa para nós e para as pessoas de quem gostamos:

 

 

Eles colocam a pessoa num pedestal e depois fazem-na sentir a pior pessoa do mundo - Idealizam-na, fazem-na se sentir especial, única, atraente e a melhor, como se fosse o seu melhor amigo ou companheiro, muitas vezes, em público e, depois de conhecerem e preencherem os seus gostos, fraquezas e necessidades, desvalorizam-na e a fazem sentir em permanente falta. Como se a pessoa estivesse cada vez mais se tornando uma decepção para eles, e nada que essa pessoa faça para confirmar a impressão anterior, positiva, os deixa satisfeitos.

Projetam na outra pessoa características que são deles - Se são pouco pontuais, dizem que é você que não consegue ser pontual. Se não são éticos (e a maioria dos perfis tóxicos não o são, de fato), acusam a você de ser alguém que quebra a ética. Se não revelam emoções (alguns têm uma incapacidade a nível cerebral de o fazer, mas fingem as emoções só para conseguir dos outros o que pretendem), dizem que você é que é insensível. Logo, os sociopatas apresentam uma hipocrisia revoltante e desconcertante.

Manipulam através da comparação subliminar - Quando estão numa relação amorosa com alguém, falam várias vezes das coisas boas do ex-companheiro ou de uma pessoa nova que conheceram. Isso vai fazer com que você se sinta em competição com eles e dê o seu melhor para agradar ao seu companheiro ou colega. Muito rapidamente, sua segurança vai começar a depender da atenção e validação da pessoa tóxica.

Tendem a isolar a pessoa com quem se relacionam - Os sociopatas fazem isso muitas vezes através de boatos que servem o propósito de lhe afastar e entrar em conflito com pessoas que, de fato, gostam de você e o podem ajudar e alertar para aqui que está acontecendo consigo. Podem também levá-lo a deixar os seus hobbies, seus interesses, as suas formas de cuidar de si mesmo, fazendo isso sempre de forma mais ou menos sutil.

Negam com firmeza tudo aquilo que fazem de errado - Quando são confrontados com os seus comportamentos negativos, tendem a negar e a lançar a culpa nos outros, e o alvo privilegiado é quase sempre o companheiro ou a companheira. São incapazes de aprender com os próprios erros, e não mostram nenhuma intenção de melhorar de conduta. Normalmente, tais atitudes promovem uma exasperação das emoções das pessoas que com ele convivem, levando-o a acusar os outros de serem loucos, de estarem doentes. Ato contínuo, procura tirar a credibilidade do outros perante seus familiares e colegas. Só assumem responsabilidade quando percebem que estão encurralados, e o fazem sempre na perspectiva de tirarem alguma vantagem disso.

- Pulam de vítima em vítima - Os sociopatas vivem por impulso e têm grande dificuldade para estar parados e usufruir de lazer. Daí que saltem, muitas vezes, de vítima para vítima, quando a vítima já se encontra completamente vulnerabilizada, quando ela se constitui um obstáculo difícil ou quando alguém os percebeu e lhes tirou a máscara. Tendem a sentir tédio e, para eles, a vida é um jogo com regras que eles próprios criam. Tendem a querer que os outros vivem segundo essas regras, ou seja, em linguagem popular, “que os outros dancem segundo a sua música”.

- Têm necessidade de controlar - Podem apresentar uma grande vigilância sobre tudo a seu redor, procurando obter o máximo de informação. Daí que as redes sociais e o mundo da Internet seja um local muito frequentado por este tipo de predador. Procuram ter informadores e seguidores – de preferência adoradores - que executam as suas ordens e lhes dão os dados de que precisam, e isto pode acontecer tanto a nível familiar como no trabalho. Tendem a fazer com que as pessoas trabalhem para eles. Este tipo de manipulação é de tal forma eficaz que pode contribuir para o aparecimento de psicopatas secundários, muito comuns em seitas religiosas e em organizações do mesmo tipo.

- Mentem frequentemente - Gostam de criar uma fachada brilhante à sua volta, que lhes permita perseguir, abusar e controlar. Mais em detalhe, muitos psicopatas mostram ao mundo que são esmerados pais e mães de família e que ajudam todos os que precisam. Existe um dado sinistro aqui. Os psicopatas homens tendem a evidenciar características de pais (proteção, poder, confiança e força) e as mulheres mostram características mais maternais, nomeadamente cuidado, preocupação, sustento e compreensão. Mas, por trás de tudo isso, fazem precisamente o oposto. E como as mentiras são tantas, podem criar as suas próprias dificuldades quando se enredam em todas elas.

- Não sentem empatia – Os sociopatas não conseguem vestir a pele das outras pessoas e sentir o que elas sentem. Na verdade, a sua capacidade emocional é extremamente reduzida e podem oscilar apenas entre estados ligados à zanga, inveja e vitimização. Nesta sequência, não medem meios para chegar aos seus fins e que são, na maior parte das vezes, poder financeiro, controle (poder) e visibilidade social e midiática.

 

 

Como conhecer o psicopata

- Os sociopatas nos confundem - Isto é, uma parte de nós começa a achar que essa pessoa nos faz mal, mas outra parte acha que ela não deve ser assim tão negativa e que poderemos estar exagerando na avaliação que fazemos. Isso acontece porque o seu comportamento não é totalmente mau. É bom e mau alternadamente, e muda conforme as pessoas e os contextos onde se encontram. Esta aparente imprevisibilidade leva a vítima a procurar, obsessivamente, a razão desses comportamentos e, mais tarde, a tentar provar que o seu comportamento é que é o adequado. Algumas vezes, sem o conseguir e sem que as pessoas percebam o tipo de abuso que está sofrendo, aumentando a sua sensação de desamparo e solidão.

Fazem-se de vítimas – Os sociopatas criam boatos, intrigas, conflitos e agridem quem lhes faz frente ou quem tem princípios morais e humanos. Logo a seguir, adotam uma postura de fragilidade que ativa automaticamente a nossa humanidade e que nos faz ter pena. Logo que recuperam o controle, voltam a atacar sem misericórdia.

Adoram provocar emoções nos outros - É disso que vivem, das emoções que eles não são capazes de sentir e é assim que controlam as pessoas que os rodeiam. Se o contato for frequente, ficamos esgotados, vazios e deixamos de sentir prazer pelas coisas boas da vida. Em casos de maior gravidade, podemos até pôr em causa a nossa própria existência.

Alternar afeto com agressão - É um dos comportamentos tipo dos psicopatas socializados. A agressão é verbal mas pode chegar a ser física. A pessoa tóxica faz o outro sentir-se mal mas age como se fosse, ao mesmo tempo, a solução.

Como agir perante um psicopata

Infelizmente, há muito pouco a fazer. Como, até agora, considera-se a sociopatia um distúrbio intratável, a melhor forma de agir é prosseguirmos o nosso caminho, nos aceitarmos incondicionalmente, usufruirmos da vida, dos amigos, familiares e colegas e não olhar para trás. O bem-estar também resulta de abrirmos mão do que não podemos mudar. E de quem não muda. Se você é vítima de um sociopata e não conseguir lidar com o problema sozinho, peça ajuda, não tenha medo.


(*) Luís Gonçalves é psicólogo clínico português, e psicoterapeuta na  clínica de psicologia, psicoterapia, neuropsicologia, supervisão clínica, orientação vocacional e formação empresarial Psinove, em Portugal.

 

 

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