Terra sem gente. A natureza não precisa dos humanos
O que aconteceria à Terra se a espécie humana sumisse de repente de sua superfície? As respostas de especialistas mostram que o mundo resistiria muito bem a essa mudança
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Por Eduardo Araia
Em tempos de aquecimento global e suas consequências – elevação do nível do mar, secas acentuadas de um lado, chuvas torrenciais de outro, furacões e tornados devastadores –, além de terremotos, erupções vulcânicas e alguns insanos ansiosos para apertar um gatilho nuclear, nada mais normal que as velhas profecias apocalípticas estejam de volta. Será o fim da humanidade? O fim do planeta? É difícil responder à primeira pergunta. Mas a segunda, com certeza, tem resposta – e ela é negativa.
Após 200 anos sem humanos, as ruas de grandes metrópoles seriam totalmente recobertas pelas folhas de suas árvores, enquanto a grama seca de suas encostas e parques – a essa altura já bastante crescida – incendiaria todo o município, caso fosse atingida por um relâmpago. Como as usinas nucleares também estariam abandonadas, os cientistas não sabem precisar quanto tempo os animais e a vegetação do planeta sobreviveriam ao vazamento de materiais tóxicos.
Ninguém pode desprezar a incrível força regeneradora da natureza. Quem já viu um recife artificial se formar a partir dos restos de um navio afundado conhece bem esse poder. Se ervas brotam até mesmo em uma fresta no asfalto, por que deixariam intocadas as construções humanas? As espetaculares construções de Palenque e Angkor Wat, por exemplo, foram encontradas em meio a densas florestas.
Homem brinca de deus incompetente
E se a raça humana subitamente desaparecesse da Terra? Pelas projeções desenvolvidas por cientistas, o mundo continuaria repleto de vida, com uma vantagem adicional – seu mais problemático ocupante já não estaria por aqui brincando de deus incompetente.
Para começar, não haveria mais as emissões industriais (e de queimadas propositais) de dióxido de carbono. Ainda abundante na atmosfera, esse gás levaria cerca de 200 anos para se dissipar. A camada de ozônio se recuperaria, reduzindo bastante os efeitos nocivos dos raios ultravioleta.
Eventuais vazamentos de metais pesados e toxinas chegariam à natureza, e alguns deles poderiam exigir todo um milênio para se decompor. Enquanto isso, as represas e barragens ficariam assoreadas e transbordariam, permitindo que os rios voltassem a levar nutrientes para o mar, reduto da maior parte dos seres vivos. Seria, grosso modo, um retorno aos velhos tempos – e a Terra estaria pronta para outra etapa de sua vida.
Áreas sem gente já existem
Imaginar a superfície terrestre sem homens não é pura ficção. Alguns redutos isolados nos dão esse privilégio hoje. Um deles é a Zona Desmilitarizada entre as duas Coreias. Antes da guerra que devastou a península coreana no início da década de 1950, esse território de cerca de 250 quilômetros de comprimento por quatro quilômetros de largura era ocupado há milênios por agricultores de arroz.
Delimitada após o fim do conflito, em 1953, a área já mal apresenta vestígios dos arrozais. Entre os trechos pantanosos em que se transformaram muitas plantações, despontam bandos de grous de cabeça vermelha, uma das espécies mais raras do planeta. Essas aves tocam o solo tão suavemente que nem ativam as inúmeras minas ali enterradas.
Um sumiço dos humanos ali não significaria uma imediata vitória da natureza. Antes disso, as represas que desviam rios para ajudar no abastecimento de água da região metropolitana de Seul (a capital sul-coreana) teriam de entrar em colapso. Nesse intervalo entre 100 e 200 anos, porém, muita coisa aconteceria, imagina o biólogo Edward Wilson, da Universidade Harvard (EUA).
De acordo com o biólogo, ursos-negros asiáticos, lontras, almiscareiros e leopardos-de-amur voltariam a percorrer aquelas terras, então repletas de carvalhos e cerejeiras. Os tigres-siberianos, atualmente restritos à fronteira entre a China e a Coreia do Norte, também se espalhariam pela área. “Poucas espécies de animais domesticados sobreviveriam depois de uns 200 anos”, avalia Wilson.
Outro relance da ausência humana no mundo é a Floresta Bialowieza, entre a Polônia e a Belarus (a antiga Bielo-Rússia) – um resto da vastidão verde que já recobriu a Europa desde os Montes Urais, a leste, até o Canal da Mancha.
Uma floresta na Polônia
Seus pouco mais de 200 mil hectares contêm carvalhos de meio milênio e freixos e tílias de mais de 40 metros de altura, em meio a arbustos, samambaias, trepadeiras e fungos. Uivos de lobos e pios de corujas e de pica-paus são ouvidos em meio à densa vegetação. Ficar tanto tempo intacta é uma proeza notável neste planeta, mas a Floresta Bialowieza parece predestinada a isso. Ainda no século 14, um duque lituano declarou-a área de caça exclusiva para a família real. Quando os russos a tomaram, ela foi doada aos czares.
Os alemães usaram a floresta para retirar madeira (e massacrar inimigos) durante a Primeira Guerra Mundial, mas um núcleo permaneceu intocado e foi transformado em parque nacional polonês em 1921. Os soviéticos recomeçaram a retirar madeira, mas, com a chegada dos nazistas, o marechal Hermann Goering, ambientalista fanático, protegeu a área de novo. Depois da Segunda Guerra Mundial, um embriagado Josef Stálin teria aceito, em Varsóvia, conceder à Polônia 40% da floresta.
O que aconteceria com o habitat preferido dos humanos – as grandes cidades – se eles sumissem? O modelo escolhido foi nada menos do que Nova York (EUA), a capital do mundo. Segundo Jameel Ahmad, diretor do departamento de engenharia civil da Cooper Union College, os repetidos congelamentos e descongelamentos comuns em meses como março e novembro rachariam o cimento em cerca de dez anos, permitindo a infiltração da água.
O tempo faria essas fendas se alargarem, favorecendo a irrupção de ervas. E, sem ninguém para controlar as árvores, raízes de ailanto (uma espécie que os nova-iorquinos trouxeram da China) invadiriam as calçadas e rachariam a rede de esgoto em apenas cinco anos, afirma Dennis Stevenson, curador do Jardim Botânico da cidade.
Animais cuja sobrevivência depende do homem desapareceriam em dez anos. As baratas, por exemplo, não resistiriam ao frio dos edifícios sem calefação, e os ratos, cujo alimento vem do lixo, virariam refeição para os falcões e os gaviões. Vegetais hoje comestíveis, como a cenoura, o brócolis, a couve-flor e o repolho, voltariam a suas irreconhecíveis formas originais.
As fendas no solo ampliariam muito um dos problemas já existentes na cidade de Nova York: a elevação do nível de água subterrânea. Assim como em São Paulo e outras metrópoles do mundo, o oceano de concreto e asfalto não deixa muito espaço para absorver essa água. Sem energia elétrica, as bombas de sucção que impedem inundações no metrô não funcionariam. Em consequência, as águas inundariam o solo sob o pavimento, o que originaria crateras nas ruas.
Metrôs inundados pelas águas
Não é só isso. Se os esgotos fossem destruídos, antigos cursos de água reapareceriam e novos surgiriam, afirma Eric Sanderson, membro da Wildlife Conservation Society. Com isso, em duas décadas as colunas de aço que sustentam a rua acima dos túneis de metrô do East Side ficariam encharcadas, sofreriam corrosão e deformariam.
Em 2008, Steven Clemants, então vice-presidente do Jardim Botânico do Brooklyn, e falecido um ano depois, deu suas pinceladas no quadro. “Após 200 anos sem humanos”, observou, “toneladas de folhas de carvalhos e de plátanos recobririam as ruas da cidade. Qualquer relâmpago que caísse sobre a grama seca do Central Park – já na altura do joelho – poderia espalhar fogo por todo o município.”
Como as pontes da cidade resistiriam por uns 300 anos, em duas décadas, Nova York receberia grandes contingentes de coiotes, seguidos por veados, ursos e lobos. Nos cursos d’água, sapos, arenques e mexilhões marcariam presença.
Ainda não se sabe ao certo quanto tempo os animais e vegetais resistiriam a materiais tóxicos. Sem ninguém para cuidar de lugares como a usina nuclear de Indian Point, cerca de 50 quilômetros ao norte de Times Square, imagina-se que a radioatividade vazaria após 50 anos e contaminaria o Rio Hudson por pelo menos dez milênios. Enquanto isso, os prédios erigidos com pedras – as construções mais resistentes – estariam ficando em ruínas.
O toque final estaria por conta de uma glaciação, que, como as outras três que atingiram Nova York, varreriam os resíduos da cidade. Quando o gelo recuasse, haveria uma concentração incomum de metais avermelhados, restos de fiação e encanamentos. O futuro dominador das terras poderia explorar essas reservas, mas não teria ideia de como elas surgiram ali. Pena: se soubesse, provavelmente não repetiria a trajetória catastrófica daqueles antigos humanos.
O último reduto da vida selvagem
Para vários cientistas, a responsabilidade humana vai muito além dos males derivados da Revolução Industrial. “Quando o homem deixou a África e a Ásia e chegou a outras partes do mundo, foi o caos”, acusou o paleoecologista Paul Martin (1928-2010), da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.
Segundo ele, a humanidade está por trás do grosso das extinções em massa de seu período, porque elas começaram em todos os lugares com a chegada de nossos antepassados: na Austrália, há 60 mil anos; nas Américas, há uns 15 mil anos; no Caribe, há seis mil anos; e, em Madagascar, há dois mil anos.
Só os oceanos continuam relativamente a salvo da capacidade de destruição humana, simplesmente porque o homem pré-histórico não era capaz de caçar grandes animais marinhos. Até a época de Colombo, por exemplo, pelo menos 12 espécies oceânicas eram maiores do que a maior nau de sua frota, garante o paleoecologista marinho Jeremy Jackson, do Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá.
Mesmo que o atual estrago nos oceanos seja significativo – haja vista a agonia dos recifes de coral e o quase colapso enfrentado pela indústria da pesca do bacalhau –, a situação não é tão dramática quanto a da terra firme, afirma Jackson: “A grande maioria das espécies marinhas está profundamente exaurida, mas ainda existe. Se as pessoas realmente fossem embora, a maioria delas se recuperaria.”
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