Um atlas do cérebro: o mais completo mapa da nossa cabeça

Como podemos começar a entender de que maneira o cérebro funciona? Da mesma maneira que começamos a entender uma cidade: fazendo um mapa. Nesta surpreendente palestra visual, Allan Jones mostra como sua equipe está mapeando quais genes estão ativos em cada pequena região cerebral, e de que forma no cérebro tudo se interconecta

Como podemos começar a entender de que maneira o cérebro funciona? Da mesma maneira que começamos a entender uma cidade: fazendo um mapa. Nesta surpreendente palestra visual, Allan Jones mostra como sua equipe está mapeando quais genes estão ativos em cada pequena região cerebral, e de que forma no cérebro tudo se interconecta
Como podemos começar a entender de que maneira o cérebro funciona? Da mesma maneira que começamos a entender uma cidade: fazendo um mapa. Nesta surpreendente palestra visual, Allan Jones mostra como sua equipe está mapeando quais genes estão ativos em cada pequena região cerebral, e de que forma no cérebro tudo se interconecta (Foto: Gisele Federicce)


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Vídeo: TED-Ideas Worth Spreading
Tradução: Francisco Paulino Dubiela. Revisão: Isabel Villan

CEO (diretor executivo) do Allen Institute for Brain Science, com sede em Seattle, EUA, Allan Jones lidera um ambicioso projeto de construção de um atlas do cérebro humano aberto a todos os interessados, online e interativo.

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O Allen Institute for Brain Science – do qual um dos principais cofundadores é Paul Allen, da Microsoft – foi criado para a missão de incrementar descobertas a respeito do cérebro humano. Para tanto, ele reúne um formidável grupo de cientistas, e se relaciona com todas as principais instituições congêneres ao redor do mundo.

Vídeo:

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Tradução integral da conferência de Allan Jones:

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Há tempos os homens têm uma fascinação pelo cérebro humano. Nós o traçamos, nós o descrevemos, nós o desenhamos, nós o mapeamos. Da mesma forma como os mapas físicos de nosso mundo que foram muito influenciados pela tecnologia - pensem nos Google Maps, pensem no GPS - a mesma coisa está acontecendo no mapeamento cerebral por meio de transformação.

Então vamos dar uma olhada no cérebro. A maioria das pessoas, ao olhar pela primeira vez para um cérebro humano fresco, dizem: "Isso não parece com o que você vê quando alguém mostra um cérebro". Normalmente, o que vocês veem é um cérebro fixado. É cinza. E essa camada externa, é a zona de vasculatura, que é incrível, ao redor do cérebro humano. Esses são os vasos sanguíneos. 20 por cento do oxigênio que vêm de seus pulmões, 20 por cento do sangue bombeado pelo seu coração, está a serviço desse único órgão. Basicamente, se você apertar dois punhos juntos, ele será um pouco maior do que esses dois punhos.

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Os cientistas, perto do fim do século 20, aprenderam que podiam rastrear o fluxo sanguíneo para mapear de forma não invasiva onde a atividade estava ocorrendo no cérebro humano. Então, por exemplo, eles podem ver na parte de trás do cérebro, que está virando aqui. Eis o cerebelo. Isso que está mantendo vocês sentados agora. Ele está me mantendo de pé. Está envolvido em movimentos coordenados. Aqui do lado está o córtex temporal. Essa é a área onde ocorre o processamento auditivo primário -então vocês escutam minhas palavras, e as enviam para centros de processamento de linguagem superiores. Em direção à frente do cérebro está o lugar de todos os pensamentos mais complexos, das tomadas de decisão - é o último a amadurecer na fase adulta. É aqui onde todos os processos de tomada de decisão acontecem. É o lugar onde você decide agora mesmo se você vai pedir bife para o jantar.

Então, se você der uma olhada mais profunda no cérebro, uma das coisas, se você observá-lo nessa seção, o que você pode ver é que não pode realmente ver um monte de estruturas aqui. Mas há realmente um monte de estruturas aqui. Suas células e suas conexões estão todas ligadas. Então, cerca de 100 anos atrás, alguns cientistas inventaram uma marcação que podia identificar células. E isso é mostrado aqui nesse azul bem claro.

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Você pode ver áreas onde corpos celulares normais estão marcados. E você pode ver que não é muito uniforme. Você vê um monte de estruturas ali. Então a parte externa desse cérebro é o neocórtex. É uma unidade de processamento contínuo, se preferir. Mas vocês também podem ver coisas embaixo dele. Todas essas áreas em branco são as áreas onde as conexões estão passando. Elas provavelmente são menos densas em células. Então há cerca de 86 billhões de neurônios em nosso cérebro. E como pode-se ver aqui, eles não estão distribuídos uniformemente. E como eles se distribuem contribui muito para sua função subjacente. E é claro, como mencionei antes, como podemos agora começar a mapear a função cerebral, podemos começar a amarrá-las em células individuais.

Então vamos dar uma olhada mais profunda. Vamos olhar os neurônios. Como mencionei, há 86 bilhões de neurônios. Há também essas células menores como podem ver. Elas são células de suporte – os astrócitos da glia. E os próprios nervos são aqueles que recebem aferências. Eles estão armazenando, eles estão processando. Cada neurônio está conectado via sinapses com até 10 mil outros neurônios em seu cérebro. E cada neurônio sozinho é muito singular. O caráter singular tanto de neurônios individuais como de neurônios dentro de um aglomerado cerebral é determinada por propriedades fundamentais de sua bioquímica subjacente. Essas são proteínas. São proteínas que controlam coisas como movimento de canais iônicos. Elas controlam com quem as células do sistema nervoso se conectam. E elas controlam basicamente tudo o que o sistema nervoso precisa fazer.

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Então, se focarmos para um nível ainda mais profundo, todas essas proteínas são codificadas por nossos genomas. Cada um de nós tem 23 pares de cromossomos. Nós recebemos um da mãe e um do pai. E nesses cromossomos estão aproximadamente 25 mil genes. Eles estão codificados no DNA. E a natureza de uma determinada célula que dirige sua bioquímica subjacente é ditada por quais desses 25 mil genes são ativados e em qual nível estão ativados.

Então, nosso projeto é tentar verificar essa leitura, e entender quais desses 25 mil genes estão ativados. Para executar um projeto assim, nós precisamos de cérebros, obviamente. Então enviamos nosso técnico de laboratório para fora. Nós estávamos em busca de cérebros humanos normais. Nós começamos na verdade em um instituto médico legal. Esse é um lugar para onde os mortos são trazidos. Nós estamos procurando cérebros humanos normais. Há vários critérios pelos quais selecionamos esses cérebros. Nós queremos ter certeza de que temos humanos normais entre as idades de 20 a 60 anos,que morreram devido a morte natural sem danos para o cérebro, sem histórico de doença psiquiátrica, sem drogas envolvidas - nós fazemos um exame toxicológico. E somos muito cuidadosos com os cérebros que levamos. Nós também selecionamos cérebros em que podemos retirar o tecido, podemos conseguir o consentimento para retirar o tecido até 24 horas depois da hora da morte. Pois o que estamos tentando medir, o RNA - que é a leitura de nossos genes - é muito lábil, e por isso temos de agir com rapidez.

Uma nota sobre a coleção de cérebros: devido à maneira como os coletamos, e por que pedimos consentimento, nós temos muito mais cérebros de homens do que de mulheres.Os homens tendem muito mais a morrer em acidentes no auge da vida. E os homens tendem muito mais a ter uma companheira, sua esposa, que dá o consentimento, do que o inverso.

Então a primeira coisa que fazemos no local da coleta é coletarmos o que chamamos de MR. Isso é imageamento por ressonância magnética - MRI. É uma amostra padrão pela qual vamos basear o resto dos dados. Então coletamos esse MR. E você pode pensar nisso como nossa visão de satélite de nosso mapa. A próxima coisa que fazemos é coletar o que é chamado de imageamento por tensor de difusão. Isso mapeia os cabos principais do cérebro. E de novo, você pode pensar nisso como o mapeamento de nossas rodovias federais, se preferir. O cérebro é removido do crânio, e é então cortado em fatias de 1 centímetro. E elas são congeladas, e são enviadas para Seattle. E em Seattle, nós fazemos isso - isso é um hemisfério humano inteiro - e o colocamos num tipo de fatiador de carne especial. Há uma lâmina que corta uma seção do tecido e a transfere para uma lâmina de microscópio. Nós vamos aplicar uma das marcações nela, e a escaneamos. E depois o que temos é nosso primeiro mapeamento.

Então aqui é onde os experts entram e fazem medidas anatômicas básicas. Você pode considerar como fronteiras entre os estados, se preferir, essas lindas linhas fronteiriças. A partir disso, somos capazes de fragmentar esse cérebro em peças menores, que colocamos em um criostato menor. E isso está mostrado aqui - o tecido congelado, e sendo cortado. Isso tem 20 mícrons de espessura, mais ou menos um fio de cabelo de um bebê. E lembre-se, está congelado. E como podem ver aqui, a tradicional tecnologia do pincel sendo aplicada. Nós usamos uma lâmina de microscópio. Então nós a esquentamos com muito cuidado sobre a lâmina. Isso vai depois para um robô que aplica uma dessas marcações nela. E nossos anatomistas vão dar uma olhada mais profunda nisso.

Então novamente isso é o que eles veem no microscópio. Vocês podem ver coleções e configurações de células maiores e menores em grupos e lugares variados. E a partir daí é rotina. Eles sabem onde fazer essas medidas. E eles podem fazer basicamente um atlas de referência. Esse é um mapa mais detalhado.
Nossos cientistas usam isso para voltar para outra peça desse tecido e fazer a chamada microdissecção por escaneamento a laser. Então os técnicos tomam as instruções. Eles delineiam um lugar ali. E depois o laser o corta. Vocês podem ver esse ponto azul cortando. E esse tecido cai. Vocês podem vê-lo na lâmina de microscópio aqui, isso é o que acontece em tempo real. Há um recipiente abaixo que está coletando esse tecido. Nós pegamos esse tecido, purificamos o RNA dele usando alguma tecnologia básica, e depois colocamos uma marca fluorescente nele. Nós pegamos esse material marcado e o colocamos em algo chamado de "microarray".

Agora isso pode parecer como um monte de pontos para vocês, mas cada um desses pontos individuais representa um pedaço singular do genoma humano que detectamos na lâmina. Esse tem cerca de 60 mil elementos, então nós medimos repetidamente vários genes dos 25 mil genes do genoma. E quando tomamos uma amostra e a hibridizamos, conseguimos uma digital singular, se preferir, quantitativa de quais genes estão ativados naquela amostra.

Agora fazemos isso de novo e de novo, esse processo para todos os cérebros. Estamos coletando mil amostras para cada cérebro. Essa área mostrada aqui é chamada de hipocampo. Ela está envolvida em aprendizagem e memória. E ela contribui com cerca de 70 amostras das mil amostras. Então cada amostra nos oferece cerca de 50 mil pontos de dados com medidas repetidas, mil amostras.

Então temos aproximadamente 50 milhões de pontos de dados para cada cérebro humano. Nós conseguimos agora dados completos de dois cérebros humanos. Nós juntamos tudo em uma coisa só, e vou mostrar a vocês como se parece a síntese. É basicamente uma grande série de informações que está disponível gratuitamente para qualquer cientista no planeta. Não é preciso fazer cadastro para usar essa ferramenta, analisar os dados, encontrar coisas interessantes com isso. Então eis as modalidades que colocamos juntas. Vocês vão reconhecer essas coisas das que já coletamos antes. Aqui está o MR. Ele fornece a estrutura. Há um operador lateral à direita que permite que você vire, faça um zoom, permite que você destaque estruturas individuais.
Mas mais importante, estamos agora mapeando essa estrutura anatômica, que é uma estrutura comum para as pessoas entenderem onde os genes estão ativados. Então os níveis em vermelho são onde um gene está ativado em um nível alto. O verde são as áreas frias onde não está ativado. E cada gene nos dá uma digital. E lembre-se que analisamos todos os 25 mil genes do genoma e temos todos esses dados disponíveis.

Então o que os cientistas podem aprender com esses dados? Nós mesmos estamos só começando a olhar para esses dados. Há algumas coisas básicas que vocês gostariam de saber. Dois grandes exemplos são as drogas, Prozac e Wellbutrin. Eles são antidepressivos normalmente prescritos. Agora lembrem-se, estamos analisando genes. Os genes enviam as instruções para fazer proteínas. As proteínas são alvos para as drogas. Então as drogas se ligam a proteínas e as ativam, etc. Então se você quer entender a ação das drogas, é preciso entender como elas atuam nas maneiras que gostaríamos, e também nas maneiras que não gostaríamos. Seus efeitos colaterais, etc. Você quer ver onde esses genes são ativados. E pela primeira vez, nós podemos fazer isso. Podemos fazer isso em vários indivíduos que analisamos também.

Então agora podemos ver através do cérebro. Podemos ver essa digital única. E obter a confirmação. Obtemos a confirmação de que, de fato, o gene está ativado - por algo como o Prozac, em estruturas serotonérgicas, coisas que já se sabia que são afetadas - mas também conseguimos ver o quadro completo. Podemos ver áreas que ninguém havia olhado antes, e vemos esses genes ativados aqui. É um efeito colateral muito interessante. Uma outra coisa que você pode fazer com isso é que você pode, pois é um exercício de comparação de padrões, pois há uma digital singular, podemos escanear o genoma completo e encontrar outras proteínas que mostram uma digital similar. Então se você pesquisa a descoberta de novas drogas, por exemplo, você pode fazer uma lista completa do que o genoma tem a oferecer para encontrar talvez melhores drogas e otimizá-las.

A maioria de vocês provavelmente conhece estudos de associação de genomas na forma como as pessoas acompanham as notícias dizendo: "Cientistas descobriram recentemente o gene ou genes que afetam X." E assim esse tipo de estudos são rotineiramente publicados pelos cientistas e são ótimos. Eles analisam grandes populações. Eles verificam genomas inteiros, e tentam encontrar pontos quentes de atividade que estão ligados causalmente com genes. Mas o que você obtém com um estudo assim é apenas uma lista de genes. Ele diz o que, mas não diz onde. Assim é muito importante para esses pesquisadores que tenhamos criado esse recurso. Agora eles podem vir e podem começar a ter pistas sobre atividade. Eles podem começar a olhar as vias comuns - outros caminhos que simplesmente não podiam ver antes.

Então eu acho que essa audiência em particular pode entender a importância da individualidade. E eu acho que cada humano, todos nós temos contextos genéticos diferentes, todos nós vivemos vidas separadas. Mas o fato é que nossos genomas são mais do que 99 por cento parecidos. Nós somos parecidos no nível genético. E o que estamos descobrindo é que, mesmo no nível da bioquímica cerebral, nós somos muito parecidos. E isso mostra que não é 99 por cento, mas é uma correspondência de 90 por cento em um limite razoável, então tudo na nuvem está correlacionado aproximadamente. E depois encontramos alguns pontos fora da curva, algumas coisas que estão fora da nuvem. E esses genes são interessantes, mas eles são muito sutis. Então acho que é uma mensagem importante para levar para casa hoje que mesmo que celebremos todas as nossas diferenças, nós somos muito parecidos mesmo no nível cerebral.

Agora como essas diferenças se parecem? Isso é um exemplo de um estudo que fizemos para rastrear e ver como eram essas diferenças exatamente - e elas são muito sutis. Essas são coisas onde os genes são ativados em um tipo de célula específico. Esses são dois genes que encontramos como bons exemplos. Um é chamado de RELN - está envolvido com pistas do desenvolvimento inicial. O DISC1 é um gene que está deletado na esquizofrenia. Esses não são indivíduos esquizofrênicos, mas eles mostram alguma variação na população. E o que vocês estão vendo aqui no doador um e doador quatro, que são as exceções dos outros dois, é que os genes estão sendo ativados em um grupo muito específico de células. É esse precipitado roxo escuro dentro da célula que está nos dizendo que um gene está ativado ali. Se isso é ou não é devido ao contexto genético do indivíduo ou suas experiências, nós não sabemos. Esses tipos de estudos requerem populações bem maiores.

Então vou deixar a vocês uma nota final sobre a complexidade do cérebro e quanto ainda precisamos ir. Eu acho que esses recursos são incrivelmente valiosos. Eles oferecem aos pesquisadores uma bússola para onde ir. Mas nós só olhamos para alguns indivíduos até esse ponto. Certamente vamos olhar em mais. Eu vou apenas encerrar dizendo que as ferramentas estão aí, e isso é realmente um continente inexplorado e desconhecido. Essa é a nova fronteira, se preferir. E para aqueles que são destemidos, mas humildes diante da complexidade do cérebro, o futuro aguarda. Obrigado.

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