Viciados em internet

Eles passam a vida diante do computador. Ser a realidade virtual mais sedutora do que a vida real?



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Por Luis Pellegrini

Álcool, cigarro e drogas pesadas começam a sair de moda. Outras drogas, feitas de pura realidade virtual, tomam o seu lugar Quem, hoje, não conhece algum adolescente que não sai mais com os amigos, que abandonou a prática de esportes e perdeu a vontade de estudar, mas, em compensação, liga a Internet assim que chega em casa e até altas horas da madrugada troca a normal e sadia convivência social pelos papos virtuais em um dos vários chats e sites sociais disponíveis? Ele é vítima de uma patologia contemporânea que preocupa e mobiliza psiquiatras e psicólogos: a “Internet dependência”.

Esse adolescente está longe de ser um caso único. Há, em todo o mundo, milhões deles, e não apenas adolescentes. Pesquisas sérias, como as feitas pela médica norte-americana Kimberly Young, do Center for On-line Addiction, informam que o número global dos que sofrem da síndrome se situa entre 6 e 10% do total de usuários da rede. São pessoas de todas as idades, profissões e classes sociais, que possuem como ponto em comum o fato de não conseguirem controlar o impulso irresistível que as faz passar entre 50 e 60 horas por semana conectadas à rede.

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Em alguns países, as autoridades da saúde pública já começaram a adotar sérias medidas para combater essa dependência. A Suíça foi o primeiro país do mundo a criar uma instituição exclusivamente dedicada ao tratamento dos “drogados da Internet”: cerca de 50 mil indivíduos no país. Em Paris, o Hospital Marmottan – uma das mais importantes clínicas do mundo para a pesquisa, o tratamento e a prevenção das toxicodependências – desenvolve agora um departamento especializado em Internet dependência.

O Brasil não fica atrás nessa corrida. Em São Paulo, a Escola Paulista de Medicina desenvolve o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), que possui um setor especializado em dependentes não-químicos, como é o caso dos Internet dependentes. O telefone desse setor é (011) 5579-1543, mas ele pode também ser contatado pelo site, clicando aqui.

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Em Roma (Itália), onde um homem foi recentemente hospitalizado após ter passado três dias e três noites sem parar navegando na Internet, o psiquiatra Tonino Cantelmi lança sinais de alarme: “Trata-se de uma situação que provoca problemas sociais e relacionamento, uma verdadeira patologia caracterizada por sintomas de abstinência e problemas econômicos.”

Em termos de psicopatologia, Cantelmi não hesita em inserir a Internet dependência no âmbito das toxicomanias clássicas, como a heroína e a cocaína, e comportamentais, como os jogos de azar e o sexo compulsivo. “Os doentes são quase sempre pluridependentes: não apenas da Internet, portanto, mas também da cocaína, maconha, álcool e, sobretudo, dos jogos de azar e de outras substâncias ou comportamentos que geram dependência”, explica.

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Como alguém se torna vítima da síndrome de Internet dependência? Os estudiosos explicam que, de início, o doente percebe apenas a necessidade de aumentar o tempo transcorrido diante do monitor. Mas rapidamente ele se dá conta de que não consegue suspender e muito menos abdicar do uso da rede. As características psicológicas das vítimas da Internet dependência são, quase sempre, as mesmas dos toxicômanos clássicos: indivíduos que sofrem de solidão, depressão e dificuldade de comunicação.

Tais pessoas tendem a se esconder atrás desse novo meio, a procurar refúgio num mundo virtual no qual podem inventar para si mesmos uma nova vida, uma identidade alternativa mais gratificante do que a real. Pessoas, portanto, que sofrem de dificuldades para alcançar uma normal integração social. Aliada a isso existe também, segundo alguns estudiosos, uma predisposição genética. E, fator importante, o risco aumenta consideravelmente para aqueles que são obrigados, por conta do seu trabalho, a passar muitas horas diante do computador, como os programadores, os pesquisadores e os jornalistas.

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Dependência de informações, a mais recente novidade

Uma das descobertas mais recentes revela uma modalidade inusitada de dependência potencializada pela Internet: a “dependência de informações”. O constante bombardeio de notícias fornecidas não apenas pela Internet, mas também pela televisão e por outras ferramentas da mídia contemporânea “vicia” a pessoa e cria em algumas delas uma necessidade cada vez maior de consumir informações. Esse consumo pode se tornar obsessivo e, nesse caso, o “viciado” em informações começa a manifestar os mesmos sintomas de qualquer outra forma de dependência. Entram em estado de angústia patológica quando são obrigados a passar muito tempo sem acessar e consumir informações.

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Um estudo desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia tenta explicar esse estranho processo de intoxicação virtual. Ele revela que o mecanismo do hipertexto, por exemplo, graças ao qual é possível deslocar-se rapidamente e atingir, com um simples clique do mouse, documentos esparsos nos computadores de todo o planeta, pode induzir alguns usuários a desenvolver uma espécie de sentimento de onipotência. Para esses usuários, o hipertexto se converte numa ferramenta que proporciona uma excitante e inesgotável exploração do mundo das notícias, e isso acaba por exaurir as energias físicas e psicológicas de quem a pratica.

Como num parque de diversões, o viciado em informações experimenta, através do computador, sensações como a da velocidade, a da anulação das distâncias, a da superação das barreiras espaço-temporais, a do anonimato – todas elas fatores que alteram a bioquímica do cérebro e podem produzir um forte estado de excitação. Enquanto permanece sob controle, esse estado é agradável. Mas ele pode se transformar num pesadelo para quem o converte em seu principal objetivo de vida.

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Para um outro psiquiatra italiano, Michele Sforza, a Internet tem apenas parte da responsabilidade: “No meu entender, o verdadeiro problema é um outro e se chamada Net addiction (escravidão à rede), ou seja, toda uma série de comportamentos patológicos que conduzem à dependência de qualquer meio de comunicação. Não apenas o computador, mas também a televisão, o telefone, o celular, os jornais e revistas.”

Qual seria a terapia adequada para combater essas dependências quando elas começam a perturbar a existência do doente e dos que com ele convivem? Para Michele Sforza, essa terapia é “antes de tudo, a farmacologia, quando se detecta a presença de uma obsessão invisível em relação à Internet ou a qualquer outro fator de adicção. Imediatamente depois, um suporte psicológico. É apenas com a quebra dos comportamentos repetitivos do paciente, ajudando-o a retomar o controle das suas próprias ações e os contatos sociais, que se pode esperar uma reabilitação definitiva”.

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Marc Valleur, psiquiatra chefe do Hospital Marmottan, de Paris, acha que a Internet dependência “é um fenômeno emergente que não pára de se acentuar. Os pacientes que me procuram muitas vezes sacrificaram o seu trabalho, os seus estudos, a sua vida social ou amorosa para se isolar no mundo virtual. Eles percebem que estão estragando suas vidas, mas se sentem incapazes de se desligar da Internet. Nesses casos, podemos falar de uma verdadeira dependência”.

Valleur distingue três famílias de “ciberdependentes”: 1) Pacientes entre 17-25 anos que chegam a jogar videogames 12 horas por dia. 2) Os que não saem dos chats e fóruns de discussão. 3) Os adultos que mergulham nos sites pornográficos. Ponto em comum em todos eles, segundo Valleur: “Nesses universos virtuais a pessoa se sente reconhecida, respeitada e amada. O que nem sempre é o caso na vida real.” Segundo Valleur, “a net não cria comportamentos patológicos. A Internet dependência vem se instalar sobre problemas pré-existentes. As personalidades que mais têm afinidade com as máquinas são aquelas que têm receio de se atirar na vida, os fóbicos e os introvertidos. O perigo aparece quando a pessoa não consegue mais ter relações normais”.

Não podemos, portanto, condenar a Internet e os demais objetos de adicção como responsáveis por esse mal. Um instrumento não é responsável pelo mau uso que se faz dele. Longe disso, as adicções são doenças emblemáticas da modernidade. São formas tomadas pelo sofrimento psíquico na cultura dos dias de hoje, e é nessa cultura que devem ser procuradas as causas do problema e também a sua solução.

Não se discute o fato de que a Internet veio para ficar e constitui hoje uma ferramenta essencial e utilíssima da vida moderna. Mas a prática compulsiva dos recursos que ela oferece nada tem de inócua ou de brincadeira. Exatamente como acontece com as drogas químicas (as toxicomanias), as dependência não-químicas trazem consigo uma séria possibilidade de loucura e de alienação da realidade.

DEPENDÊNCIA NÃO QUÍMICA

Celular, bingo, trabalho, televisão, comida, sexo, exercícios físicos: tudo em excesso pode se converter em dependência não-química.

A Internet dependência está longe de ser a única no leque amplo das dependências não-químicas. Videogames, compras compulsivas, telefone celular, trabalho, religião e esoterismo, comida, prática compulsiva de esportes e exercícios físicos de fitness, sexo compulsivo, jogos de azar constituem algumas modalidades dessa nova linha de dependências típicas dos tempos modernos. Até mesmo certas formas de dependência amorosa e afetiva são entendidas hoje como modalidades de dependência.

Um episódio do seriado norte-americano ER (Plantão Médico, no Brasil) apresentou há pouco o caso de um rapaz internado no pronto-socorro por conta da compulsão de se masturbar cerca de dez vezes por dia. Na Dinamarca, um jovem pediu ajuda a uma clínica de desintoxicação: ele desenvolvera a mania de enviar mais de 200 mensagens SMS por dia; no final de cada mês a conta do seu celular superava dois mil euros (cerca de seis mil reais).

O primeiro lugar em número de casos de dependência não-química parece ser ocupado pela ludopatia – o jogo patológico. Ela engloba não apenas os tradicionais jogos de azar – nos dias de hoje sobretudo o bingo –, mas também os jogos possibilitados pelo computador, como os videogames, os jogos de paciência, etc. É enorme o número de casos de lesões por esforço repetitivo (LER) na musculatura da mão e do braço devido à prática compulsiva de videogames e jogos de paciência, os quais exigem um uso intenso do mouse.

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