Vinte anos de remédios parados: Como a burocracia financeira atrapalha a saúde

Acredite se quiser, mas cerca de vinte anos de remédios ainda não testados e com potencial de salvar vidas estão acumulados em laboratórios nesse momento. E por quê? Porque não conseguem financiamento para avançar para os testes clínicos. O risco financeiro é muito grande.

Acredite se quiser, mas cerca de vinte anos de remédios ainda não testados e com potencial de salvar vidas estão acumulados em laboratórios nesse momento. E por quê? Porque não conseguem financiamento para avançar para os testes clínicos. O risco financeiro é muito grande.
Acredite se quiser, mas cerca de vinte anos de remédios ainda não testados e com potencial de salvar vidas estão acumulados em laboratórios nesse momento. E por quê? Porque não conseguem financiamento para avançar para os testes clínicos. O risco financeiro é muito grande. (Foto: Gisele Federicce)


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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading

Tradução: Tradução de Frida Sterenberg. Revisão de Clarice Harding

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Roger Stein trabalha em finanças e se preocupa bastante em mitigar riscos. Ele e alguns de seus colegas do MIT criaram um modelo de financiamento promissor, que poderá fazer com que centenas de remédios possam ser testados. Nesta conferência proferida recentemente no TED, ele propõe ideias originais para atrair financiamentos destinados à pesquisa médica e farmacológica. 

Vídeo:

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Tradução integral da palestra de Roger Stein no TED:

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Esta é uma foto do meu pai comigo na praia, em Far Rockaway, na verdade, Rockaway Park. Eu sou o louro. Meu pai é o cara com o cigarro. Eram os anos 60. Muita gente fumava naquela época. No verão de 2009, meu pai foi diagnosticado com câncer de pulmão. O câncer é uma das coisas que realmente toca a todo mundo. Nos Estados Unidos da América, se você for homem você tem a probabilidade de cerca de um em cada dois de ser diagnosticado com câncer em sua vida. Se for uma mulher, a probabilidade é uma em três, de ser diagnosticada com câncer. Todo mundo conhece alguém que foi diagnosticado com câncer.

Hoje meu pai está melhor e, em parte, é porque ele pôde participar dos testes clínicos de um novo remédio experimental que foi especialmente formulado e muito bom para o seu caso específico de câncer. Existem mais de 200 tipos de câncer. E o que quero falar hoje é sobre como podemos ajudar mais gente como o meu pai porque precisamos mudar a maneira pela qual pensamos em captar fundos para financiar a pesquisa do câncer. 

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Então, algum tempo depois de meu pai ser diagnosticado, eu estava tomando um café com meu amigo Andrew Lo. Ele é o chefe do Laboratório de Engenharia Financeira do MIT, onde eu também trabalho,e estávamos conversando sobre câncer. E o Andrew andou fazendo suas próprias pesquisas e uma das coisas que lhe haviam dito e que ele aprendeu estudando o assunto é que, na verdade, há um grande gargalo. É muito difícil desenvolver novos remédios, e é muito difícil desenvolver novos remédios porque, nos estágios iniciais de desenvolvimento, os remédios são muito arriscados, e são muito caros. Então, Andrew me perguntou se eu não gostaria de talvez trabalhar um pouco com ele, em alguns cálculos e análises, para tentar descobrir se havia algo que pudéssemos fazer.

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Roger Stein

Eu não sou um cientista. Não sei como fazer um remédio. E nenhum dos meus coautores -- Andrew Lo, José Maria Fernandez ou David Fagnan -- nenhum desses caras é cientista. Não temos a menor ideia de como fazer um remédio contra o câncer. Mas sabemos um pouco sobre como mitigar riscos e um pouco sobre engenharia financeira. Portanto, começamos a pensar: "O que podemos fazer?" O que vou relatar a vocês é um trabalho que temos desenvolvido nos últimos anos, que achamos que pode mudar fundamentalmente a maneira como são feitas as pesquisas sobre o câncer, além de várias outras. Queremos que a pesquisa direcione o financiamento e não o contrário.

Portanto, antes de começar, vou lhes dizer como se financia um remédio. Imagine que você está em seu laboratório -- você é um cientista, você não é como eu -- você é um cientista, e desenvolveu um novo composto que acredita que pode ser terapêutico para alguém com câncer. Bom, o que você faz é testar em animais, testar em tubos, mas há esse conceito de ir da banca de pesquisa à cabeceira do paciente, e para ir da banca de pesquisa, do laboratório, à cabeceira dos pacientes, o remédio precisa ser testado. E os remédios são testados através de uma série de experimentos, basicamente, através desses grandes testes clínicos, como são chamados, para determinar se o remédio é seguro, se funciona, e tudo mais.

Então, o FDA tem um protocolo muito específico. A primeira fase destes testes, chamados de teste de toxicidade, é chamada de Fase I. Na primeira fase, o remédio é dado a pessoas saudáveis para ver se elas não ficam doentes. Em outras palavras, os efeitos colaterais são tão severos que, apesar do bem que a medicação faz, ainda assim não valeria a pena? Ela causa ataques do coração? Mata pessoas? Causa falência do fígado? Esse tipo de coisas.

Na verdade, são tremendos os obstáculos. Cerca de um terço dos remédios é eliminado nessa fase. Na fase seguinte, você testa para ver se o remédio faz efeito e o administra a pessoas com câncer e vê-se se, de fato, elas melhoram. E o obstáculo é maior. As pessoas desistem. E na terceira fase, se testa o remédio numa amostra bem grande e o que se busca é determinar a dose certa e, também, se é melhor do que o que há disponível no momento. Se não for, então para que desenvolve-lo? Quando isso tudo está resolvido, há uma porcentagem muito pequena de remédios que passam pelo processo inteiro, do começo ao fim.

Então, aquelas garrafas azuis... aquelas garrafas azuis salvam vidas, e também valem bilhões, às vezes bilhões por ano. Portanto, eis aqui uma questão: Se eu lhes pedisse, por exemplo, para fazer um único investimento de, vejamos, 200 milhões de dólares, para comprar uma dessas garrafas, portanto, 200 milhões de entrada, de uma vez, para comprar uma dessas garrafas, eu não vou dizer qual delas, em 10 anos, eu lhe digo se a sua é uma das garrafas azuis. Soa como um bom negócio para alguém? Não, não é mesmo? É claro que é uma proposição muito, muito arriscada, e é por isso que é tão difícil de se conseguir financiamento, mas como uma forma inicial de aproximação, é exatamente essa a proposta. É preciso financiar isso desde os estágios iniciais. E demora um tempão.

Então Andrew me disse: "E se parássemos de pensá-los como remédios? E passássemos a pensá-los como ativos financeiros?" Eles têm uma estrutura de compensação muito esquisita e tal, mas vamos aplicar todo nosso conhecimento sobre engenharia financeira. Vamos ver se conseguimos usar todos os truques do ofício para descobrir como fazer com que esses remédios funcionem como ativos financeiros?

Vamos criar um fundo gigante. Em finanças, nós sabemos o que fazer com ativos de risco. Você os coloca numa carteira de investimentos e tenta melhorar o retorno. Então, nós fizemos os cálculos, e resolvemos que poderia dar certo, mas para isso, seriam necessários cerca de 80 a 150 remédios.

Agora, a boa notícia é que há um monte de remédios à espera de serem testados. Fomos informados que existe um acúmulo de cerca de 20 anos de remédios à espera de serem testados, mas que não têm financiamento. Na verdade, o estágio inicial do processo de financiamento, a Fase 1 e o estágio pré-clínico, são chamados de "Vale da Morte", pois é aonde os remédios vão para morrer. É muito difícil eles passarem desse ponto, e, é claro, se não passam desse ponto, não seguem para os estágios mais avançados.

Então, fizemos os cálculos e concluímos: "Certo, precisamos de cerca de 80 até, digamos, 150 remédios, mais ou menos. Daí, fizemos mais umas contas e dissemos: Certo, é um fundo de cerca de3 a 15 bilhões de dólares. Então, criamos um novo problema ao resolver o velho problema. Fomos capazes de nos livrar do risco, mas agora precisamos de um capital enorme, e só há um lugar para conseguirmos esse tipo de capital, o mercado de capitais. Investidores de capital de risco não têm. Os filantropos não têm. Mas precisamos descobrir como conseguir que gente no mercado de capitais, que tradicionalmente não investe nesse tipo de coisa, queira investir.

Então, novamente, a engenharia financeira ajudou nisso. Imagine que o megafundo comece vazio, e o que se faz é emitir algumas dívidas e algumas ações, gerando assim um fluxo de caixa. O fluxo de caixa é usado para comprar aquele grande portfólio de remédios que é preciso, e os remédios começam a percorrer o caminho do processo para serem aprovados. E cada vez que eles passam por uma fase do processo, eles ganham mais valor. A maioria não consegue passar, mas alguns sim, e aqueles que ganham valor podem ser vendidos e, ao serem vendidos, você tem dinheiro para pagar os juros daqueles títulos, mas também tem dinheiro para financiar a próxima rodada de testes clínicos. É quase um autofinanciamento. Isso é feito durante o curso da transação e, quando termina, você liquida a carteira de investimento, paga os títulos e ainda pode dar aos acionistas um bom retorno.

Essa era a teoria, e falamos sobre isso por um tempo, fizemos vários experimentos, e aí dissemos: "Vamos então realmente testar isso". Passamos os dois anos seguintes fazendo pesquisas, falamos com centenas de especialistas em financiamento de remédios, e investidores de capital de risco. Conversamos com pessoas que desenvolveram remédios. Falamos com empresas da indústria farmacêutica. Examinamos os dados sobre remédios, mais de 2.000 remédios que foram aprovados, negados, ou retirados, e também fizemos milhões de simulações. E tudo isso levou muito tempo.

Mas, quando terminamos, encontramos algo bastante surpreendente. Era possível estruturar aquele fundo de forma que, ao terminar de estruturá-lo, você poderia, na verdade, produzir títulos de baixo risco, atraentes para detentores de títulos, que poderiam dar rendimentos de cerca de 5% a 8% e poderia criar ações que dariam aos acionistas cerca de 12% de retorno. Mas esses retornos não são atraentes para investidores de capital de risco.

Investidores de risco são aqueles caras que querem apostar alto e receber bilhões de dólares em retorno. Mas existem várias outras pessoas que estariam interessadas nisso. Em termos de investimento, fica na medida certa para os planos de pensão e aposentadoria, e coisas do tipo.

Então, nós publicamos alguns artigos na imprensa acadêmica. Publicamos artigos em revistas médicas. Publicamos artigos em jornais financeiros. Mas só mesmo quando a imprensa popular se interessou foi que conseguimos alguma aceitação.

No entanto, queríamos mais do que apenas conscientizar as pessoas. Queríamos que as pessoas se envolvessem. Portanto, pegamos todos os nossos códigos de computação e os colocamos disponíveis on-line através de uma licença open-source; para quem quisesse. E hoje vocês podem baixar os códigos se quiserem conduzir seus próprios experimentos e ver se funcionam. E isso foi muito eficaz porque as pessoas que não acreditavam em nossas suposições poderiam testar suas próprias suposições e ver como funcionam.

Agora, há um problema óbvio: será que há dinheiro suficiente no mundo para financiar isso? Eu disse que existem remédios suficientes, mas será que há dinheiro suficiente? Existem 100 trilhões de dólares de capital investidos, no momento, no mercado de renda fixa. São cem mil bilhões. Tem dinheiro à beça. (Risos)

Mas o que percebemos é que é necessário mais do que dinheiro. Precisamos fazer com que as pessoas se sintam motivadas, que se sintam envolvidas, e as pessoas precisavam entender isso. Então, começamos a pensar em tudo que poderia dar errado. Quais desafios poderiam se tornar obstáculos? E a lista era longa.

Então, o que fizemos foi atribuir a um bando de gente, incluindo nós mesmos, diferentes partes desse problema, e perguntamos: "Você poderia iniciar um projeto de risco de crédito? Você pode iniciar um projeto sobre os aspectos regulatórios? Você pode iniciar um projeto sobre como é possível gerenciar tantos projetos?" Colocamos vários especialistas juntos, executando diferentes projetos, e, então, organizamos um conferência.

A conferência aconteceu durante o verão, esse último verão. Foi uma conferência só para convidados. Foi patrocinada pela Sociedade Americana do Câncer e realizada em colaboração com o Instituto Nacional do Câncer. Tivemos especialistas de todas as áreas que achávamos importantes, incluindo o governo, pessoas que lideram centros de pesquisas, e outras. Durante dois dias, eles se sentaram e escutaram os relatórios daqueles cinco projetos, e discutiram sobre eles. Foi a primeira vez que pessoas que realmente poderiam fazer isso acontecer sentaram-se à mesa, frente a frente, e conversaram.

Nessas conferências, é comum haver jantares e, durante o jantar, você conhece gente, mais ou menos como estamos fazendo aqui. Eu dei uma olhada pela janela, e, do fundo do coração, eu olhei pela janela na noite dessa conferência -- era verão -- e foi isso que eu vi: um arco-íris duplo. Então, eu imagino que foi um bom sinal.

Desde a conferência, temos gente trabalhando de Paris a São Francisco, um monte de gente diferente trabalhando nisso para ver se realmente conseguimos fazer acontecer. Não estamos tentando abrir um fundo mas queremos que alguém faça isso. Porque, repetindo, eu não sou um cientista. E não poderia criar um remédio. Nunca vou ter dinheiro o suficiente para financiar nem mesmo um desses testes clínicos. Mas todos nós, juntos, com nossos planos de aposentadoria, nosso planos de educação, nossos planos de pensão, todos nós, juntos, podemos financiar centenas de testes clínicos e receber bem ao fazer isso e salvar milhões de vidas, como a do meu pai. 

Obrigado.

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